Futebol e ideologia: a história oculta do Grêmio Esportivo Força e Luz



Não só de Grêmio e Internacional vive o futebol gaúcho. Muitos clubes e agremiações esportivas foram formadas ao longo do século XX em todo o Estado. Em Porto Alegre não é diferente, muitos clubes surgiram naquela época e muitos já não existem mais. Nossas pesquisas sobre o futebol mostram uma variedade de campeonatos e clubes que disputavam os matchespor todos os cantos da cidade. Um destes clubes é o Grêmio Esportivo Força e Luz.Além deste, outros times tiveram sua “época de ouro” do futebol porto-alegrense. Por isso,urge que os pesquisadores, dos mais variados segmentos da sociedade, e que tenham interesse no assunto, ajudem na recuperação, resgate e socialização desta parte da história social de Porto Alegre.

Mas afinal, por que resgatar essa parte da memória esportiva de Porto Alegre? A resposta é muito simples. A memória não é algo que deve permanecer inerte no passado, ao contrário, a memória se faz presente sempre que lembrarmos de um acontecimento. É no presente e para o presente que se faz história, caso contrário não haveria historiadores escrevendo e recontando, sob seus diversos pontos de vista, os fatos passados. Assim, resgatar a memória oculta destes clubes e agremiações esportivas é construir uma memória que muitas vezes não é lembrada. Esta construção não é no sentido de forjar algo, de glorificação do passado, mas de mostrar que muito do que ouvimos falar, mesmo no nosso cotidiano, tem uma história interessante e que deve ser ouvida por diversas gerações. Negar o passado é privar uma pessoa de sua identidade.

Com efeito, resgatar e socializar com a comunidade esta parte do passado esportivo da capital tem seu valor no presente por que ajuda na construção da identidade citadina de nossos conterrâneos, e assim transmitir valores e história de gerações que já não podem falar no presente. Por tanto, nada melhor do que o futebol para expressar esse sentimento identitário, não só do Rio Grande do Sul, mas também do Brasil. Mas apenas resgatar esta memória não basta, devemos mostra-la às pessoas, socializando-a com meio em que estamos inseridos e para o qual queremos nos expressar. Uma pesquisa só faz sentido a partir do momento em que há pessoas receptivas a ela, pessoas que ouçam as histórias desvendadas e as ideias construídas a partir destas pesquisas.

Na Porto Alegre do início do século XX muitas greves estouraram, reivindicando melhores condições para a nova classe emergente, a operária; resultado da industrialização ocorrida a partir dos governos estaduais positivistas. Desde o final do século XIX, o movimento operário no Estado vinha tendo a influência de diversas correntes de pensamento social e político que vinham na bagagem dos imigrantes europeus. Deste modo, temos os anarquistas que pregavam a supressão completa do Estado por meio da violência revolucionária e os social-democratas que queriam uma revolução através da legalidade e do jogo eleitoral, tendo em vista a conquista do Estado. Os trabalhadores reuniam-se em agremiações que reivindicavam melhores condições de vida como os sindicatos e em clubes recreativos, reunindo os patrões e os empregados, como as associações mutualistas.

Em meio a formação do movimento operário no Brasil e no Rio Grande do Sul, temos um esporte que cresce em adeptos e em popularidade, e aos poucos vai conciliando todas as classes sociais: o futebol. Este esporte oriundo da Inglaterra chegou no Brasil só no final do século XIX e em poucas décadas se espalhou pelos cantos do país, formando diversas agremiações e clubes, muitos especializados apenas no chamado “esporte rei”.

Podemos perceber que neste início de século XX a sociedade fervilhava de ideias. Estas eram evidentemente influenciadas por aspectos políticos e econômicos. Entretanto, um fator não anula o outro; há uma espécie de dialética entre ideologias e as condições materiais. É nesta primeira década do século que muitos clubes são fundados no Rio Grande do Sul. E, por estes clubes surgirem exatamente nas décadas de agitação politica, principalmente envolvendo a classe operária, sobre a qual formulamos questionamentos que serviram de base para o nosso trabalho e pesquisa. Como por exemplo: em que medida estes clubes de futebol foram influenciados pelas ideias políticas e revolucionárias do movimento operário? Os jogadores, dirigentes e funcionários destes clubes que surgiram tinham em seus quadros militantes de algum grupo? As greves e acontecimentos que envolvem o movimento operário tinham alguma relação com os clubes de futebol? O que estes clubes achavam do governo, ou o que o governo positivista achava destes clubes?

Em uma sociedade em constante transformação, aonde os pontos de vista se chocam, é evidentemente um terreno muito propício para inúmeras análises daquele período. O sistema de ideias dominante no Estado era o positivismo castilhista-borgista e contra essa hegemonia se levantavam as classes operárias. Ao mesmo tempo que os interesses de classe são conflitantes, nós temos os projetos de ambos os lados para por fim aos conflitos. Assim, se de um lado temos o positivismo pregando uma incorporação pacífica do proletariado na sociedade (tudo na mais perfeita ordem, afinal a ordem gera o progresso no pensamento comteano), do outro temos os mais radicais, como anarquistas e os anarco-sindicalistas, pregando o fim do Estado, algo tão caro aos positivistas que se consolidaram na dominação do estadual após a sangrenta guerra civil de 1893-1895.

Com efeito, em meio a estes choques de pensamentos e projetos, temos o futebol. Este esporte passou as primeiras décadas do século XX na obscuridade, para emergir na segunda metade do século como um esporte de massas. Isto não foi por acaso, quais os projetos e ideias que estiveram por trás disto?

No entanto, nosso foco é mais regional, e por isto mesmo tem um interesse mais peculiar. Desta forma, analisar as correntes políticas e a formação de clubes esportivos como o Força e Luz poderá muito bem trazer a lume alguns pontos que se encaixem. Ademais, podemos ter uma noção clara de como e quando o futebol passa de esporte para ser um instrumento ideológico elaborado dentro das convicções positivistas para impedir mudanças sociais.

Consideramos necessário especificar a noção de ideologia utilizada para esta pesquisa sobre a relação entre a formação do movimento operário porto-alegrense e o clube Força e Luz. Cientes de que existem diversos significados referentes ao conceito de ideologia, dentre eles optamos por utilizar neste artigo a noção crítica e negativa aonde as ideologias são “as distorções relacionadas com o ocultamento de uma realidade contraditória e invertida.” (1998, p. 185). Essa é uma síntese do conceito de ideologia nas diferentes fases de pensamento marxiano: na primeira fase iniciada nos seus primeiros escritos até 1844, quando atacava a religião; na segunda aonde Marx rompe com Feuerbach e constrói as premissas gerais para o seu materialismo histórico (entre 1845 e 1857); culminando na terceira fase, a partir de 1858, quando analisa as relações capitalistas europeias resultando na sua obra chamada O Capital.

O futebol surge no Rio Grande do Sul por influência uruguaia e argentina, no entanto o primeiro clube criado exclusivamente para o futebol no Rio Grande do Sul e no Brasil foi o Sport Club Rio Grande em 1900, formado por descendentes de alemães. Vimos que as ideias políticas operárias e o futebol são trazidas pelos imigrantes europeus. O historiador Hermito Lopes Sobrinho afirma que o chamado o “esporte bretão” era praticado dentro de escolas maristas desde 1879 no Rio Grande do Sul e há quem afirme que fontes arqueológicas comprovem o uso de crânios, pinhas e pedras para diversões esportivas dos homens préhistóricos, assemelhando-se ao foot ball. Embora Porto Alegre tenha sido a cidade pioneira na profissionalização do jogo de bola, nas primeiras três décadas de 1900 os times da fronteira disputavam de igual para igual com os times da capital. Nesta época a burguesia, assim como o operariado, eram as novas classes que surgiam; num cenário em que a classe dominante era a aristocracia fundiária. Havia times com descendentes de alemães, como o Grêmio e o Fussball; de comerciantes de classe média, como o Internacional; de jovens de famílias influentes, como o Cruzeiro e times com negros, mulatos e pobres. Porto Alegre era palco da Liga da Canela Pretae a segunda divisão do campeonato da cidade, em Pelotas a Liga José do Patrocínio e em Rio Grande a Liga Rio Branco, aonde as equipes eram formadas, majoritariamente por negros.

Abordaremos especificidades sobre a história social do futebol em Porto Alegre, enfocando a trajetória do Força e Luz como uma metáfora das relações sociais estruturadas a partir do início do século XX.

O presente artigo está dividido em duas partes. A primeira contextualizando os momentos que antecedem a criação do teamde foot ballForça e Luz, enfatizando a intensa movimentação política de seus funcionários. A segunda construímos os argumentos para a ideia central deste texto de que o Força e Luz surge como esfera ideológica do governo positivista sul-riograndense, retomando as organizações operárias meramente recreativas conhecidas como mutualistas, reunindo patrões e operários. Concluímos que esta tática funcionou. Mostraremos como e porque.

Notas sobre a militância política dos trabalhadores da Companhia Força e Luz em um contexto de construção de um movimento operário gaúcho.

O início do século XX marca profundamente a história do Rio Grande do Sul. Após a proclamação da República e um período de guerra civil (1893-1895), o Partido Republicano Riograndense se torna hegemônico na política estadual. É o início de um período de mais de trinta anos de governo do PRR. Este partido, com efeito, é influenciado pelas ideias de Júlio de Castilhos, que são claramente inspiradas na doutrina Positivista do filósofo francês August Comte. O positivismo se torna uma ferramenta ideológica do governo. Baseados na ideia de “Ordem e Progresso” o governo positivista vai marcar as primeiras décadas do século XX com uma política voltada para buscar a “modernidade” nos moldes da Europa.

Mas, esta modernidade traz algumas tensões que, por sua vez, geram alguns conflitos, notados na sociedade da época. Ao mesmo tempo que as cidades crescem, cresce também o proletariado urbano. E este proletariado tem uma forte influência das ideias políticas anarquistas e socialistas que chegam através dos imigrantes italianos e alemães. Com um proletário influenciado por ideais revolucionários e um governo de caráter conservador positivista, naturalmente surgem os conflitos, e também surgem os sindicatos. Nas décadas de 1910 e 1920 são registradas inúmeras greves em Porto Alegre. Os jornais da época relatam estes acontecimentos com explícita parcialidade partidária, o jornal “A Federação” (oficial do governo castilhista) tem uma opinião desfavorável a estes movimentos. Os positivistas do governo queriam ordem e com greves não há ordem.

O caso em particular que chama a atenção neste período, é o caso do GEFL. A Cia. Força e Luz era responsável pela iluminação e pelos bondes da cidade de Porto Alegre. Em 1917 e 1919 o sindicato do Força e Luz foi responsável por greves que ganharam grandes proporções, e algumas páginas nos jornais. Portanto, nota-se que o sindicato Força e Luz tinha uma postura combatente. O jornal Correio do Povo, na greve de 1919, chegou a publicar uma nota a pedido do advogado do sindicato. Em seu conteúdo, a nota explicitava as péssimas condições de trabalho dos funcionários do Força e Luz; a Cia é chamada ironicamente de “Força e Cruz”.

Porto Alegre foi uma das cidades pioneiras no serviço de iluminação elétrica, implanta da ao final do século XIX. Pouco antes do surgimento da Companhia Força e Luz. E no seu ano de origem, 1906, participa da primeira greve geral da capital sul-riograndense. Os trabalhadores da Força e Luz participaram dos primeiros conflitos entre industriais e operários, quando o comportamento político dos últimos eram, para o governo positivista, um caso de polícia.

Dois anos após, em 1908, os operários da Companhia reivindicam melhores condições de trabalho em outra greve, fato que se repete em 1915, 1917 e 1919. A participação dos operários da Companhia Força e Luz incendiaram as greves gerais de Porto Alegre nas décadas de dez e de vinte, ao paralisar a cidade com a falta de energia. As cobranças eram por redução das jornadas de trabalho, aumento salarial, pagamento de salários atrasados, equiparação de todos os funcionários a uma mesma categoria. Milhares de trabalhadores participavam, obtendo vitórias e derrotas. O movimento operário estava em formação. A participação dos funcionários da Força e Luz era exemplarmente ativa, com atentados e discursos radicalizados no boletim do seu sindicato. Após a greve de 1919 o sindicato do Força e Luz é fechado e ocupado pela Brigada Militar gerando polêmica no jornal Correio do Povo de Porto Alegre.


O Grêmio Esportivo Força e Luz como esfera ideológica da política hegemônica positivista sul-riograndense

A partir de 1921 a empresa cria estratégias para frear a militância dos seus trabalhadores, fundando em 8 de setembro de 1921, o Grêmio Esportivo Força e Luz, uma agremiação mantida pela Companhia Força e Luz, sob o comando da empresa Light, de capital norte-americano. A movimentação é intensa: um ano depois é feita a abertura da sede social do clube e em poucos anos são comprados terrenos e construído o edifício Força e Luz sempre trazendo as últimas novidades do setor da eletricidade. Em 1935 é inaugurado o Estádio das Timbaúvas, considerado o melhor estádio, aonde jogava a dupla grenal. O GEFL vencia títulos e era elogiado, pela sua disciplina pelo jornal republicano “A Federação”, como nesse comentário:

Este grêmio, com os matches que disputou no dia 24 do corrente, conquistou para si o honroso titulo de campeão da 3 Divisão da Associação Porto Alegrense de Foot Ball. É este o segundo campeonato que o Força e Luz vence em 1922, pois é ele o detentor da taça do “Torneio Initium”. Os teams deste valoroso e disciplinado grêmio disputaram durante o anno 24 matches, sofrendo apenas uma derrota em seu 2 team por 2 a 1. Todos os matches em que tomou parte realisaram-se sem interrupção e na mais perfeita ordem e cordialidade, não dando o menor motivo a protestos dos seus adversários, que, com ele, sempre se houveram com um correctimo a toda prova. E mais notável ainda se torna este facto por ser o Força e Luz um club novo e em sua totalidade composto de operários e praças da Brigada Militar, elementos que assim deram um brilhante atestado da sua educação moral e cultura sportiva [...]


Os operários não participaram mais de greves gerais, não fizeram mais atentados contra a vida dos patrões da Companhia para a qual trabalhavam, canalizando as suas forças para o embate esportivo contra outros times com jogadores da suas mesmas condições de classe, daí a sua cordialidade.

Muito curioso é o trecho do discurso do Sr. Cláudio José de Carvalho durante a abertura da sede social do GEFL em 24 de outubro de 1931, noticiado nos jornais “Correio do Povo” e “Diário de Notícias” no dia 27 de outubro:

[...] o Grêmio Esportivo Força e Luz, entidade formada para o aperfeiçoamento do valor físico e moral de seus associados, é composto em sua maioria de elementos que compôem a laboriosa classe dos ‘Servidores do público’ e no seu quadro social, somente têm ingresso os funcionários da Companhia Carris Porto Alegrense e Energia Elétrica Rio Grandense. Resolveu o Força e Luz inaugurar hoje, data tão cheia de glorias e promissoras esperanças para a nossa tão querida terra nativa, esta sede como o primeiro passo agigantado para a realização de um vasto programa que se propõe efetivar. Nesse programa encontramos a criação de inúmeras seções de desporto, como sejam: canchas de bolão, de ‘boccia’, de ‘volley ball’, de ‘basket ball’, pista de patinação, departamento de ginástica e de atletismo, onde os seus associados encontrarão os elementos indispensáveis para a cultura física, para o engrandecimento da raça [...] (Diário de Notícias, 27 de outubro de 1931, p. 9)

Devido a sua militância política criou-se a necessidade do uso do esporte como ideologia para acomodar os trabalhadores da Companhia Força e Luz. Terá funcionado esta estratégia?

Passou o tempo em que, no jornal Correio do Povo uma representação do sindicato da Companhia Força e Luz detratava a empresa estadunidense. Conforme trecho do editorial deste jornal com o título “Despotismo de uma época”, em 9 de setembro de 1919, aonde o advogado da F.O.R.G.S., Álvaro Sérgio Massera profere:

A poderosa Companhia Força e Luz, obstinada sempre em atender às justas reclamações de seus obreiros, mais uma vez foi cruel e desumana: oferece, em bonificações, vantagens de alta monta a seus riquíssimos diretores e nega um miserável aumento de salário aos que tremem de fome e tiritam de frio. Não concede aumento, porque o dividendo baixa a seus acionistas... É ironia do sarcasmo; o pretexto fútil com que o capitalismo zomba do braço do trabalhador.
A Companhia Força e Luz- que poderia chamar-se Força e Cruz- pela ideia parasitária com que explora o trabalho dos operários.... Não cede: é rica e é teimosa. Quer açambarcar: explora. Goza de direitos inconfessáveis e da proteção incondicional dos poderes públicos.
Dispõe de força armada para sufocar o grito dos protestos justos por parte dos oprimidos. [...] A cena de domingo faz descrer de todas as garantias constitucionais, e convence de que nos encontramos diante de uma “epoca de verdadeiro feudalismo para não se dizer de perfeita escravidão[...]” ( p. 318)

O êxito do futebol operário como ideologia: uma nova fase das associações mutualistas?

O modus operandi funcionou. Na década de 1950 o GEFL foi considerado um celeiro de craques e o seu estádio palco de grandes e memoráveis partidas. Ingressa em 1934 na série principal da Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos e possui em seu currículo as seguintes vitórias sintetizadas por esta breve cronologia:

1932: O GEFL é campeão da série “B” e campeão da taça Ano Farroupilha, ambos pela “AMGEA”;

1941, 1947 e 1948: O GEFL é vice-campeão da cidade pela Confederação Gaúcha de Futebol;

1999: Último grande evento com a participação do clube, no XIV Campeonato SulAmericano de Clubes Oficiais; 

2006: Último jogo do time veterano Força e Luz no campo do Timbaúva, contra o Salute; em 17 de setembro.

Termina as suas atividades, oficialmente em 2006, no mesmo ano em que o seu estádio é vendido para a Companhia Zaffari Indústria e Comércio, foi a segunda derrota destes operários para os patrões do capital.

Força  e Luz


A memória do Grêmio Esportivo Força e Luz a partir de relatos de seus atletas

A memória dos personagens do passado está caracterizada por detalhes esportivos, como na entrevista realizada para este artigo com o maior ídolo da história do GEFL, Aírton Pavilhão.

O futebol monopolizou as atenções e preocupações de grande parte da população brasileira, como uma válvula de escape para os oprimidos não aglutinarem-se em um mesmo movimento de greve geral deixando a capital dos gaúchos às escuras.

O ex-atleta do Força e Luz Aírton Ferreira da Silva começou a participar do futebol aos dez anos de idade, treinando no Internacional. Hoje é aposentado e estudou até a quinta série. Ele tinha dificuldades para treinar futebol no Força e Luz, pois “o patrão não deixava sair... para treinar”. Optou pelo futebol e deu certo, hoje é considerado o melhor zagueiro da história do Grêmio de Porto Alegre. O seu ídolo quando criança era o Tesourinha: “Ah aquele tempo era o tempo do Tesourinha. Todo mundo queria jogar bola”. Depois foi ao Força e Luz:

[...]Comecei a me interessar com dez aninhos e já fui treinar no Inter, depois eu voltei para o Força e Luz. [...]Joguei no Grêmio, no Cruzeiro de Porto Alegre, São José; Cruz Alta e joguei no Santos também com Pelé, na época de Pelé...Treze anos de Grêmio eu ganhei doze campeonatos [...]Depois comecei a... trinta e quatro anos tu vai parando devagar né. E tive um tempo também no Santos na época de Pelé, que me marcou muito também.

Em 1954 foi ao Grêmio: “Meu pessoal não gostava muito do Grêmio porque o Grêmio naquela época não tinha... negro né. E ai o Tesourinha veio. O primeiro foi o Tesourinha e abriu, acho, que uma seção para a raça negra.”

O senhor Aírton afirma que foi um dos primeiros negros a jogar o Grêmio. Iniciou a sua trajetória do GEFL, obtendo ascensão social ao ser observado e ser contratado pelo Grêmio. As suas lembranças são maiores sobre o Grêmio, quando perguntado sobre a origem do GEFL, nos disse: “[...]Não sei quase nada. Só sabia que era um time da Carris”. Quando perguntado sobre os títulos vencidos pelo Força e Luz: “Não, nós com o Força e Luz eu não ganhei. Eu ganhei quando fui pro Grêmio.” No entanto logo após, afirma: “Os torneiozinhos assim que a gente fazia, não é do teu tempo ´Torneio início´, sabe que valia pra cidadezinha só né. Então o pessoal nem fala mais, mas eu ganhei muito torneio.” O estádio do Força e Luz ficou marcado na sua memória porque “era ali que faziam os grenais”.

Em Porto Alegre, na época em que Aírton Pavilhão iniciou a sua carreira no futebol, havia os seguintes clubes: o Nacional, o Renner e o Cruzeiro; além do Inter e do Grêmio. O futebol era mais previsível, pois os melhores sempre eram o Santos, a dupla grenal e o Botafogo: “Agora não, um ganha do outro toda hora.” Quando Aírton entrou no Força e Luz o Inter estava em um melhor momento, e o Grêmio estava em baixa. Foi após enfrentar o cinquenta mil. O GEFL era um time bastante pobre e fraco. Não recebia salário para jogar pelo GEFL. “[...]O Força e Luz era o dono da C.E.E.E., na época do bonde. Era um time que não investia no clube. Então saía grandes craques mas dinheiro não saía, era difícil. [...]Depois que eu saí o Força e Luz, o Nacional, o Cruzeiro, tudo acabaram, tudo terminou. E eu tenho saudade por que joguei no Cruzeiro né, o campo já foi. No Grêmio também e o Grêmio também já vai sair daqui. Então vai marcar muito.” Entrou no Grêmio em 1967. Via jogar no estádio do GEFL os seus ídolos, o Tesourinha, a dupla grenal e o jogador Pipoca. Com eles diz ter aprendido muito. “Por isso eu fui um zagueiro diferente de todo mundo por que eu nunca fiz falta, nunca; sabia sair na área com a bola no pé né. Então me ajudou muito.”

Aírton sentiu a morte de Getúlio Vargas e orgulha-se de ter vencido, junto com o Grêmio o “grenal da Legalidade”. Outros orgulhos do sr. Aírton é ainda hoje ser lembrado como o melhor zagueiro do Grêmio e por ser sempre lembrado e homenageado. Compara a sua tristeza pela venda do estádio do GEFL com a troca de endereço do estádio do Grêmio: “Então não vou nem conhecer o outro lá. Mas é assim, o progresso exige. Mas eu acharia bom o Grêmio fazer mais alguma coisa mas ficar aqui. Lá é um bairro muito... pra se deslocar pra lá é muito ruim.”

Perguntamos sobre o que significou o GEFL para a sua vida e a sua resposta foi essa: “Ah ele foi tudo né, eu comecei ali, num campinho da várzea que era pertinho da minha casa também. Quando treinei ali já me consagrei por que sabia que ali tinha oportunidade de jogar contra o Inter, contra o Grêmio. Mesmo sabendo que ia perder mas... sabia que alguém ia se interessar olhando.”


Considerações e questões que ficam pendentes...

O GEFL é fundado em 1921, após as greves lideradas pelo sindicato da companhia. E um dado curioso é que o jornal “A Federação” esboça em suas páginas fartos elogios a postura e a disciplina de seus atletas. Mas quem eram estes atletas elogiados pelas páginas do jornal governista? Eram em sua maioria funcionários do Força e Luz e praças da Brigada Militar.

Através destes dados pode-se deduzir que as idéias positivistas tiveram uma influência substancial na fundação do clube. Além da ideologia de ”Ordem e Progresso”, citada a cima, o positivismo tinha uma opinião bem definida sobre o que fazer com o operariado. Esta classe trabalhadora deveria ser incorporada à sociedade na mais perfeita ordem. Fazer greve e lutar pelos seus direitos não era visto com maus olhos pelo positivismo, o que era vista com maus olhos era a clara influência dos anarquistas e socialistas no comando destas greves. Com efeito, enquanto os sindicatos lutavam contra as políticas do governo, o clube de futebol fazia com que os trabalhadores não participassem destes movimentos.

Pode-se dizer que estes trabalhadores que se dedicavam a jogar futebol fossem alienados, realmente alguns poderiam ser, mas deve-se levar em conta que muitos eram da Brigada Militar, força policial criada pelo governo durante a guerra civil, e que muitos trabalhadores também tivessem simpatia pelos ideais positivistas. Um fato curioso é que o governador Borges de Medeiros chegou a receber alguns operários no palácio do governo e negociou com eles; isto provavelmente ajudou a dar uma boa impressão para os trabalhadores sobre o governo positivista.

O que podemos concluir neste relato é que o esporte pode muito bem ser utilizado como forma de anestesiar as tensões políticas e sociais existentes na sociedade. E o futebol, que desde que chegou no Brasil tornou-se um esporte popular, é um exemplo. Se o sindicato do Força e Luz teve um papel atuante, talvez não possamos dizer o mesmo dos ilustres jogadores que participavam dos matches. É, provavelmente neste período, anos 1910-1920, que há um distanciamento entre os funcionários que serviam ao regime, que estavam de acordo com a sociedade nos ditames positivistas, e aqueles funcionários que por seu engajamento político em movimentos revolucionários não serviam ao regime, por isso eram logo descartados de atividades sociais como o futebol.

Assim, um panorama irá se delinear por diversos anos e que tem reflexos no dias atuais. Os jogadores do GEFL não tem nenhuma intimidade com o próprio sindicato do Força e Luz. Isto é um resquício dos tempos positivistas e que pode ser encontrado hoje (por exemplo na entrevista realizada onde Rubem diz que não tem nenhuma ligação o GEFL e o sindicato). Esta questão do distanciamento entre clube e sindicato é contudo uma questão meramente política para a época. Hoje não há, por exemplo, um sindicato do Grêmio e do Inter. Isto prova que o futebol é um esporte popular mas que mantém uma relação profunda com o anestesiamento de todos os anseios de uma potencial classe revolucionária, que poderia se utilizar muito bem destes “canais” de união social, que acabem sendo os clubes esportivos, para daí resgatarem uma função política e de mudança da sociedade.

O futebol, em particular, tem a capacidade de fascinar as pessoas. É assunto das rodas de conversas em quase todos os lugares. Qual pessoa nunca, ao menos, ouviu alguém falar algo a respeito deste esporte?

Ademais, esta parte oculta da história social de Porto Alegre, que muito poucos lembram ou que muitos nem conhecem deve emergir desta obscuridade que está submetida. Cabe a nós pesquisadores desta parte da história trazer a lume a riqueza que foi os clubes e campeonatos da capital na primeira metade do século XX. Em tempos de copa do mundo em nosso País, nada mais oportuno do que trazer estas histórias à tona. Esperamos ter contribuído.


Referências

AVILA, Fátima. Dissertações e teses III. Porto Alegre: Unidade editorial Porto Alegre, 2000. 
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 
1988.

CAPRARO, André Mendes. O futebol, nacionalismo e tradição. Observações
à partir de alguns escritos marxistas. Disponível em:  http://www.efdeportes.com/efd47/futebol.htm. Acesso em: 06/09/2011. CENTRO Cultural CEEE Erico Verissimo: memória que gera cultura, cultura que gera  memória= CEE Erico verissimo Cultural Center : memory that generates culture, culture that  generates memory. Porto Alegre: Centro cultural CEEE Erico Verissimo, 2002.

GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; SCHMIDT, 
Benito Bisso. Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre: Ufrgs, Programa 
de Pós-Graduação em Ciência Política, 2000.

GUEDES, Simoni Lahud. Discursos autorizados e discursos rebeldes em cem anos de futebol 
no Brasil. In: REUNIÃO ANUAL DA SBPH. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: SBPH, 
2001. p. 427-432.

PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; LUCAS, Maria Elizabeth. Antologia do movimento 
operário gaúcho 1870-1937. Porto Alegre: UFRGS, 1992.

_____________. Guia para o estudo da imprensa periódica dos trabalhadores do Rio 
Grande do Sul: 1874/1940. Porto Alegre: UFRGS, 1989.

_____________. Que a união operária seja nossa pátria : história das lutas dos operários 
gaúchos para construir suas organizações. Porto Alegre: Ed. UFSM, 2001.

SPALDING, Walter. Pequena história de Porto Alegre. Porto Alegre: Sulina, 1967.


_____________________________________________________________________________
Postagem Relacionada:
Grêmio Esportivo Força e Luz (Imagens)


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 
Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...