CYBERPUNK COTIDIANO


O cyberpunk é um subgênero da ficção científica que se caracteriza pela estética de alta tecnologia e baixo padrão ou condição de vida (em inglês high tech, low life). Foi ao longo da década de 1970, na literatura, que esse estilo surgiu. Porém, acredito que as imagens mais fortes do que é cyberpunk são os filmes Blade Runner (de 1982 dirigido por Ridley Scott) e Akira (1988, Katsuhiro Otomo). Em ambos os filmes temos os elementos que consagraram o gênero: grandes corporações que dominam a economia e a política, cidades repletas de outodoors eletrônicos, luzes neon, hologramas; prédios modernos, luxuosos dividem espaços com construções deterioradas. E nestes lugares, vivem pessoas sem emprego fixo, sem perspectivas de futuro e vivendo em lugares sujos. No caso do filme Akira, uma juventude aleatória, cujo principal passa tempo é se envolverem em brigas de gangues. Essas ficções não estão muito longe da nossa realidade cotidiana.

O neoliberalismo está tornando realidade o cyberpunk!

Essa perspectiva é nítida observando a paisagem, visto que o espaço geográfico é a história materializada.

Vejamos o caso de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Uma cidade de grande porte, possui mais de 1 milhão de habitantes; porém, está longe de ser uma metrópole global (como é o caso de São Paulo). A cidade virou uma verdadeira cidade-propaganda: em várias esquinas da região central há propagandas iluminadas em postes, bancas e na parede de prédios. Na entrada da cidade, pela avenida Castello Branco, temos uma paisagem cyberpunk: um imenso outdoor eletrônico em meio a uma região degradada, abandonada pelo poder público; que serve de estacionamento. Aliás, a luz desse outdoor pode ser vista a pelo menos uns 2 km de distância, quando se entra pela cidade à noite.  


Cidade-propaganda: o outdoor que recepciona a entrada de Porto Alegre com a propaganda de um cínico jornal local (Zero Hora).


Enquanto o governo da cidade se preocupa com a propaganda, os dados reais sobre a população do município evidenciam o low life: a informalidade reina, os bairros periféricos sofrem com falta de boas infraestruturas e deficiência de serviços públicos, o transporte público cada vez mais precário entre outras demandas. Os índices de desemprego e emprego formal cresceram de forma alarmante, não apenas em Porto Alegre, nossa cidade-propaganda, mas no estado como um todo¹. As enchentes de 2024 e a falta de governo para possibilitar amparo social, contribuem para esse cenário.



A imagem a cima representa bem a estética cyberpunk na capital gaúcha. Melnick, uma incorporadora, e SVBPar, uma empresa que negocia participações, estampam o topo da torre envidraçada, às margens do lago Guaíba. O prédio tem linhas modernas e faz parte de um grande shopping, o Pontal Shopping. Há 170 anos, a região onde está o Pontal Shopping foi um estaleiro (Estaleiro Só). O fim das atividades do estaleiro representou um capítulo dramático na nossa história: findou-se toda capacidade de tecnologia naval na região! Não há estaleiros na cidade, logo, dependemos de estaleiros de outras regiões e países.

Eis que, o futuro escavou o passado. Após encerrar suas atividades, em 1995, a área que hoje abriga o Pontal Shopping ficou abandonada. Durante as obras de construção do Pontal Shopping, foram descobertos resquícios de povos indígenas que viveram no local por volta de 1436!²

O passado teima em fazer os alertas!

Abaixo, um exemplo da decadência moral dos governos neoliberais. Um prédio no centro histórico da cidade, vazio, desocupado. Prédio esse que poderia muito bem servir para moradia – como de fato já foi.



Em 2015, o prédio foi ocupado pelo Movimento de Luta dos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que o transformou em moradia popular³. O governo estadual do RS, no entanto, expulsou as famílias que ali viviam. O low life prevaleceu. O centro não pode pertencer a todo o povo. Passear por ali é direito de todos, morar ali é privilégios de poucos. O espaço urbano neoliberal segrega.

Alta tecnologia e baixo padrão de vida. O paradoxo está posto: ao invés da tecnologia facilitar o trabalho, ela torna o trabalhador/a um instrumento permanentemente conectado ao trabalho. O whastapp, instagram, telegram e demais aplicativos colocam o trabalho no smartphone. O trabalhador deve estar sempre disponível, não importa a hora, se o aplicativo notifica, o trabalho deve ser realizado. Essa imersão compulsória no trabalho acabou trazendo a tona a luta contra a jornada de trabalho 6 por 1. A luta de classe do século XXI passa pela redução da jornada de trabalho diária e semanal e por salários justos.


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Este pequeno artigo trata apenas de uma cidade. Mas a lógica global pode ser percebida desde os espaços grandes e cosmopolitas até os pequenos e distantes das grandes metrópoles globais. A estética e a lógica do cyberpunk perpassa, atravessa, retalha e permeia o cotidiano do mundo todo, em qualquer lugar.


NOTAS:


³Saiba mais sobre a ocupação no programa História em Pauta: https://www.youtube.com/watch?v=qYY_Q7TsEDA



Sobre os autor:

 

Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Professor de escola pública. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Desenhista amador, tem um blog sobre quadrinhos, com resenhas e ênfase em histórias autorais: https://guerrilhacomix.blogspot.com/



CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NA SERRA GAÚCHA

 

A notícia é de 2023 - mesmo que não pareça.

207 trabalhadores foram resgatados na região da Serra Gaúcha em condições análogas a escravidão. Em relatos, os trabalhadores diziam sofrer torturas durante o serviço. Este grupo trabalhava para uma empresa terceirizada, prestadora de serviços para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton. Uma breve pesquisa nos sites destas vinícolas já apresenta coisas bem curiosas. A Aurora coloca em seu site (https://www.vinicolaaurora.com.br/responsabilidade-social) toda uma “responsabilidade social e ambiental” com seus produtos. A vinícola Garibaldi a mesma coisa (https://www.vinicolagaribaldi.com.br/a-cooperativa/nosso-proposito/7).

É no mínimo estranho tantas preocupações destas empresas, e não se preocuparem com as condições de trabalho daqueles que lhes prestam serviços. Não é possível empresas deste porte simplesmente contratarem empresas terceirizadas e não fiscalizá-las; afinal, são seus produtos que chegam até o consumidor, e boas práticas sociais e ambientais deveriam ser prioridade em todas etapas da produção.



Este recente caso da escravidão na Serra Gaúcha também traz a tona mais um efeito nocivo das terceirizações. A lei das terceirizações (Lei 13.429/17) foi aprovada dentro do contexto da “reforma trabalhista”, ambas durante o governo neoliberal golpista de Michel Temer (2016-2018). Durante o governo neoliberal hardcore de Jair Bolsonaro, uma nova “reforma trabalhista” foi aprovada (em 2021), que acabou com direito a férias e 13º. Esse conjunto de leis praticamente acaba com qualquer tipo de política social do trabalho. Afinal, sem salários fixos, sem direito a férias, décimo terceiro, limite de horas de trabalho, sem previdência e sem um sindicato que defenda as categorias, como não se alastrar as práticas análogas à escravidão?

Diante disso, empresários gananciosos, com alma de “capitães do mato”, criam empresas terceirizadas prestadora de serviços, sem qualquer tipo de responsabilidade social ou fiscalização – afinal, o negócio é “liberdade” não? (ironia).

Por outro lado, muitos políticos e os meios de comunicação tradicionais, como as redes de televisão como a rede Globo, sempre militaram pelas terceirizações e pelas “reformas trabalhistas”, que segundo os jornalistas de economia destas empresas, traria mais “empregos” sem o “peso” das obrigações empresariais de remunerar bem seus trabalhadores. Agora, tão logo saíram as denúncias das práticas análogas a escravidão, esses políticos e os jornais televisivos se mostram “horrorizados”. Quanta hipocrisia!

A questão da escravidão nos dias de hoje nos faz pensar que a própria Lei Áurea, que terminou “legalmente” com a escravidão em nosso país, foi muito mais conservadora do que revolucionária. Ao simplesmente largar os ex-escravizados a própria sorte, sem nenhum tipo de amparo social, tal como ter uma propriedade para morar ou garantias de estudos, a lei, de 1888, jogou na miséria e na marginalização uma enorme parcela da população brasileira. Debatemos essa questão no seguinte texto: http://geaciprianobarata.blogspot.com/2014/06/lei-aurea-uma-contra-revolucao.html


E o mais contraditório, nos dias atuais, é que as “reformas” (trabalhista e previdenciária) estão jogando cada vez mais trabalhadores em condições análogas a escravidão, pois trabalham sem salários fixos, sem direito a férias e sem qualquer perspectiva de previdência. No Brasil, ao que parece, o “avanço” é o retrocesso!



Sobre o autor:

 
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História e Geografia. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.



BIBLIOTECA POPULAR LUIS CARLOS SOLIM INICIA REFORMA

Com a chegada em Alvorada da pandemia de Covid, a Biblioteca Popular Luis Carlos Solim parou as suas atividades, aproveitando para iniciar uma reforma, visando ampliar o espaço. Saiba como participar:

A Biblioteca Popular Luis Carlos Solim, que é organizada por um coletivo de trabalhadores, junto com a comunidade local, segue em sua bonita trajetória. Para tanto, em seu planejamento está a meta de reinaugurar este espaço de Educação e Cultura Popular em data próxima do aniversário da Biblioteca: 19 de agosto de 2022. Para isso, precisa-se de todo o apoio para adquirir materiais de construção. Há uma vaquinha digital para ajudar na campanha de arrecadação de verba. Quer doar materiais de construção, como areia, cimento, tijolo, telhas? Basta contatar a Biblioteca pela página no facebook. Mais informações, no vídeo e na publicação do site de notícias Seu Expediente.

QUANDO A BIBLIOTECA POPULAR LUIS CARLOS SOLIM FOI INAUGURADA?

A Biblioteca Popular Luis Carlos Solim foi fundada em 19 de agosto de 2018, depois de meses de trabalho voluntário. A ideia veio do Zé Varlei, depois de uma palestra ministrada pelo professor, sanitarista e enfermeiro, Rafael Melo. E objetivando colocar em prática a teoria exposta naquela tarde. 

A Biblioteca fica no Loteamento Reprise 4, Quadra 12, Lote 01, bairro Piratini, Alvorada/RS.  Teve as seguintes atividades, entre outras (todas elas totalmente gratuitas): teatro de fantoche; verificação de pressão; corte de cabelo; festas de natal; contação de histórias; oficinas com contos de fadas, com arte mágica, com E.V.A., de reciclagem de pneus, com “árvore dos sonhos”; cine debate (com exibição do filme Bacurau); arraiá cultural; sarau elétrico; exposição de desenhos; lançamento de livro; lanches coletivos.

QUEM FOI LUIS CARLOS SOLIM?

Solim foi um pouco cigano, vivendo em Porto Alegre, no México, em Cuba, mas durante a maior parte de sua vida, em quase todos os bairros e vilas de Alvorada. Foi vítima de inúmeros preconceitos e enfrentou diversas dificuldades, sem jamais se queixar. 

Para saber o que significa a palavra “abnegação”, bastará descrever a sua vida. E, como tudo o que existe, ela foi caracterizada sempre pelos paradoxos e contradições. Porque suas ações eram sempre mediadas pela rebeldia e originalidade. Foi um professor de artes marciais, principalmente Kung Fu e militante político, migrando do trabalhismo do PDT para o comunismo do PCB. 

Velho conhecido de Solim, André Santos referiu-se a ele da seguinte forma pelo facebook em mensagem privada: “Foi uma pessoa incrível! Com forte atuação política, social e religiosa, conseguia atuar num sincretismo religioso sem precedentes. Acompanhei a fase budista, taoista e um pouco da última fase no candomblé”. 

Poucos sabem a totalidade da História do pai de santo Solim, que criou o Centro Esotérico Universal, religião ecumênica e internacionalista, que foi um dos seus meios para militar e mudar a vida de pessoas, de Alvorada, na América Latina.

ALGUMAS FOTOS DA HISTÓRIA DA BIBLIOTECA: 

 

INAUGURAÇÃO

 

 

OFICINA “ÁRVORE DOS SONHOS”

 

 

OFICINA DE RECICLAGEM DE PNEUS

 

 

UMA DAS AÇÕES DA BIBLIOTECA É LEVAR LIVROS NAS PARADAS DE ÔNIBUS E PRAÇAS DE ALVORADA

 

 

LOGOTIPO FEITO POR AMIGO DA BIBLIOTECA, VINICIUS (SP)


 

APÓS OFICINA DE GRAFITE, POSE PARA FOTO

 

Seja colaborador desta experiência de Educação Popular e Trabalho de Base em Alvorada. Por que há reformas, pelas quais vale a pena lutar!

 

Sobre o autor:


 

Rafael Freitas: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo  de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e apresentador do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada.