CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NA SERRA GAÚCHA

 

A notícia é de 2023 - mesmo que não pareça.

207 trabalhadores foram resgatados na região da Serra Gaúcha em condições análogas a escravidão. Em relatos, os trabalhadores diziam sofrer torturas durante o serviço. Este grupo trabalhava para uma empresa terceirizada, prestadora de serviços para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton. Uma breve pesquisa nos sites destas vinícolas já apresenta coisas bem curiosas. A Aurora coloca em seu site (https://www.vinicolaaurora.com.br/responsabilidade-social) toda uma “responsabilidade social e ambiental” com seus produtos. A vinícola Garibaldi a mesma coisa (https://www.vinicolagaribaldi.com.br/a-cooperativa/nosso-proposito/7).

É no mínimo estranho tantas preocupações destas empresas, e não se preocuparem com as condições de trabalho daqueles que lhes prestam serviços. Não é possível empresas deste porte simplesmente contratarem empresas terceirizadas e não fiscalizá-las; afinal, são seus produtos que chegam até o consumidor, e boas práticas sociais e ambientais deveriam ser prioridade em todas etapas da produção.



Este recente caso da escravidão na Serra Gaúcha também traz a tona mais um efeito nocivo das terceirizações. A lei das terceirizações (Lei 13.429/17) foi aprovada dentro do contexto da “reforma trabalhista”, ambas durante o governo neoliberal golpista de Michel Temer (2016-2018). Durante o governo neoliberal hardcore de Jair Bolsonaro, uma nova “reforma trabalhista” foi aprovada (em 2021), que acabou com direito a férias e 13º. Esse conjunto de leis praticamente acaba com qualquer tipo de política social do trabalho. Afinal, sem salários fixos, sem direito a férias, décimo terceiro, limite de horas de trabalho, sem previdência e sem um sindicato que defenda as categorias, como não se alastrar as práticas análogas à escravidão?

Diante disso, empresários gananciosos, com alma de “capitães do mato”, criam empresas terceirizadas prestadora de serviços, sem qualquer tipo de responsabilidade social ou fiscalização – afinal, o negócio é “liberdade” não? (ironia).

Por outro lado, muitos políticos e os meios de comunicação tradicionais, como as redes de televisão como a rede Globo, sempre militaram pelas terceirizações e pelas “reformas trabalhistas”, que segundo os jornalistas de economia destas empresas, traria mais “empregos” sem o “peso” das obrigações empresariais de remunerar bem seus trabalhadores. Agora, tão logo saíram as denúncias das práticas análogas a escravidão, esses políticos e os jornais televisivos se mostram “horrorizados”. Quanta hipocrisia!

A questão da escravidão nos dias de hoje nos faz pensar que a própria Lei Áurea, que terminou “legalmente” com a escravidão em nosso país, foi muito mais conservadora do que revolucionária. Ao simplesmente largar os ex-escravizados a própria sorte, sem nenhum tipo de amparo social, tal como ter uma propriedade para morar ou garantias de estudos, a lei, de 1888, jogou na miséria e na marginalização uma enorme parcela da população brasileira. Debatemos essa questão no seguinte texto: http://geaciprianobarata.blogspot.com/2014/06/lei-aurea-uma-contra-revolucao.html


E o mais contraditório, nos dias atuais, é que as “reformas” (trabalhista e previdenciária) estão jogando cada vez mais trabalhadores em condições análogas a escravidão, pois trabalham sem salários fixos, sem direito a férias e sem qualquer perspectiva de previdência. No Brasil, ao que parece, o “avanço” é o retrocesso!



Sobre o autor:

 
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História e Geografia. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.



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