ZUMBI DOS PALMARES: vendo mais ao homem e menos ao mito PARTE 02: o início de tudo, o reino do Congo

 

Prosseguindo nossa busca pelo homem conhecido como Zumbi dos Palmares, precisamos ver as versões sobre sua origem que antecedem ao seu nascimento. Pois não tem outro jeito se quisermos buscar de fato entender a este personagem. Uma vez que todo personagem tem uma origem que o influencia na direção que o consagra. Logo, temos que conhecer um pouco dos fatos que o antecedem. Para ser mais exato, teremos de nos ater primeiramente às origens de sua família, ainda na África.

Começando por sua avó que seria uma princesa africana, do reino do Congo, chamada Aqualtune e a dinastia (Casa Real) a qual pertencia, assim como as suas relações de poder. O que nós veremos a partir do que foi o primeiro contato já registrado com os europeus, quando esse Reino do Congo era um estado altamente desenvolvido no centro de uma extensa rede comercial. Além dos recursos naturais e do marfim, o país fabricava e comercializava artigos de cobre, metais ferrosos, tecidos de ráfia (fibra têxtil de palmeiras) e também cerâmica.

Contudo, a prosperidade deste reino do Congo se deveu também a outro fator: a escravidão. Sim, ela já existia no Congo muito antes da chegada dos portugueses, e as primeiras cartas de Afonso I (nome de batismo do rei Nepemba Angiga, um dos mais poderosos monarcas do Congo) muito bem mostram a existência de mercados de escravos. E assim nas décadas seguintes ao ano de 1531 o Reino do Congo, entrando em contato com os portugueses tornou-se uma importante fonte de escravos para os comerciantes portugueses e outras potências europeias.

Firmando assim uma parceria tão interessante aos monarcas negros do Congo que o rei governante, na época da descoberta dos portugueses, em 1485, Anzinga a Ancua, decidiu se converter ao cristianismo para uma melhor relação com os visitantes. E como forma de homenagear o rei de Portugal João II, Anzinga adotou o nome real de João I. Iniciando deste modo uma longa e vantajosa parceria entre as duas monarquias. O que mostra que, ao menos, por algum tempo, Portugal e Congo foram grandes aliados.

Informações que podem levar muitos a se perguntar o que isso tem haver com Zumbi dos Palmares. E desde já podemos dizer que cada uma destas etapas que antecedem nosso personagem, este Zumbi, nos ajudam a entender dados pontos polêmicos que figuram sobre o legado deste mesmo Zumbi. Como, por exemplo, agora por meio deste cenário ajudando desde já sobre o argumento de ele ter tido escravos. Que, caso verdade, pelo que vimos, apesar dos pesares, se faz algo compreensível.

E aos que se assustem com isso vejamos como no reino do Congo, como em várias outras regiões da África, Ásia, América e Europa a escravidão não era apenas uma prática normal. Era até mais, se fazendo um motor da economia e das relações de poder ao longo da história. Isso mesmo.

Confuso este ponto? Talvez... E então, se assim, vejamos um simples exemplo. Este Afonso I comentado anteriormente não fez das guerras para a captura de cativos somente uma vultosa fonte de renda para si, como com elas ele ampliou seus domínios nas localidades fronteiriças ao sul e leste de seu reino. O que antes de se fazer julgamentos sobre isso, então fica a pergunta: seria ele diferente de um Júlio César que se tornou famoso também por ter invadido e anexado a Gália (hoje França), escravizando a muito dos seus povos originais? Teria este monarca africano maior demérito que um Gengis Khan que massacrou, chantageou pelo terror e escravizou incontáveis povos para criar um dos maiores impérios do mundo?

Creio que não, nada o diferencia destes, como ele também muito se iguala a outros que a história inclusive os lembra pelo título de o Grande, como Ramsés II do Egito, Alexandre da Macedônia, Justiniano do império Bizantino, Carlos (Magno) imperador dos Francos, dentre outros. Que em geral as pessoas tendem a não querer ver que as épocas de ouro criadas por eles se fizeram a custo de roubos (chamadas de conquistas) e escravidão (explicita ou mais sutil).

Compreendido isso, torna-se fácil entender que a prática da escravidão entre dados monarcas africanos, incluindo os de Congo era uma prática comum e extremamente lucrativa. Uma realidade em nada diferente da que esta possível avó de Zumbi, Aqualtune, veria a conhecer quando enviada como escrava para o Brasil. Isso mesmo, enviada como escrava. O que explicaremos melhor mais adiante. Uma polêmica por vez para irmos tratando. Tudo bem? Tanto quanto, com isso que vimos, é fácil perceber que a classe dirigente de Congo formava um governo absolutista, autocrático a quem a população restava apenas a submissão sem contestações. Ou seja, nada diferente de nenhum governo no mundo nesta época então.

Deste modo Palmares que seria fundado por esta mulher, naturalmente era guiado pela mentalidade escravagista e aristocrática presente tanto na África como neste “novo” mundo em que agora se achavam suas lideranças. Fato que nos ajuda a entender o que o historiador José Murilo de Carvalho, em sua obra "Cidadania no Brasil" entende que neste contexto "os quilombos mantinham relações com a sociedade que os cercavam, e esta sociedade era escravista”, de modo que “Não existiam linhas geográficas separando a escravidão da liberdade".

Não querendo com isso justificar a cruel exploração humana, mas mostrar que o quilombo de Palmares e as sociedades africanas em geral não teriam porque ter a obrigação de serem moralmente mais elevadas que as outras coletividades da sua época. Essa evolução de pensamento levou muito tempo para se formar e ainda mais para se consolidar.

Por mais que há os que justificam que a escravidão nos quilombos, incluindo Palmares, em nada se assemelharia à escravidão dos brancos sobre os negros. Sob esta justificativa os escravos eram considerados como membros das casas dos senhores, aos quais deviam obediência e respeito. Legal, se isso no fundo não fosse idêntico ao chamado feudalismo na Idade Média. O que no fundo não muda a exploração e a brutal hierarquização entre aristocracia e serviçais (escravos). Mas não se preocupem que há outros argumentos além deste.

Como o de que a escravidão nos quilombos era um meio de aculturar os escravos recém-libertos às práticas dos quilombos, que consistiam em trabalho árduo para a subsistência da comunidade, assim como diferenciar os ex-escravos que chegavam aos quilombos pelos próprios meios (escravos fugidos, que se arriscavam até encontrar um quilombo. Sendo, neste trajeto, perseguidos por animais selvagens e pelos antigos senhores, e ainda, correndo o risco de serem capturados por outros escravistas), daqueles trazidos por incursões de “resgate” (escravos libertados por quilombolas que iam às fazendas e vilas para libertar escravos). Todavia, essas mesmas incursões aconteciam, justamente, com o fim de se obter mão de obra a ser explorada que era essencial para o modelo econômico do quilombo que assim não diferia do antigo reino do Congo.

Mas enfim, se a alegação convence, porém, fica ao critério de cada um. Pois é fato até que aqui que estamos diante de uma sociedade semelhante as demais em seu tempo. Que mesmo não podendo ser tão mais nobre que estas, nem por isso a precisamos ver com desprezo.

Além de que contribuições com outros pontos de vista sobre este ponto da escravidão em Palmares são bem vindas, pois o interesse aqui é buscarmos um esclarecimento e não tentar uma polêmica. Que por sinal, não para por aí, pois temos mais a buscar conhecer sobre a trajetória deste líder negro, o Zumbi dos Palmares. Pois é, óbvio que ainda estamos só na ponta do iceberg. Como, por exemplo, como uma nobre (Aqualtune) deste reino acabaria como escrava aqui no Brasil? Aliás, próxima etapa de nossa saga. Então que continuemos nossa jornada nas próximas postagens. Até lá.....



(continua... não se preocupem...) 

 


Sobre o autor:

LUIS MARCELO SANTOS: natural da cidade de Ponta Grossa (estado do Paraná) é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, especialista em ensino religioso e mestre em História formado pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.


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