Obra Tiradentes de Cândido Portinari
A
Inconfidência Mineira perdeu prestígio nos últimos anos – e eu não posso deixar
de dar aos detratores uma certa razão. A Conjuração Baiana ganhou destaque por
propor a abolição de forma mais efetiva. Além disso, a revolta dos alfaiates
foi de fato uma revolta, enquanto a Inconfidência foi morta no nascedouro, não
chegou efetivamente a acontecer.
O
líder da Inconfidência, o alferes Tiradentes, é reivindicado posteriormente
tanto pela PM de Minas (a revista científica da PM até hoje chama-se O
Alferes) quanto por movimentos revolucionários armados como Movimento Revolucionário
Tiradentes (houve pelo menos dois anos nos anos 60 e existe um hoje em dia).
Alferes Tiradentes
O
líder da Revolta dos Alfaiates, Cipriano Barata, viveu muitos anos preso, mas
não foi morto como Tiradentes. Sobressai muito o martírio que ele viveu. Embora
nada comprove que tenha dito a frase, “se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu
daria”, ainda é incrível e emocionante ver o maravilhoso ator José Wilker
dizê-la no filme Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro Andrade (1972). O
filme está no youtube.
Enquanto
todos se arrependem e pedem desculpas ao poder autoritário para sobreviver,
Tiradentes resiste e enfrenta a morte, seguro do significado que terá seu gesto
de atirar-se para o martírio.
É
fantástico o efeito crítico do final do filme, quando Tiradentes a cores pende
na forca e a narrativa corta para crianças com bandeirinhas em imagens preto e
branco na as comemorações oficiais em 1972, na cidade de Ouro Preto. A
narrativa mistura imagens de carne sangrenta sendo batida com pedra com imagens
das autoridades da ditadura comemorando a morte de Tiradentes. O efeito crítico
é muito bom, bem como o estético.
O
Joaquim Pedro que dirigiu esse filme sobre Joaquim, cinemanovista e ligado ao
PCB, conseguiu efetivamente, com esse filme, criar uma crítica muito interessante
ao regime militar. O intertexto ficou claro, desde a carne macerada no início,
simbolizando a tortura. Com esse filme, Joaquim Pedro quis redimir-se de ter
criado o personagem Gerson que simbolizaria os brasileiros, com a tal Lei de
Gerson (é preciso tirar vantagem em tudo), bem como reforçado a ideia de que é
preciso tirar vantagem em tudo. Já vinha da experiência de ter firmado
Macunaíma como herói nacional, herói sem nenhum caráter. Joaquim, filho de um
funcionário do Instituto de Patrimônio Histórico mineiro, dedicou esse filme ao
pai e, com ele, celebrou um, até então, incontestável herói brasileiro, um dos
poucos que sobressai em nossa história, sem dúvida um dos que tem a trajetória
menos inquestionavelmente heroica. Há pouco a dizer contra ele. De fato, de
alguns anos para cá ficou bem evidente os lados obscuros de vários de nossos
heróis, desde a figura de Lampião (banditismo, etc), Pedro II (racista amigo do
conde Gobineau), Duque de Caxias (organizou o genocídio da guerra do Paraguai),
os bandeirantes como portugueses assassinos de índios, dentre muitos outros.
Duque de Caxias, organizador do genocídio da guerra do Paraguai
Tiradentes
e a Inconfidência prosseguem atuais, por perceberam o seguinte: poderíamos
viver melhor se nos libertássemos do peso de ter de alimentar também o
imperialismo estrangeiro. E desde então, mudamos de senhor, passando do
imperialismo português para o inglês e, agora ainda mais tragicamente, para o
imperialismo de um outro país americano, Estados Unidos, país nos quais os
inconfidentes enxergaram esperanças que, dolorosamente, mostraram-se vãs. O
martírio é ainda inspirador, como mostrou o poeta Dantas Motta em sua "Primeira Epístola de
Joaquim José da Silva Xavier - o Tiradentes - aos Ladrões Ricos":
Tiradentes sobe ao patíbulo,
pretende falar, não o deixam, sofre 3 sermões
Jm. Jzé. da Sva. Xer.
dá entrada no LARGO DA
LAMPADOSA,
e como que possuídos de furor
histero-religioso,
os padres da Comunidade do
Convento de Santo Antônio,
aumentando as suas vozes,
alteiam-n'as com a Recitação
da Oração dos Agonizantes
36. Subindo, rápido, ao
patíbulo de 24 degraus,
Tiradentes quis falar.
Não o deixaram,
Sinal próprio das épocas em
que os outros têm medo
da liberdade.
Deram-lhe, porém, ao invés da
fala,
água, pois que suava com
abundância.
Recusou-a.
Pediu que apressassem o
bárbaro espetáculo.
Prolongaram-n'o
1º — com dois sermões
2º — com o recitativo do Eu
Pecador
3º — com a encomendação do seu
corpo ainda vivo.
FONTES:
Andrade,
Joaquim Pedro. Os Inconfidentes, filme 1972. <<https://www.youtube.com/watch?v=wDgP79urOk&ab_channel=Fl%C3%A1vioF>>
MOTTA,
Dante. "Primeira Epístola de Joaquim José da Silva Xavier - o Tiradentes -
aos Ladrões Ricos". <<http://oabsurdoeagraca.blogspot.com/2015/04/primeira-epistola-de-joaquim-jose-da.html>>
Sobre o autor:
Lúcio Junior Espírito Santo: Graduado em Filosofia. Mestre em Estudos Literários/UFMG. Blog: revistacidadesol.blogspot.com. Bom Despacho, Minas Gerais. Nascido em Uberaba, 1974.
Excelente!!!!!!
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