Um fantasma rondando a Nicarágua: nossa introdução à história social da Revolução Sandinista

A Nicarágua, assim como os demais países da América Central, também foi submetida a uma ditadura financiada e apoiada pelos Estados Unidos. Entretanto, podemos encontrar no caso nicaraguense algumas características peculiares, como por exemplo, a permanência de uma família no poder, os Somoza, que por mais de 40 anos governaram o país. Vivia-se em uma república, que mais parecia uma monarquia absolutista, governada por uma dinastia.

Sem dúvida, o poder político da ditadura Somoza encontrou durante as décadas de domínio algumas resistências populares. A Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSNL) agregou sob sua égide diversos grupos de oposição ao regime Somoza, desde socialistas até liberais. Fundada no início dos anos 1960, a Frente tinha como sua principal inspiração a figura de Augusto Sandino, um mecânico que lutou no final dos anos 1920 e 1930 contra a política nicaraguense atrelada ao imperialismo estadunidense. Sandino acabou encontrando principalmente nos camponeses pobres sua principal base de apoio, utilizando uma dinâmica classista de recrutamento. A bandeira destes camponeses e peões era a reforma agrária; algo muito radical para a elite latifundiária da Nicarágua, lembrando que para Sandino, “propriedade é roubo!”.

Augusto Sandino (centro) 

Após uma trégua entre as tropas guerrilheiras de Sandino e o governo nicaraguense, apoiado pelos Estados Unidos, a Guarda Nacional (o exército dos latifundiários) passou a caçar e eliminar a guerrilha e seus apoiadores. Sandino foi morto, tentaram apagar sua trajetória da memória dos camponeses, mas não conseguiram impedir que se tornasse um herói nacional na luta contra o imperialismo e a espoliação do país em proveito de interesses estrangeiros. A Guarda Nacional, sob o comando de Anastácio “Tacho” Somoza, tornou-se a única força na Nicarágua capaz de dar uma estabilidade aos negócios estadunidenses na região.

O início da Revolução Sandinista

A ascensão de Anastácio Somoza ao poder na Nicarágua está intimamente ligada aos interesses estadunidenses na região.

No início do século XX foi construído o Canal do Panamá, principalmente porque os Estados Unidos precisavam de uma passagem pelo istmo para navios – mercantes e de guerra – de grande porte. Mesmo controlando a Zona do Canal (que foi obtida após os Estados Unidos financiarem a independência do Panamá da Colômbia) a passagem interoceânica em pouco tempo parecia insuficiente para o tráfego de navios. A Nicarágua, devido a sua posição geográfica, oferecia uma alternativa para a construção de um novo canal, em apoio ao Canal do Panamá.

Mapa da Nicarágua.

Com efeito, o grande problema para efetivar a construção de um canal interoceânico no Panamá, foram as barreiras políticas impostas pelos governantes do país.

O Governo do oligarca José Zelaya, que durou de 1893 até 1907, colocou algumas barreiras a penetração capitalista estrangeira ao fortalecer o Estado. Seu governo foi derrubado após uma revolta local apoiada pelos Estados Unidos que enviou um destacamento de marines para assegurar o poder de seu homem de confiança, Adolfo Diaz. A presença estadunidense permaneceu no país, dando apoio sempre aos candidatos presidenciais que não colocassem obstáculos aos seus negócios – fossem eles liberais ou conservadores. Após o governo de Diaz, elegeu-se presidente Emiliano Chomorro. No governo deste que foi assinado o Tratado Bryan-Chomorro, que sob a aparência de um acordo de ajuda mútua, na realidade dava aos Estados Unidos, entre outros benefícios, as concessões territoriais necessárias para a construção do canal, além de colocar nas mãos destes o monopólio comercial do café nicaraguense.

Mesmo com apoio militar dos Estados Unidos, os políticos nicaraguenses que representavam os interesses deste país, enfrentaram algumas revoltas contra seus governos. No segundo mandato de Adolfo Diaz, de 1926 até 1928, iniciou-se uma revolta popular entre muitos camponeses, liderados pela figura de Augusto César Sandino. De caráter nacionalista, portanto contra o imperialismo e reformista (reforma agrária), o movimento logo se espalhou e entrou em confronto com forças nacionais aliadas ao imperialismo. Após duas eleições supervisionadas pelos Estados Unidos (que deram a vitória aos liberais Moncadas e Sacasa) estes decidiram retirar sua participação do próximo pleito, que ocorreria em 1936.

Ainda que os Estados Unidos deixassem de participar diretamente dos processos eleitorais, eles deixaram, devidamente armada e preparada, a Guarda Nacional. Esta guarda havia sido criada durante o governo Diaz, sob a supervisão estadunidense, para manter a “ordem” no país.

Sandino e seus guerrilheiros concordaram em baixar armas quando da retirada dos Estados Unidos nas eleições de 1936. Mas não contava com o fator da Guarda Nacional que tinha, agora, como diretriz, a busca e o extermínio do movimento sandinista originário. Sob o comando de Anastácio (Tacho) Somoza, a Guarda Nacional matou os sandinistas e seu líder Sandino. Foi o primeiro fim da Revolução Sandinista.

Com o poder da Guarda Nacional, não foi difícil para Anastácio Somoza controlar a política na Nicarágua. Tendo o apoio dos Estados Unidos novamente, Somoza venceu as eleições de 1936. Iniciou-se um período de mais de 40 anos na história da Nicarágua, quando Somoza e seus descendentes tornam-se os reais donos do país, enquanto adquiria um papel fundamental na geopolítica estadunidense na região da América Central. A morte de Sandino coroou um período de desmandos dos Estados Unidos no principal país da América Central:

A diretoria do Banco Nacional da Nicarágua se reunia em Nova York e só havia um representante nicaragüense honorário. A ferrovia nicaraguense estava oficialmente registrada no estado do Maine, e os impostos e as taxas alfandegárias nicaraguenses iam diretamente para bancos dos Estados Unidos, “em caráter perpétuo”, o direito exclusivo de explorar as rotas marítimas e terrestres entre os dois oceanos, com os três milhões de dólares anuais de aluguel indo diretamente para os bancos credores da gigantesca dívida da Nicarágua (ZIMMERMAN, 2006, p. 28).

Via nicaraguense para a revolução

Ao longo dos anos de luta contra a ditadura somozista, a FSLN agiu de acordo com algumas diretrizes, que em boa parte representavam os diversos grupos agregados sob a bandeira da Frente e que queriam o fim do regime instaurado nos anos 1930.

A Frente Sandinista de Libertação Nacional foi criada em 1961 sob a inspiração de Augusto Sandino, assassinado a mando de Tacho Somoza. Além de absorver a ideologia bastante eclética de Sandino, a FSLN abraçava “o marxismo de Lenin, Fidel, Che e Ho Chi Minh” (ZIMMERMAN, 2006, p. 65).

Sob a inspiração da bem sucedida Revolução Cubana, em 1959, alguns setores nacionais, desde liberais radicais até marxistas e adeptos da teologia da libertação, se reuniram em Tegucigalpa, Honduras, e formaram a Frente; que adotou como plano de ação a tática de guerrilha ao estilo sandinista, agregando todos os setores de oposição a Somoza. No ano de 1963 a Frente tentou uma investida, penetrando no território da Nicarágua pelo sul do país, na fronteira com a Costa Rica. Esta tentativa foi frustrada pelo exército somozista da Guarda Nacional, mas serviu para colocar o nome da FSLN no cenário político do país.

As relações entre as duas revoluções, cubana e nicaraguense foram muitas, a começar que Fidel Castro e seus comandados usaram as táticas de guerrilha de Sandino para iniciar sua luta armada: houve mútua influência.

O Comandante Sandinista Ortega e o Comandante Fidel Castro.

Os anos 1970 mostraram, ao mesmo tempo, um desgaste do regime de Somoza e uma ascensão da FSLN. O regime somozista teve uma longa duração, em parte por sua ambiguidade, obtendo inclusive apoio do Partido Comunista local. Muitos setores da sociedade civil, incluindo uma oposição liberal ao regime somozista, migraram para as fileiras da Frente. Quando a revolução foi vitoriosa o contrário também ocorreu. Com um amplo leque de categorias sociais, começaram a surgir no seu interior algumas divergências com relação a luta pela conquista do Estado. Foram as chamadas “três vias” da FSLN. Estes três subgrupos da FSLN ficaram conhecidos como “Guerra Popular Prolongada”, “Tendência Proletária” e “Tendência Insurrecional” ou “Terceiristas”. Estas diferenças quanto a táticas ou estratégias de ação guerrilheira atrasaram o êxito da revolução, que ocorreu somente em 1979.

A vitória revolucionária foi um grande salto qualitativo, mesmo que apenas depois as condições históricas tivessem que ser criadas, enfatizando a educação e fazendo história. Para gradualmente reduzir a distinção entre a cidade e o campo não optou-se pela combinação do trabalho agrícola e industrial, sim pela Cruzada Nacional de Alfabetização. Sem alfabetizar os mais de 60% de analfabetos nicaraguenses, não havia as condições para os trabalhadores tornarem-se a classe dominante e conquistarem a democracia. Com a vitória sandinista, os campesinos conquistaram terra, assistência médica, habitações e educação. Usando os termos sandinistas, a terra dos assassinos tornou-se dos campesinos e viva a Revolução!


Referências:

AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo: UNESP, 2002.

CONSULADO DA NICARÁGUA EM SÃO PAULO.  República da Nicarágua –  História. Disponível  em:  http://www.nicaragua.org.br/internas.php?noticias=8435&interna=97486. Acesso em 30 de Junho de 2013.

PEREIRA, Analúcia Danilevicz. Revolução nicaraguense: marxismo, nacionalismo e teologia (1979-90).  In:  VISENTINI,  Paulo  Fagundes;  PEREIRA  [et  al.].   Revoluções  e  regimes marxistas. Porto Alegre: Leitura XXI/NERINT/UFRGS, 2013.

WASSERMAN,  Cláudia.  História  contemporânea  da América  Latina:  1900-1930.  Porto Alegre: Ed da UFRGS, 1992.

ZIMMERMANN, Matilde. A revolução nicaraguense.São Paulo, UNESP, 2006.


Alvorada/RS, 03 de março de 2014.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 
Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. 

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