Lúcio Espirito Santo e a tese de universalização do modo produtivo feudal europeu (Debate)



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                              Rafael Freitas e a tese antifeudal




Lúcio Espirito Santo e a tese de universalização do modo produtivo feudal europeu

Sou o Rafael Freitas, a quem o professor de filosofia e Mestre em Estudos Literários Lúcio Emílio do Espírito Santo imputou uma suposta “tese antifeudal” através de um texto em seu blog Cidade Sol denominado “Rafael Freitas e a tese antifeudal”. Eu não defendo qualquer tese antifeudal e não ficou explicitado que tese é esta, a minha defesa é de que não houve feudalismo fora da Europa, de que no Brasil não tivemos nem colonato nem comitatus, e se tivéssemos que comparar a Europa Feudal com o Brasil Colonial, encontraríamos sim em comum o uso de enxada, pá, foice, ou bovinos e cavalos, o que não implicaria de forma alguma a transposição do mesmo modo produtivo europeu para o caso americano ou brasileiro. Lanço o desafio ao amigo e filósofo que disserte sobre o uso comum de pastos, prados, bosques no Brasil Colonial excetuando as organizações socais quilombolas ou de economia coletora como a indígena. 

Reduzir o feudalismo a existência do latifúndio empobrece muito o debate: feudalismo não é sinônimo de posse de grandes extensões de terra, também não é o mesmo que posse de terra. O feudo pode ser também um cargo político, uma função na igreja, ou um direito de receber alguma vantagem: não é apenas direito a terra. Nesta sua visão de feudalismo, perdeu-se, portanto, a historicidade, um elemento básico de análise marxista que o amigo e filósofo pareceu não dominar, já que não interpretou o feudalismo enquanto um modo de produção, que sofreu alterações sim, mas sempre situado no tempo e no espaço. Ou seja, de acordo com a época e o local, o feudalismo variou, mas não tornou-se universal, tal qual hoje o capitalismo se apresenta na História. Se queres que eu revide e proponha uma tese a partir de suas idéias, seria a tese de universalização do modo de produção feudal. Não defendo a “tese antifeudal”, mas a interpretação de nossa História nacional sem universalizar o particular.

A seguir mencionaste a obra do professor e convidado de nosso programa História em Pauta, Cássio Moreira. É sim, possível encontrar uma unidade entre o trabalhismo de Getúlio Vargas e Jango e o neoliberalismo de Lula e Dilma, são duas formas de governo diferentes que operam a mesma reprodução das relações sociais burguesas no Brasil. A ideia central das pesquisas do professor Cássio Moreira apontam neste sentido, logo discordo que seja um absurdo esta relação. É secundário considerar os governos federais atuais no Brasil como trabalhistas ou não: o essencial está na reprodução do capitalismo. Desta vez, o amigo e filósofo não soube usar a dialética o suficiente para diferenciar o essencial do secundário, descartando a relação entre o modo de produção capitalista e os respectivos governos citados. O paralelo entre Getúlio e Lula é válido sim!

Além destes dois estranhamentos acima citados referentes ao uso do método marxista pelo meu criativo interlocutor, há a contradição entre a crítica severa ao pós-modernos acadêmicos e a mistura entre idealismo e materialismo em sua análise! Considero verdadeiro dizer que o PT está aliado a um setor empresarial, mas chamar Lula de um líder carismático é problemático, é profundamente alinhado com o discurso pós moderno. Não é líder, nem é carismático. A interpretação de nossa História através dos grandes líderes é próprio de uma interpretação positivista: o positivismo substitui o processo histórico pelos grandes fatos e grandes Homens. E carisma é um tipo ideal sociológico criado por Weber no início do século passado. Marx Weber foi um neopositivista. Aprendemos com o guardião do templo positivista de Porto Alegre, Sr. Érlon Jacques de Oliveira quando participou de nosso programa História em Pauta, um leitor com apreço das obras de Mario Maestri, que o Comte foi precursor da ideologia do pós-modernismo. A mistura do idealismo com materialismo está na religião da Humanidade, como está no discurso de Lúcio Emílio do Espírito Santo em “Rafael Freitas e a tese antifeudal”. Sugiro que se definas: ou és idealista ou materialista em seus discursos, talvez por esta razão teus leitores não entendam a maior parte de teus interessantes textos no blog, ao te considerarem, assustados e aterrorizados, um malvado ou um comunista.

Além de propor que eu defenderia uma “tese antifeudal”, mencionaste que sou “leitor de Nelson Werneck Sodré”. Não apenas sou um leitor, como um admirador de seu legado: ele foi um desbravador ao usar diferentes fontes na pesquisa histórica, como a ficção literária, a imprensa escrita; um pioneiro em propor novos objetos, como o cotidiano e a mentalidade. Mas, principalmente, por ser um dos primeiros no Brasil a se levantar contra o eurocentrismo e o determinismo econômico marxista. Basta ler os títulos de seus livros para perceber que ele não estudou o feudalismo no Brasil, mas as muitas determinações formadoras do nosso país. Basta uma breve pesquisa sobre a ciência contemporânea a este intelectual americano exemplar para enxergar a tese de feudalismo no Brasil em Capistrano de Abreu, Câmara Cascudo, Gilberto Freire e Caio Prado Junior (em “Evolução política do Brasil”). Nelson Werneck Sodré foi o teórico da heterocronia brasileira. Aí está o núcleo central do marxismo de Sodré, identificado por ele em Oliveira Viana (na obra “Populações meridionais do Brasil”), localizado por Maria de Anunciação Madureira em artigo chamado “Os modos de produção na obra de Nelson Werneck Sodré”. Na heterocronia está o historicismo radical do “pensamento Werneck Sodré”. Na heterocronia sodreana está a chave para não transpor o feudalismo para o caso brasileiro.

Finalizo com um muito obrigado por iniciar um debate sobre questões apropriadas para nós envolvendo a História do Brasil, enquanto uma parte de algo maior que é a América: alvo das investigações do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata ao qual eu pertenço.

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no jornal "A Folha" de Alvorada, RS.

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