Se olharmos um mapa atual da América do Sul, podemos identificar os seguintes países: Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai. Pois bem, no início do século XIX, todos esses países faziam parte de um único vice-reino: o Vice-Reino do Rio da Prata. Nesta mesma época havia uma certa “rivalidade” entre Buenos Aires (capital) e as demais províncias, pois a capital do vice-reino estava crescendo em importância política e econômica – principalmente pelo contrabando na região –; enquanto que as demais províncias seguiam os mandos e desmandos do sistema colonial. Acontece que em 1810, em meio a crise do sistema colonial, os criollos de Buenos Aires expulsaram o vice-rei sem consultar as demais províncias. Isto suscitou ainda mais as desavenças. Se os portenhos tomavam certas atitudes por conta própria, as demais regiões que constituíam o vice-reino enxergaram a oportunidade de garantir sua autonomia, mas dessa vez em relação a Buenos Aires. As províncias não aceitavam ficar independentes de Madri e passar à dependência de Buenos Aires. E a primeira região que se levantou para garantir sua autonomia foi o que hoje é o Paraguai.
A região do Paraguai, diferente das outras do vice-reino, não sentiu de forma tão intensa a pesada “mão” da burocracia imperial espanhola, ao longo dos séculos de colonização. Pouquíssimos funcionários peninsulares exerciam sua autoridade na região. Quem tinha um grande prestígio eram os jesuítas que fundaram na região algumas missões nos séculos XVI e XVII.
Assim, a sociedade paraguaia não tinha algumas características econômicas e sociais encontradas em outras regiões da América: o latifúndio era quase inexistente, e o comércio se dava principalmente pela produção de erva mate (utilizada no chimarrão, bebida de origem indígena típica dos pampas) e do tabaco. Portanto, as bases sobre as quais a sociedade surgiu estavam em pequenas e médias propriedades de terra e em algumas poucas cidades comerciais, como a capital Assunção.
Quando, em 25 de maio de 1810, a junta de Buenos Aires expulsou o vice-rei, ela pretendia manter o controle sobre as demais regiões do vice-reinado, consolidando seu domínio sobre estas sem ter mais que compartilha-lo com os burocratas metropolitanos. Assim, a junta portenha enviou para as diversas províncias, uma mensagem que exigia seu reconhecimento como autoridade legítima, além de pedir que elas enviassem deputados para representar a região em um congresso que se realizaria na própria capital do outrora vice-reino – Buenos Aires.
No Paraguai, o cabildo de Assunção recusou-se a reconhecer autoridade em Buenos Aires. No dia 24 de junho, os criollos paraguaios reconheceram a junta espanhola (que logo se tornou regência) como a legítima autoridade governando em nome do rei preso, Fernando VII. A esta altura, até mesmo o regente de Portugal, João VI, e sua esposa, Carlota Joaquina (irmã de Fernando VII), tinham pretensões sobre a região. Carlota queria se tornar a governante das possessões espanholas, e estando no Brasil com seu marido a oportunidade parecia se desenhar de forma mais clara em sua mente.
Os membros da junta de Buenos Aires, irritados com a negação paraguaia de reconhece-los como autoridade, e querendo mostra-la através da força, enviaram um exército sob o comando de Manuel Belgrano para o Paraguai. Os paraguaios resistiram ao exército portenho, que acabou derrotado. A vitória fez com que um congresso, reunido em Assunção, debatesse sobre o futuro da região. Quem se tornou o grande líder neste congresso foi José Gaspar Rodriguez Francia (1776- 1840), conhecido como Dr. Francia.
Francia era filho de proprietários de uma fábrica beneficiadora de tabaco. Estudou filosofia na Universidade de Córdoba, onde estabeleceu contato direto com a obra dos filósofos do iluminismo. Durante o congresso de Assunção, Francia defendeu a autonomia tanto em relação a junta de Buenos Aires, quanto da junta espanhola. Ganhando muitos adeptos com esta tese independentista, a declaração de independência foi redigida sob a inspiração e influência de Francia. Em 17 de junho de 1811 o Paraguai se declarou um país independente. O então governador espanhol na região, Bernardo Velazco, que a princípio parecia estar ao lado de Francia, foi afastado por manter relações com o governo luso instalado no Brasil.
O mesmo congresso que redigiu a declaração de independência, escolheu o Dr. Francia como cônsul do país, agora independente. Em pouco tempo Francia transformou-se em ditador perpétuo, seu esclarecimento e sua admiração aos iluministas, deu ao seu governo um caráter “progressista”. De acordo com o historiador Leon Pomer: “O poder de Francia foi um poder civil, exercido como verdadeira autocracia patriarcal. Os interesses mais beneficiados foram os majoritários, quer dizer, os interesses da massa de pequenos camponeses. Diferentemente do restante da América espanhola, não houve oligarquias que usufruíam os benefícios do poder. Os poucos ricos, que vinham dos tempos coloniais, quando não foram tratados com extrema violência tiveram que retirar-se de seus casarões e fazendas, [...].” (2007, p. 140).
A partir da independência, e sob a influência de Francia, o Estado passou a investir fortemente numa educação pública de qualidade; chegando, inclusive, a enviar periodicamente estudantes paraguaios para o exterior a fim de que eles aprendessem a tecnologia europeia e a aplicassem em sua terra natal.
A manutenção e expansão deste “modelo paraguaio”, que se desenvolve após sua independência, é uma das causas da Guerra do Paraguai (1864-1870), que vai arrasar o país, e ceifar este modelo de desenvolvimento que não teve paralelo na América Latina no século XIX.
REFERENCIAS:
BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da independência a 1870. São Paulo:
DOZER, Donald M. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre: Globo, 1974.
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013.
HALPERIN DONGHI, Tulio. História da América Latina. São Paulo: Circulo do Livro.
POMER, Leon. As independências na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 2007.
REFERENCIAS:
BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da independência a 1870. São Paulo:
DOZER, Donald M. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre: Globo, 1974.
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013.
HALPERIN DONGHI, Tulio. História da América Latina. São Paulo: Circulo do Livro.
POMER, Leon. As independências na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 2007.
Fábio Melo. Membro
Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata.
Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América
(América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa
"História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre
educação, cultura e política.
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olá, professor.
ResponderExcluirPor que é tão difícil encontrar algo que explique isso.
A vitória fez com que um congresso, reunido em Assunção, debatesse sobre o futuro da região. Quem se tornou o grande líder neste congresso foi José Gaspar Rodriguez Francia.
Todos os textos dizem a mesma coisa. Francia se tornou o líder e ponto.
Se o Paraguai resistiu a pressão argentina por que seus lideres foram depostos?
Qual foi a manobra usada por Francia para se tornar líder?
É um pequeno pedaço muito obscuro, gostaria de mais esclarecimento, meu TCC é sobre Francia e esse pequeno período é muito importante para ser tão obscuro.
Por favor me ajude.