O IMPERIALISMO DOS ESTADOS UNIDOS

Coincidentemente (ou não) no mesmo ano em que foi redigida a Declaração de Independência dos Estado Unidos, 1776, foi publicado um livro chamado Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, que traduzindo para o nosso português significa “Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações”, ou só Riqueza das Nações. Este livro foi escrito pelo escocês Adam Smith e é uma brilhante análise da economia que na época estava passando por muitas transformações. A obra traz algumas idéias inovadoras para a época, por exemplo, a especialização do trabalho nas fábricas. Além disto, o livro se tornou um verdadeiro manifesto do liberalismo; liberdade de comércio e indústria, contra os monopólios e o mercantilismo. A ideia de Adam Smith em seu livro era de que o livre comércio, sem restrições impostas às suas atividades, traria trabalho a todos e através dele a nação seria rica para acabar com todos os seus problemas. O liberalismo seria a resposta para os males da sociedade – no pensamento de Smith e de seus muitos seguidores.

Passados 100 anos da publicação do livro de Adam Smith o que aconteceu era exatamente o oposto: o liberalismo se tornou capitalismo e este se tornou imperialismo. Ao invés de resolver os males das sociedades, só trouxe consequências nefastas – produzindo males. Trouxe a pobreza e a exploração do trabalho; a fortuna de poucos e a miséria de muitos. Se Adam Smith estivesse vivo em 1876, poderia escrever um outro livro, que ele poderia muito bem intitular de “Pobreza das Nações”.

E o que tudo isso tem a ver com os Estados Unidos?

Os Estados Unidos passaram por uma violenta guerra civil de 1861 até 1865. Os vencedores desta guerra foram os industriais dos Estados do norte. A nação se consolidou com o modelo capitalista, que vinha lentamente realizando uma revolução industrial dentro do país desde sua independência. Ferrovias eram construídas, interligando as diversas regiões do país, do Atlântico ao Pacífico, levando pessoas e mercadorias. As cidades cresciam tornando-se populosas num contraste entre ricos e pobres. Indústrias de ferro e aço faziam peças para outras indústrias como as de transporte e construção civil. E para manter os trens e as máquinas ativas era necessário muita energia, e para criar energia é preciso bastante combustível: petróleo.

Trens, aço e petróleo, eis os grandes motores da economia dos Estados Unidos nas últimas décadas do século XIX. Estes três itens eram tão importantes que os donos das empresas que os produziam e o exploravam eram chamados de “reis”: Andrew Carnigie, o “rei do aço”; Cornelius Vanderbilt, o “rei das ferrovias” e John Rockfeller, “o rei do petróleo”. Mas ao mesmo tempo que as fortunas destes cidadãos crescia, os trabalhadores não tinham a mesma sorte. Ao mesmo tempo, imigrantes chegavam em grande número e poucos tinham recursos para irem ao campo garantir seu quinhão de terra; não lhes restava outra alternativa a não ser ficar nas cidades, que já estavam entupidas de gente.

Enquanto os Rockfeller, os Vanderbilt e o Carnigie enriqueciam mais e mais, os trabalhadores não tinham direito algum, salários baixos, pouco descanso, moradias insalubres; os que se organizavam e faziam greve eram punidos. Por exemplo a greve de Chicago no ano de 1886. Já nesta época, Chicago era uma importante cidade industrial. Os trabalhadores desta cidade fizeram uma passeata para revindicar 8 horas de trabalho. A polícia, sempre a serviço dos governantes (que por sua vez estão a serviço dos capitalistas) foi chamada para “conter” a passeata. Houve tiros e trabalhadores foram espancados. Alguns morreram sob os disparos dos policiais. A morte destes trabalhadores que estavam na rua pelas 8 horas de trabalho, é lembrada até hoje. O 1º de maio passou a ser o dia do trabalhador e de sua luta por condições decentes de trabalho em homenagem ao mortos em Chicago. As leis eram feitas para os industriais e não para os trabalhadores. A riqueza, ao contrário do que previu Adam Smith em seu “Riqueza das Nações” não trouxe melhoria para todos, trouxe, sim, pobreza para uma grande maioria.

Monopólios, Trustes e cartéis

O capital que os magnatas da indústria acumularam nas últimas décadas do século XIX foi tão grande que apenas investi-lo nos Estados Unidos não era o suficiente. Era tanto dinheiro que recheavam os cofres destes poucos cidadãos que eles precisavam pensar em investimentos externos para obterem algum tipo de lucro nos seus negócios. Para este capital crescente não bastava um país, era necessário um império.

Um teórico e revolucionário russo, chamado Vladmir Lenin, escreveu um importante estudo sobre o imperialismo no início do século XX; precisamente quando o imperialismo contemporâneo estava em pleno desenvolvimento. Para Lenin, o imperialismo tinha tudo a ver com monopólios, trustes e cartéis. Diz ele que a “história dos monopólios é o seguinte: 1) Décadas de 1860 e 1870, o grau superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais do que germes quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma excepção, não são ainda sólidos, representando ainda um fenômeno passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo.”

Foi assim que aconteceu nos Estados Unidos! Empresas se tornaram tão grandes que “engoliam” outras – tornando-se “gigantes” (trustes). Até que em certo momento essas “gigantes” dominavam o mercado. Com a concorrência morrendo perante a força e a voracidade das grandes empresas, aquelas que resistiam mostravam que também eram fortes e caso uma ou duas grandes empresas produzissem ou explorassem um mesmo produto elas combinavam os preços (cartel). Tudo para manter o monopólio. Tudo para impedir que novos concorrentes entrassem em seu mercado.

Lenin ainda conclui que o imperialismo é a “[...] fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais.”

Esses monopólios, trustes e cartéis estavam nas indústrias, bancos e na política. Coordenados, queriam se expandir mais e mais, buscando mercados consumidores numa lógica perversa do capitalismo: acumular mais para acumular mais ainda...

O capital não tem pátria. Os olhos dos monopólios estadunidenses logo se voltaram para a América Latina. Históricamente essa região tinha se especializado em produzir matérias-primas e consumir os produtos da indústria européia. Um terreno fértil para o imperialismo.


Charge de Joseph Keppler, datada de 1889, intitulada “The Bosses of the Senate”, que na tradução significa “os chefes do Senado”. A imagem retrata os representantes dos “trustes”, enormes com suas cartolas, atrás dos senadores,controlando-os. Eles, os trustes, são os verdadeiros chefes do senado.

Imperialismo, Corolário Roosevelt e Big Stick

O imperialismo estadunidense iniciou engatinhando na América Latina; mas de forma muito eficaz. Em 19 de Abril de 1898, os Estados Unidos entraram em guerra contra a Espanha, pela ilha de Cuba; que, na época, ainda era uma colônia da Espanha – a única na América Latina. Os Estados Unidos criaram uma eficaz máquina de guerra após a sua guerra civil. Sendo assim, não foi difícil vencer uma potência decadente desde o século XVI. Após vencer os espanhóis, o governo dos Estados Unidos não só levaram Cuba, mas também Porto Rico e as Filipinas, no Pacífico.

O motivo aparente para tal conflito foi a misteriosa explosão do navio estadunidense “Maine”, ancorado no porto da cidade de Havana. Mas o que um navio de guerra como o “Maine” estava fazendo em Cuba?

Mas o real motivo era garantir uma importante fonte de matéria-prima (o açúcar) e um mercado para os produtos industrializados.

Criou-se uma justificativa para a dominação cubana: Cuba precisava de um governo aos moldes dos EUA. E assim foi feita uma constituição para o país. Mas dentro do Congresso estadunidense não haviam apenas imperialistas. Os anti-imperialistas conseguiram aprovar a Resolução Teller, que garantia que Cuba não seria anexada aos Estados Unidos. Mas os imperialistas logo encontraram uma forma de “intervir sem anexar” – uma emenda à Constituição cubana (Emenda Platt1) foi imposta em 1902.

Cuba e Porto Rico foram experiências bem sucedidas para o governo e capitalistas estadunidenses. Mas eles queriam mais.

Seguiu-se a questão do Panamá em 1903. Até este ano, o país que hoje conhecemos como Panamá era uma província da Colômbia. A geografia dessa região favorecia a construção de um canal que ligasse os oceanos Atlântico e Pacífico: um negócio bem lucrativo. O governo da Colômbia fez uma concessão a uma empresa francesa para a construção do tal canal. Mas a empresa francesa faliu. O governo dos Estados Unidos, interessado no canal, comprou suas ações mas o governo colombiano não renovou a concessão. Resultado: os Estados Unidos financiaram um grupo local, pró-yankees, que declararam a zona do canal independente. Surgia um novo país, que logo concedeu aos EUA que terminassem de construir o seu canal – e lucrar com isso.

Nesta época era presidente dos Estados Unidos o republicano Theodore Roosevelt. Após o sucesso das operações no Panamá, Roosevelt teria dito: I took the cannel! (eu tomei o canal! - numa tradução literal). Roosevelt foi, sem dúvida, um presidente bastante controverso. Ao mesmo tempo em que defendia o imperialismo, não só no Panamá ou em Cuba, mas também na Venezuela e no México, combatia os trustes em seu país. Foi Roosevelt que criou o seu “corolário” à velha Doutrina Monroe criada no início do século XIX.

Nos anos 1820, enquanto a Europa passava por uma onda conservadora, após a queda de Napoleão, e a América Latina lutava por suas independências, o presidente estadunidense James Monroe declarou, no dia 2 de Dezembro de 1823, em uma mensagem ao Congresso: “julgamos propícia esta ocasião para afirmar, como um princípio que afeta os direitos e interesses dos Estados Unidos, que os continentes americanos, em virtude da condição livre e independente que adquiriram e conservam, não podem mais ser considerados, no futuro, como suscetíveis de colonização por nenhuma potência européia [...]”. Essa mensagem de Monroe se tornou um dos fundamentos da política externa estadunidense. “América para os americanos”. Isso queria dizer duas coisas: o governo dos Estados Unidos não iria aceitar uma intervenção europeia na América Latina; ao mesmo tempo que precisava garantir a sua. Essa tese de Monroe acabou sendo modificada por Roosevelt, que acrescentou seu corolário a ela. O lema “América para os americanos”, virou “América para os estadunidenses”. De defesa, os Estados Unidos foram para o ataque. Ou seja, o governo dos Estados Unidos, não iria aceitar que algum país europeu interferisse nos seus negócios. E Roosevelt deixava isso muito claro com sua política do Big Stick (traduzino: grande porrete).

Obviamente, cada país latino-americano recebeu de forma diferente esse corolário Roosevelt à Doutrina Monroe. Na América Central, por exemplo, o imperialismo no início do século XX foi muito mais intenso do que em países como Brasil e Argentina. Estes, ainda tinham uma relação muito grande com outra potência imperialista: a Inglaterra, então os Estados Unidos foram muito cautelosos; só conseguindo uma inserção maior após a Segunda Guerra – visto que em 1929 houve uma grande crise capitalista que retraiu a economia estadunidense. Na América Central, uma empresa, a United Fruit Co., era proprietária de grandes latifúndios onde se plantava bananas, laranjas e outras frutas tropicais. Isso valeu a alcunha pejorativa de “República das Bananas” a alguns países da América Central, como a Nicarágua, Guatemala e República Dominicana: governados por um ditador pró-EUA, onde tudo, terras, ferrovias, trabalhadores, eletricidade, pertencia a uma empresa estrangeira.

Esta impressionante declaração do major-general Smedley D. Butler, nos ajuda a entender o que é o imperialismo dos Estados Unidos:

“Passei 33 anos e 4 meses no serviço ativo como membro de nossa força militar mais ágil – o corpo de fuzileiros. Servi em todos os postos, de 2° tenente a major-general. E durante esse período passei a maior parte do tempo como guarda-costas dos Grandes Negócios, de Wall Street, dos banqueiros. Em resumo, eu era um pirata a serviço do capitalismo... Assim foi que ajudei a transformar o México, especialmente Tampico, num lugar seguro para os investimentos americanos no petróleo, em 1914. Ajudei a tornar o Haiti e Cuba lugares decentes para que os rapazes do National City Bank pudessem recolher os proventos... ajudei a purificar a Nicarágua, para o estabelecimento bancário internacional dos Irmãos Brown, em 1909-1912. Tornei esclarecida a República de São Domingos, para que os investimentos americanos na cana-de-açúcar pudessem ser protegidos, em 1916. Ajudei a 'endireitar' as Honduras para que as companhias americanas de exploração de frutas estivessem à vontade, em 1903. Na China, em 1927, ajudei a fazer com que a Standard Oil prosseguisse seu caminho sem ser molestada. Durante esses anos eu tinha, como diziam os rapazes de qualquer bando reunido num quarto dos fundos, 'uma boa mamata'. Era recompensado com honras, medalhas, promoções. Agora que olho para trás, sinto que poderia ter dado alguns conselhos a Al Capone. O mais que ele fazia era controlar as malandragens executadas em 3 cidades. Nós, os fuzileiros, operávamos em 3 continentes.”

***

Foi no século XX que o imperialismo estadunidense chegou até a maior parte dos demais países americanos.

Coca-Cola, Ford, GM, Gilette, Goodyear, Budweiser, são algumas marcas conhecidas em quase todos os países da América, e do mundo. São todas marcas estadunidenses. Prova de que o imperialismo ainda pode ser percebido até os dias de hoje. Seria o neoliberalismo dos dias atuais uma etapa posterior do imperialismo?


Notas:

[1]Esta emenda dava o direito dos Estados Unidos enviar exércitos para Cuba, caso seus negócios fossem prejudicados de alguma forma. A Emenda Platt foi utilizada várias vezes, principalmente para por na presidência cubana, indivíduos pró Estados Unidos.

Referências:


AYERBE, Luís Fernando. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo: UNESP, 2002.

DOZER, Donald M. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre: Globo, 1974.

HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

_____. Nós, o povo: história da riqueza dos EUA. São Paulo: Brasiliense, 1987.

IANNI, Octavio. Imperialismo na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.

LENIN, Vladmir. Imperialismo, etapa posterior do capitalismo.

LESSA, Antônio Carlos. História das Relações Internacionais: a Pax Britannica e o mundo no
século XIX. Petrópolis: Vozes, 2008.



Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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