PATRIA VIEJA

As agitações sociais que culminaram na independência do Chile, em princípios do século XIX, iniciam imediatamente após a notícia da ocupação francesa na Espanha se espalhar. Diante da situação o governador da então Capitania do Chile, brigadeiro Francisco Antonio Garcia Carrasco (1742-1813), adotou medidas extremamente repressivas: colocou suspeitos de conspiração contra o governo e agitadores na cadeia. Uma atitude aparentemente arbitrária como esta não foi bem recebida até mesmo entre a elite local (latifundiários donos das haciendas – criadores de gado e produtores de gêneros alimentícios – e de minas, principalmente de cobre).

A derrubada do vice-rei do Prata pelo cabildo de Buenos Aires e a transformação deste em junta de governo, também teve grande repercussão no Chile. Uma revolta de criollos somou aspirações à autonomia com o desprezo a Garcia Carrasco. Entretanto, mais uma vez o brigadeiro colocou os “rebeldes” na cadeia. Foi a gota d'água para os criollos do cabildo de Santiago, que logo após a prisão de seus pares convocaram Carrasco a dar explicações. O brigadeiro por sua vez se recusou a comparecer ao cabildo e ainda o proibiu de se reunir.

A arrogância do brigadeiro Garcia Carrasco tinha ido longe demais. Os criollos preparavam- se para uma revolta maior contra ele quando a audiência local tratou de substituí-lo para acomodar os ânimos. No lugar de Garcia Carrasco foi nomeado Mateo de Toro Zambrano, que na época tinha oitenta e cinco anos e se mostrava indisposto a governar por muito tempo. Mesmo com a mudança de autoridade, os criollos estavam dispostos a formar uma junta de governo. A difusão de panfletos em prol de uma junta local de governo ajudou a opinião pública da cidade (muito restrita à elite criolla letrada) a apoiar esta decisão. O único órgão que se mantinha na oposição à qualquer tentativa autonomista na região era a audiência. Mesmo com esta oposição, uma junta de governo foi organizada.

Em setembro de 1810 foi organizada a junta provisória de governo em Santiago. Ela era composta pelos criollos mais ricos. Esta junta se dizia fiel ao rei deposto, Fernando VII – nada de falar em independência por enquanto.

O período da história do Chile que vai de 1810 até 1814 é conhecido como Pátria Vieja (ou “pátria velha”).

Em 1811, a junta de Santiago, instigada por uma ala radical, convocou um congresso nacional com todas as províncias do Chile. Este congresso deveria discutir sobre a situação local frente a uma possível ameaça do Peru, e até mesmo sua relação com o movimento de Buenos Aires.

O congresso se reuniu em 4 de julho de 1811. Seus membros eram proprietários locais, portanto ricos latifundiários. A maioria dos deputados (que ao todo eram 40) pendia para uma tendência moderada: baixar impostos, reafirmar a liberdade de comércio e a organização de um exército. Mas havia uma ala radical representada pelo advogado Juan Martinez de Rozas (1758- 1813) e pelo padre Camilo Henríquez (1769-1825).

Henríquez, em particular, tinha ideias muito interessantes a respeito da educação. Ele queria criar escolas e incentivar o desenvolvimento das ciências no Chile. Seu plano de reforma para a educação passava também por uma reforma moral, tudo calcado nas bases do iluminismo. Foi Henríquez que fundou o primeiro jornal do Chile, chamado La Aurora del Chile; o jornal era prensado numa máquina vinda dos Estados Unidos. Com este jornal, Henríquez era uma espécie de “Marat chileno”: divulgava seu pensamento radical ao mesmo tempo que expunha suas reformas educacionais.
Primeira junta nacional.

Outra figura que se destacou durante este período da patria vieja foi o militar José Miguel Carrera (1785-1821). De tendência radical, Carrera era oriundo de uma família aristocrática e militar, cujas raízes remontam a própria colonização e formação do Chile nos século XVII e XVIII. Ainda muito jovem, Carrera foi para a Espanha para receber instrução militar. Tomou parte nos conflitos contra a França, invasora da Península Ibérica. Durante estes conflitos, chegou a conhecer outro personagem que atuou nos processos de independência na América: José de San Martín. Com a ajuda inglesa, Carrera chega a Santiago do Chile em 1811.

Aliando-se a setores do exército local, quase todos pertencentes a aristocracia de Santiago, e alguns funcionários da burocracia colonial de mente mais esclarecida (de ideias iluministas), Carreira deu uma espécie de golpe no congresso reunido. Em 4 de setembro de 1811, Carrera impôs sua vontade, expulsando os deputados mais moderados. Até mesmo alguns setores mais radicais, como os ligados a Martinez de Rozas ficaram isolados. O motivo alegado por Carrera para este golpe foi expresso em seu diário: “Os homens que compunham o Congresso, em sua maior parte ignorantes, assassinos e recentemente liderados por um ou dois pervertidos, foi o motivo para determinar a sua deposição”.

Com um poder baseado na autoridade militar, Carrera inicia uma série de reformas no judiciário, na Igreja e até na forma do Estado: embora a tendência radical dominasse a política, o Chile se manteria fiel a Espanha, mas o poder, de fato, passaria a residir no povo: criollos e alguns mestiços trabalhadores urbanos. A liberdade de comércio foi reafirmada. A escravidão extinta, e filhos de escravizadas que nascessem neste período seriam livres. A igualdade entre os cidadãos foi proclamada. Uma bandeira e um escudo foram adotados; o lema do brasão dizia muito sobre como pensavam os radicais: Post Tenebras Lux (após as trevas a luz). Camillo Henríquez, com seu jornal La Aurora del Chile, apoiou firmemente as ações de Carrera.

Sob essas bases instituídas por Carrera, deveria ser elaborada uma constituição. Um novo congresso foi reunido para este fim, desta vez com representação igualitária para as três províncias nas quais o Chile estava dividido (na época a divisão foi feita pelo próprio congresso em Coquimbo, Santiango e Concepción).

Escudo da Patria Vieja
Enquanto estes rebeldes, liderados por Carrera, se organizavam e constituíam as bases para um governo autônomo, os realistas também começaram a organizar uma resistência, fixando uma base na ilha de Chiloé, ao sul de Santiago, que na época era administrada diretamente pelo vice- reino do Peru. O vice-reino do Peru se opunha ferrenhamente a qualquer movimento de independência. Sendo assim, o vice-rei do Peru, José Fernando de Abascal, em contato com os realistas chilenos, resolveu apoiar um ataque a Santiago vindo de duas frentes: uma pelo norte, vindo do Alto Peru, e uma ao sul, vindo de Chiloé. Os planos de Abascal eram mais amplos: ao mesmo tempo esmagar os rebeldes do Chile e de Buenos Aires.

Assim, em 1813, tropas do Peru reunidas em Chiloé, avançam para o norte, em direção a Santiago. Carrera, abandona seu posto na capital e vai, junto com sua tropa, na tentativa de deter os realistas. Em Santiago, forma-se uma nova junta de governo sob o comando de Bernardo O'Higgins (1778-1842).

O'Higgins é filho ilegítimo de um vice-rei do Peru, o irlandês a serviço da Espanha Ambrósio O'Higgins. Morou alguns anos na Inglaterra, onde conheceu o exilado Francisco Miranda e se interessou pelas suas lutas de independência da América do Sul. Aproveitando-se da ausência da facção radical, e do próprio José Miguel Carrera, a junta resolveu assinar um tratado de paz (Tratado de Lircay) com os realistas em nome da Espanha – que a esta altura já estava respirando mais aliviada com as derrotas de Napoleão. Esse tratado – que foi feito sob a influência de um oficial da marinha inglesa, o capitão Hillyar – ajudou a por um fim na Patria Vieja: reconhecia a autoridade do rei espanhol, Fernando VII, e comprometia os chilenos a enviarem representantes às Cortes na Espanha. Os realistas haviam tomado a cidade de Concepcion e o tal tratado foi assinado às margens do rio Lircay.

Para piorar a situação, em outubro de 1814, os chilenos perderam a batalha de Rancágua. Era o fim definitivo do período radical da Patria Vieja.



Referências:

BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da independência a 1870. São Paulo:

DOZER, Donald M. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre: Globo, 1974.

HALPERIN DONGHI, Tulio. História da América Latina. São Paulo: Circulo do Livro.

http://www.memoriachilena.cl/602/w3-channel.html.

POMER, Leon. As independências na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 2007.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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