As Treze Colonias inglesas na América do Norte alcançaram sua independência política da Inglaterra no fim do século XVIII. Os colonos que fizeram a sua independência, além de ter condições econômicas para faze-la, também se influenciaram por alguns pressupostos do iluminismo europeu. Mas os rebeldes das Treze Colonias escolheram algumas ideias do iluminismo que lhes eram adequadas. Assim, o filósofo inglês John Locke, se tornou uma espécie de “influência intelectual” para os rebeldes. A principal ideia de Locke que influenciou os colonos foi esta: “se qualquer força [...] impedir [o povo] de fazer o que é necessário à sociedade e de que depende a segurança e a preservação desta, o povo tem o direito de remove-la pela força[1].Percebeu? Neste trecho Locke esta praticamente dizendo que se qualquer força interferir na sociedade prejudicando-a o povo tem o direito de se rebelar contra esta força, derrubando-a.
No caso das Treze Colonias, esta força que prejudicava era a própria Inglaterra.
Ocorre que no século XVIII a Inglaterra se envolveu com algumas guerras com sua rival França (como a guerra dos Sete Anos de 1756 a 1763). Algumas destas guerras se estenderam pelo continente americano onde os dois países disputavam territórios para suas colonias. Os colonos ingleses das Treze Colonias lutaram pela Inglaterra contra seu inimigo. Quando a guerra terminou, os ingleses – na Inglaterra – resolveram que quem pagaria as despesas de guerra deveriam ser os colonos americanos. Isto causou revolta entre os colonos.
As Treze Colonias e sua relação com a Inglaterra
Desde de que chegaram na América, os colonos das Treze Colonias inglesas tinham uma espécie de “autonomia” muito grande em relação a metrópole Inglaterra. Em boa parte porque os ingleses que iam para a América eram perseguidos religiosos; puritanos e quakers por exemplo. Eles aqui chegaram e se organizaram, sem dar muita satisfação para a velha Inglaterra. Diferentemente das colonias espanholas que sempre tiveram um auto grau de centralização na metrópole e praticamente não tinham autonomia política dentro do sistema colonial.
Quando os ingleses, em Londres, decidiram que impostos seriam cobrados dos colonos para pagar as despesas da guerra (dos Sete Anos), os colonos logo se voltaram para as idéias liberais. Como a Inglaterra poderia cobrar dos colonos sendo que foram eles – os colonos – em sua maioria os que lutaram na fronteira contra os franceses? E mais, como a Inglaterra poderia cobrar estes impostos sem ter representantes das colonias no Parlamento londrino para discutir estas questões?
A elite colonial se organiza, boicotando os ingleses (da metrópole) através do contrabando. O Parlamento inglês reage e baixa uma série de leis chamadas atos Townshend (uma alusão a Charles Townshend, ministro da fazenda inglês), em 1767 que taxavam itens como vidro e corantes.
Com tantas leis e impostos, os colonos saíram às ruas para protestar. Em 1770 um grupo de colonos se manifestou contra os atos de 1767 nas ruas da cidade de Boston. Ao chegar perto de um quartel do exército inglês, os manifestantes atiraram algumas bolas de neve. Os soldados revidaram a bala! Cinco pessoas morreram e o episódio ficou conhecido como “Massacre de Boston”.
Durante os anos em que estas leis foram promulgadas, não só a elite se manifestou. Trabalhadores, artesãos, pequenos proprietários pobres também protestaram. Eles seguiram o clima de agitação política. As pessoas se reuniam em bares, nas ruas ou em suas casas para debater. Jornais eram publicados, ajudando a divulgar as ideias de Locke sobre liberdade individual, felicidade e propriedade. Com este clima de tensão e revolta contra os “abusos” da Inglaterra, os mais pobres acreditaram que seriam beneficiados se o “mau governo” acabasse. Mas para os mais ricos, essa movimentação popular não era bem vista. Os grandes proprietários, a elite colonial, era contra os impostos excessivos da Inglaterra, mas não era a favor de uma “revolta popular”. Sendo assim, quando as leis Townshend foram revogadas em 1770, houve uma diminuição considerável da “efervescência” política. Os grandes comerciantes e proprietários se deram por satisfeitos. Eles não queriam mais provocar a ira das classes populares; que poderiam se radicalizar e fugir do controle, acabando por atacar os ricos. É a velha ideia de que o povo é “ignorante” e não pode participar efetivamente da política. Será mesmo assim?
Em 1773, o Parlamento inglês novamente decretou a lei do chá. Com esta lei, os colonos ficavam proibidos de comprar chá em qualquer lugar, só podendo adquirir o produto das Companhias das Índias Orientais – uma empresa inglesa em dificuldades financeiras, que através da lei do chá ganhou o monopólio do produto nas Treze Colonias. Na época o chá era uma bebida muito apreciada pelos colonos, era um velho costume inglês. Os colonos conseguiam a bebida a um preço bem barato via contrabando. Com a lei do chá, o produto vendido pela Companhia das Índias era MAIS BARATO AINDA! Se era mais barato, esta lei veio em benefício dos colonos? NÃO!
Ao contrário do que pode parecer, a lei do chá causou revolta entre os colonos, principalmente entre os grande comerciantes. Isto porque o chá mais barato faria com que todos aqueles que consumiam o chá comprassem da Companhia das Índias, e não mais dos comerciantes nas colônias que vendiam o mesmo produto. O preço do chá vendido pelos colonos não suportaria a concorrência barata e teriam que ser elevados – afastando seus compradores e jogando-os para comprar o chá da Companhia das Índias. Um verdadeiro “círculo vicioso” de concorrência de preços.
Os colonos, então bolaram um plano: na agitada cidade de Boston, se vestiram de índios, embarcaram sorrateiramente durante a noite nos navios da companhia inglesa, que trazia caixas do chá, e jogaram toda a mercadoria ao mar. Este evento ficou conhecido como a “festa do chá de Boston” (ou Boston Tea Party – até hoje comemorada).
As mercadorias inglesas jogadas ao mar foram cobradas aos colonos. O Parlamento inglês (mais uma vez) baixou uma série de leis chamadas de leis intoleráveis, que interditavam o porto de Boston até que os prejuízos com o chá jogado fora fossem pagos pelos colonos e a colônia de Massachusetts foi transformada em colônia real – isso significava uma base militar nas treze colônias.
A interdição do porto de Boston era um golpe frontal na economia das colonias do norte. Sufocar o comércio era impedir os colonos de fazer o que sempre fizeram. Foi a gota d'água para as elites comerciais, que desde o início da colonização até aqui já haviam ganhado muito com seu comércio. As Treze Colonias, que até então eram bastante isoladas entre si, começaram a ter motivos para se unirem contra o poder metropolitano.
O Congresso Continental e as Guerras de Independência
Com essa situação tensa foi organizado na Filadélfia o “Congresso Continental” – em 1774. Este congresso contou com a representação das Treze Colonias. A ideia era debater sobre a situação de Boston: as demais colônias iriam ajudar a cidade rebelde? Permaneceriam fieis a Inglaterra e deixariam Boston a própria sorte?
No congresso participaram alguns homens “ilustres” das colônias como o proprietário rural da Virgínia, Thomas Jefferson; o comerciante de Massachusetts, John Hancock; o intelectual, diplomata, inventor e jornalista Benjamin Franklin, também oriundo de uma família de comerciantes; e Samuel Adams, membro da burocracia colonial, mas que possuía posições radicais e apoio popular. Os colonos debateram e reafirmaram a máxima “sem representação não pode haver taxação”.
Os colonos evitavam tudo que era inglês; a velha tradição do chá, por exemplo, foi abandonada e combatida, os colonos passaram a consumir café; mulheres também se organizaram e revindicavam sua participação na política local. As primeiras ideias de independência começaram a surgir entre os mais radicais.
Em alguns meses de agitação social nas grandes cidades das colonias do norte, muitos setores da elite começaram a simpatizar com a ideia de separação – não seriam mais tolerantes com a intolerância inglesa. O grande problema é que os colonos do norte não poderiam fazer a independência sozinhos, eles precisavam das colonias do sul. E havia grandes diferenças históricas entre o norte e o sul, além do que o sul também tinha laços comerciais mais estreitos com a Inglaterra – grande parte da produção de algodão e tabaco ia direto para as indústrias inglesas. Como convencer os sulistas a aderir à causa da separação? Além do mais, as elites sulistas também se preocupavam demais com o discurso sobre a liberdade, amplamente divulgados pelos nortistas. O sul tinha sua economia baseada na mão de obra escravizada, e falar em liberdade era perigoso a seus negócios.
Sem dúvida, o grande problema para as elites reunidas no Congresso Continental não era a separação, e sim a mobilização da população mais pobre, e de trabalhadores escravizados. Se um movimento de independência ocorresse, como manter essa “massa de populares” sob controle?
Esta questão foi essencial para os desdobramentos da independência. As treze colônias eram autônomas entre si, o que as unia, neste momento, era o sentimento “anti-inglês” e de contenção de um possível revolta popular. Não é a toa que a independência demorou tanto: só foi declarada em 1776 – dois anos após a convocação do Congresso Continental. Antes de agirem, as elites precisavam acordar algumas coisas. Por exemplo, garantir às colonias do sul que não seriam prejudicadas comercialmente (logo após a independência os recém-nascidos Estados Unidos levantaram barreiras alfandegárias que fez com que as matérias-primas do sul encontrassem mercados nas industrias dos estados do norte); e também garantir a propriedade: isso incluía a propriedade de homens e mulheres submetidos a trabalhados escravos.
No início do ano de 1776 a ideia de separação já era parte do senso comum. Aliás, “Senso Comum” foi o nome de um panfleto muito difundido no início de 1776 escrito pelo intelectual Thomas Paine. Como o próprio nome diz, o panfleto reafirmava as ideias que já estavam circulando nas mentes e nos discursos dos “patriotas”: contra o mau governo inglês que cobrava impostos mercantilistas, o direito de revolta do povo contra o mau governo e o fim do “despotismo monárquico” para dar lugar à república.
Com este clima de ebulição política, tropas inglesas começaram a se movimentar. Em Lexington, Massachusetts, foi onde ocorreu o primeiro “combate” da guerra de independência, em 1775. Uma tropa britânica que passava pela região acabou entrando em conflito com populações locais. Até hoje se discute quem deu o primeiro tiro: na Inglaterra se diz que foram os colonos que atiraram primeiro, nos Estados Unidos dizem que foram os ingleses. De qualquer forma, esse tiro foi “ouvido pelo mundo todo”, de acordo com o dito popular.
As Treze Colônias não possuíam um exército organizado. Então coube ao Congresso Continental organizar um exército em 1775. O comando militar foi dado a um fazendeiro da Virgínia, George Washington, que possuía experiência militar em combates contra os indígenas e franceses. A família de Washington era típica da aristocracia do sul: possuía escravos e plantava tabaco em uma grande fazenda.
O exército continental organizado por Washington contou com uma ampla adesão de patriotas: homens simples, muitas vezes trabalhadores das cidades e pequenos proprietários que no mesmo minuto em que se alistavam já partiam para o campo de batalha. Para a elite colonial (tanto do norte quanto do sul) essa estratégia de recrutamento voluntário de patriotas das camadas mais populares da sociedade foi uma grande solução para evitar futuros conflitos internos entre elite e população pobre. Foram requisitadas armas, como canhões e mosquetes, para a pequena indústria local – que ao longo da guerra foi crescendo, dando aos recém-independentes Estados Unidos uma industrialização independente.
Os patriotas tinham larga vantagem contra os ingleses – afinal eles conheciam aquelas terras como ninguém. Foram os colonos que venceram os franceses e os índios nas guerras da década de 1760. Mesmo assim, a Inglaterra possuía uma potente esquadra que deslocava grande quantidade de soldados.
Os ingleses atacaram Charlestown, cidade vizinha a Boston em 1775, o que lhes deu o controle de seu porto. Washington e seu exercito tomam um forte inglês, Ticonderoga, e se apropriam das armas levando-as para a resistência de Boston.
Enquanto as batalhas seguem, casa por casa, cidade por cidade, o Congresso Continental redige em 4 de julho de 1776 a Declaração de Independência, documento que expõe o rompimento definitivo das Treze Colonias com a Inglaterra. Thomas Jefferson, imbuído de ideais iluministas e liberais, foi o responsável pela redação do texto da Declaração. A impressão que este documento deveria passar para população, de todo o mundo, era que um povo tinha o direito a se rebelar contra um mal governo – que prejudicasse sua liberdade, propriedade e prosperidade.
Mesmo tendo redigido uma declaração de independência, era preciso garanti-la através das armas. Os autodeclarados Estados Unidos da América, receberam o apoio de países europeus rivais da Inglaterra, como a Espanha e a França – esta última enviou um exército para ajudar os rebeldes.
A vitória decisiva dos “estadunidenses” se deu após a batalha de Yorktown, na Virgínia, em 19 de outubro de 1781. Ao longo dos anos de batalha, muitos colonos ainda apoiavam os ingleses. Dois anos mais tarde, em 1783, uma legação de embaixadores estadunidenses liderados por Benjamin Franklin, foi a Paris onde foi assinado o Tratado de Paris, pelo qual a Inglaterra reconhecia formalmente a independência da nova nação.
“Pluribus unum”
Quando a guerra de independência terminou, as Treze Colonias, com apoio da França, se tornaram um novo país, os Estados Unidos da América. Pela primeira vez uma colonia se rebelava contra sua metrópole, e vencia! Pela primeira vez surgia algo novo: o sentimento de ser americano e não mais um colono inglês na América.
Os estadunidenses organizaram sua política e aprenderam muito bem com Locke. Não é a toa que a constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1787 e em vigor até hoje, começa com a frase “nós, o povo dos Estados Unidos”. A força que prejudicava a sociedade – o povo – nas colonias foi derrubada.
Os “pais da independência” organizaram um governo original, até então inovador para a época: uma república federalista presidencialista. Cada colonia se tornou um Estado que tinha sua autonomia, mas seguiam a constituição federal, que valia para todos. Os Estados podiam formular suas leis internas, desde que estas não entrassem em conflito com o que dizia a constituição federal.
Os antigos colonos, agora se autodenominavam americanos, podiam em fim cuidar de seus negócios sem a interferência dos ingleses. A propriedade privada foi consolidada como direito inalienável do cidadão na sociedade civil. Nos estados do sul a escravidão foi mantida!
À época, o recém nascido país era algo inovador e revolucionário, entretanto, foi necessário criar e discutir ideias para que as conquistas se perpetuassem por gerações, para que não se caísse na tirania, assim como os tiranos ingleses que arbitrariamente cobravam os impostos que levaram a separação.
A ideia de república voltou a fazer parte da política. O despotismo esclarecido europeu era algo arcaico. O moderno, o novo, nascia na América. Alguns estadunidenses, que participaram ativamente dos movimentos e guerras de independência, escreveram muito sobre a república e como mante-la sem os vícios do absolutismo. Thomas Jefferson, Alexsander Hamilton e James Madison podem ser considerados os principais divulgadores das ideias republicanas e federalistas nos Estados Unidos recém-formados. Eram influentes na política de seu país. E se tornaram influentes em toda América; principalmente entre as elites nativas, os criollos, insatisfeitos com o sistema colonial.
Para os países da América Latina que queriam a independência, os Estados Unidos era um modelo. Para os mais conservadores era um ideal a ser seguido: pois a independência das Treze Colonias e a formação dos Estados Unidos garantiu, antes de mais nada, a propriedade privada e manteve a escravidão. Os criollos, seguindo o modelo dos Estados Unidos, podiam lutar pela independência e manter os índios em regime de mita e de encomienda; no Brasil, os senhores de escravizados poderiam manter sua mão de obra.
Mas a independência dos Estados Unidos teve recepções variadas nas regiões que ainda eram colonias na América Latina. Francisco Miranda (1750-1816) tinha vivido e lutado com os revolucionários das Treze Colonias e admirava as instituições dos recém formados Estados Unidos. Já um dos seguidores de Miranda, Simon Bolívar (1783-1830), tinha algumas restrições a política estadunidense. Bolívar não via om bons olhos o federalismo dos Estados Unidos. O sonho de Bolívar era uma “Grande América”, que embora agregasse diversas regiões e países, teria que ter um governo centralizado.
Notas:
[1] Citação da obra “Dois tratados sobre o governo civil” (1998, p. 104).
REFERENCIAS:
HALPERIN DONGHI, Tulio. História da América Latina. São Paulo: Circulo do Livro, sem data.
HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza dos EUA (Nós, o povo). São Paulo: Brasiliense, 1987.
KARNAL, Leandro (et al.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo:
Contexto, 2011.
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo civil. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os clássicos
da política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1998.
RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório: estudos de antropologia da civilização. São Paulo:
Circulo do Livro, sem data.
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.
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