Wira Cocha: personagem da história política e religiosa dos incas (verbete)

Panaca era o nome dado às famílias reais dos governantes incas. As panacas controlavam diversos territórios e inicialmente o governante Wira Cocha teve como maior preocupação desenvolver a sua panaca, para o seu próprio bem estar e das pessoas mais próximas a ele. Talvez por isso a presença política do Inca diminuiu para além de Cuzco e sua panaca. O governo então tornou-se opressor. Novas construções mostram que a presença inca tornou-se mais efetiva em territórios anteriormente ocupados. Wira Cocha representa uma mudança na forma de ações, quanto as invasões territoriais. Para a autora Patrícia Temoche Cortez, a expansão incaica deixou de ser simbólica para ser institucionalizada, com construções como postos defensivos cuzquenhos nas novas terras. Algo semelhante as hodiernas bases militares estadunidenses distribuídas em nossa América. O período ficou conhecido como de muitas batalhas com sociedades vizinhas, com confrontos e alianças de Wira Cocha e os diversas lideranças andinas ou curacas, pois o domínio incaico tornou-se político e militar. As longas campanhas militares, as cansativas intrigas políticas e as diversas tentativas de assassinato, fizeram este governante retirar-se, voltando ao território de sua panaca e deixando o poder ao seu filho. Mas a história de Wira Chocha não termina neste auto exílio do Inca. 


Wira Cocha
A imagem do Wira Cocha, personagem da história política da sociedade inca, é facilmente encontrada em uma rápida busca na internet; como representações da divindade que leva o mesmo nome também rapidamente se encontram, a exemplo do monumento Puerta del Sol aonde Wira Cocha se destaca. Diz-se que ele foi o Deus Sol, divindade maior dos incas. Mas a Biblioteca Etnológica Aymara, de Cochabamba, Bolívia, possui documentos que apresentam um Wirachocha oculto, ainda. Um destes documentos chama-se “El dios viracocha”, um comunicado de Daniel Barros Grez, datado de 21 de outubro de 1895. Então essa imagem antiga de Wiracocha, como a descrita e analisada neste texto, não mais localiza-se via buscas digitais. 

O líder Sinchi Roca, um dos primeiros governantes incas e que não teve interesse em expansão territorial, adorava a uma divindade representada por uma serpente, enquanto Manco Cápac adorava a uma divindade representada por um pássaro. E o governante Mayta Cápac foi quem introduziu e tornou obrigatório o culto ao deus Wira Cocha, por todos na sociedade inca, impedindo o culto a outros ídolos. Mas o que nos diz Daniel Barros Grez sobre este deus peruano, cultuado desde antes da existência da sociedade inca? 

Deus Wira Cocha
Grez descreve e analisa uma escultura, localizada no Museu Nacional de Santiago. O ídolo simbolizado na pedra estava pintado de roxo, e sobre sua cabeça estava um grande vaso cilíndrico, que Wira Cocha segura com ambas as mãos, manifestando muito empenho para manter a vasilha em equilíbrio. A imagem estava sentada sobre um objeto quadrangular. A vasilha representa a água, e a cor roxa, o fogo. Wira Cocha é a união das ideias místicas do fogo (sol) e da água (mar). Wira em língua peruana significa “sebo”, “graxa”, “gordura”, mas também “cortesia”. Wira Cocha é um deus que ilumina as águas e nada sobre elas, pois sua gordura cobre o mar, o iluminando. Atente que a interpretação de Grez é muito mais rica do que este breve resumo. 

Wira Cocha produzido em ouro.
Esta divindade, segundo Rosana Rios em “América mítica. Histórias fantásticas de povos nativos e pré-colombianos”, apareceu pela primeira vez em um grande rio e era chamado Kon Tiki Huira Cocha Pachayachachic. Seu nome, sua imagem, sua simbologia e sua historicização, sofreram diversas evoluções. Deus de dois nomes, Wira e Cocha, de dois sexos, da mediação entre o feminino e o masculino, ou entre o sol e a água. Deus de uma sociedade que tradicionalmente era governada por duas pessoas. Grez acrescenta a simbologia da terra, ao meu ver para cristianizar a divindade, aproximando Wira Cocha da santíssima trindade dos cristãos. A aproximação com o cristianismo também é feita por Rios, ao localizar a origem do mito de Wira Cocha em um dilúvio, acrescentando a crença peruana na volta dele (ou seria ela?), tal existe hoje disseminada a fé na volta de Jesus Cristo. 

A imagem de Wira Cocha popularizada, que chegou aos nossos dias, difere daquela descrita, interpretada por Daniel Barros Grez. Outrora segurava em suas mãos a vasilha do equilíbrio. Hoje também pode ser visto erguendo armas. Com os olhos atentos, muito abertos. Não mais sentado, mas de pé. Como o deus guerreiro de uma sociedade guerreira, que foi a Sociedade Inca.

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.

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