José Batlle y Ordoñez |
Dois partidos polarizavam a política uruguaia: o Colorado, cujos membros eram vinculados às elites de Montevidéu: comerciantes, intelectuais, profissionais liberais, e proprietários de terra que forneciam gêneros alimentícios à capital; e o Blanco, elite rural: proprietários de terra em geral do interior do país. Não raro, ambos partidos entravam em guerra para disputar o poder. A alta das exportações acabou dando um grande poder econômico aos setores vinculados a elite montevideana e, consequentemente, ao Partido Colorado – que se manteve no poder de 1865 até 1955.
No início do século XX, os blancos se mobilizaram contra a hegemonia dos colorados no poder. Em 1903 houve eleições no país, que foram vencidas por José Batlle y Ordoñez, do Partido Colorado. Os blancos, sob o comando de Aparício Saraiva, não aceitaram outra vitória dos rivais e pegaram em armas. No ano seguinte estourou a revolta. Batlle e os colorados venceram a guerra civil e foi assinado o tratado de paz de Aceguá.
José Batlle y Ordoñez (1856-1829) vinha de uma família de políticos, filho de um ex presidente, Lorenzo Batlle. Em 1879 iniciou sua carreira de jornalista. Mesmo pertencendo ao Partido Colorado, fazia ferrenhas críticas aos governos de seu partido; chegando ir preso durante o governo de Latorre. Na década de 1880 realizou uma viagem à Europa, de onde provavelmente se inspirou para suas políticas sociais quando se tornou presidente. De volta ao Uruguai, fundou em 1885 o jornal El Dia, que serviu para difundir suas ideias. Em 1886 participou de um levante contra o presidente Máximo Santos, que mesmo sendo de seu partido, se portava como um “independente”. No ano de 1899 Batlle liderou uma pequena facção que cresceu como uma “via conciliadora” em um partido rachado por disputas internas. Nas eleições de 1903 acabou se tornando o candidato “natural” do Partido Colorado à presidência. Acabou eleito no mesmo ano.
Batlle governou o Uruguai de 1903 até 1907 e de 1911 a 1915. Após o fim da revolta de 1904, começou a por em prática sua política de “bem estar social” no país. Suas diretrizes de governo eram: tornar o Uruguai mais independente do estrangeiro, democratizar a política e agregar as demandas e revindicações das classes trabalhadoras urbanas. Neste sentido, o governo de Batlle conseguiu no plano social instituir pensões, educação pública gratuita, salários, fixar em 8 horas a jornada de trabalho, direito de greve e sindicalização, além de reconhecer o divórcio.
No plano econômico, o governo nacionalizou bancos, as docas do porto de Montevidéu, criou empresas estatais nos setores de estradas de ferro (até a década de 1920 as estradas de ferro estavam majoritariamente nas mãos de capitalistas ingleses), serviços de comunicações (telefone e telégrafo), frigoríficos e até mesmo hotéis e teatros. Para muitos, este modelo de Estado de bem- estar social uruguaio era um “socialismo nacional”. “Sob a liderança de Batlle o Uruguai converteu-se numa das nações mais completamente socializadas do mundo inteiro”.[1]
Em 1917, os batllistas, que nesta altura eram a maioria do Partido Colorado, conseguiram aprovar uma nova constituição para o país (em substituição à Carta de 1830), na qual foram agregados todos os direitos sociais implantados nos dois governos de Batlle e consolidando de fato o Estado de bem-estar no país. “Como a Constituição mexicana do mesmo ano, [...], também estabelecia um novo padrão constitucional incluindo um vasto programa de legislação social”[2]. A constituição uruguaia ainda estabelecia um novo tipo de governo, o colegiado, onde um presidente e um conselho de nove membros era eleito diretamente pelo povo.
O governo Batlle no Uruguai é um exemplo de muitos outros governos na América Latina onde o Estado ganha uma importância econômica, seja para regular a economia, seja para consolidar leis sociais do trabalho. A crise de 1929, entretanto, vai colocar este modelo de Estado, que embora minimamente tentou realizar um modelo de bem estar, em risco. No restante da América Latina setores mais conservadores das oligarquias não queriam manter as leis sociais e houve retrocessos, como na Argentina; no Uruguai a Constituição de 1917 consolidava essas leis. Por outro lado, no Brasil o governo de Getúlio Vargas, que chega ao poder com a Revolução de 1930[3], vai por em prática a legislação social do trabalho e fazer do Estado um agente de regulamentação da economia. Podemos dizer que em certa medida o New Deal de Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos, é inspirado no governo Batlle.
Notas:
[1] DOZER, Donald. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre, Globo, 1974, p. 464.
[2] DOZER, Donald. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre, Globo, 1974, p. 465.
[3] Para saber mais sobre a Revolução de 1930, leia: http://geaciprianobarata.blogspot.com.br/2015/07/revolucao-de-1930.html
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.
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Nenhuma referência bibliográfica da historiografia uruguaia sobre a maior figura política do Uruguai do século XX?!
ResponderExcluirNormalmente o autor sempre coloca o referência bibliográfica, não sei o motivo dessa vez não ter colocado.
Excluirhttps://www.youtube.com/watch?v=gtxj6slIMp8
ResponderExcluirCaro Rafael Nascimento Gomes. O desafio a tu mesmo nos enviar sua produção textual sobre a maior figura política do Uruguai do século XX, nos divulgando o que as fontes uruguaias dizem. Obrigado pela leitura e pelos comentários. Abraço!
ResponderExcluirRafael, sou estudante do curso de História e a America latina ainda é um grande desafio para mim como acadêmico. No entanto seu texto veio me ajudar bastante. muito obrigado!
ResponderExcluirgostaria só de fazer uma correção, pois ao me dirigir ao pesquisador Fabio Melo escrevi Rafael. fica aqui minha correção.
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