TIAHUANACO: O grande império esquecido

Ao vermos os livros escolares convencionais, tratando das civilizações indígenas presentes na América, apenas três delas ganham alguma menção comumente: os astecas, os maias e os incas. Nisso se percebendo um grande simplismo, não apenas ao omitir todo um grande mosaico de outras civilizações que habitaram este continente, como tratando de modo superficial a todo o dinamismo deste trio quando é contemplado nas aulas de história. 

Senão vejamos o colossal império de Tahuantinsuyo que, além da sua gigantesca extensão (desde o Equador até o norte e noroeste da Argentina, ocupando assim a maior parte da cordilheira dos Andes) e de suas vultosas riquezas roubadas pelos espanhóis, o que mais nossos alunos aprendem sobre ele? Bem! Bem! Antes de responder é preciso saber o que era este império Tahuantinsuyo afinal. 

Fácil! Simplesmente o nome correto desta que entendemos como a civilização inca, que em sua língua era Tawantinsuyu, significando Terra (ntin = grupo) dos Quatro (tawa) Quadrantes (suyu = região). Sobre a qual os livros escolares em sua maioria destacam que este povo criou cidades organizadas como Machu Picchu (cuja grandiosidade a fez ser considerada patrimônio da humanidade pela UNESCO), assim como adorava o sol e era hábil na arte com o ouro e a prata, além do fato que estes incas usavam uma “escrita” de cordas (quipus) e que a sua língua (o quíchua) era o idioma de seu império. O que é pouca coisa diante de toda a complexidade que este povo já produziu. Logo, se fixarmos alguma atenção a outras civilizações da América, além destas três (incas, astecas e maias), haverá muito mais com que se surpreender.

E se nos limitarmos somente a esta região dos Andes, apesar do pequeno espaço delimitado, ainda assim, já descobriremos ali um imenso conjunto de culturas bastante desenvolvidas muito antes dos incas, como o reino do Chimu (que legou à posteridade cidades, enormes muralhas e fortalezas), tal como os paracas (cuja tecelagem e arte de mumificação são suas maiores marcas) e os nazcas (com sua intrincada cerâmica, toda repleta de representações de seres fabulosos adorados em seu panteão), entre vários outros povos que, todavia, certamente não se comparam a misteriosa cultura de Tiahuanaco.

Civilização esta que se originou na atual Bolívia, tendo deixado, entre os restos já descobertos, uma enorme cidade, que possivelmente foi um grande centro religioso, tendo alcançado a extensão de seis quilômetros quadrados de área, chegando a abrigar em seu apogeu em torno de quarenta mil habitantes. Que, além disso, tem a sua presença (ou pelo menos, a sua influência cultural/comercial) atestada além da, evidentemente, Bolívia, também no Peru, norte do Chile e parte da Argentina. 

Por mais que o maior destaque de Tiahuanaco resida em ela ter sido uma das percussoras das grandes construções megalíticas na América do Sul, atestada por várias referências. Como o complexo de Puma Panku que apresenta as dimensões de 789 metros de comprimento e de 485 metros de largura. Ou então o recinto de Kalasasaya, que abriga uma área de 02 hectares de colunas de arenito e blocos de pedra cortados, onde seu maior destaque é a chamada Porta do Sol. 

A qual foi talhada numa única pedra de andesito de 10 toneladas, tendo a sua localização atual relacionada com um antigo sistema de alinhamento e medição de solstícios e equinócios, de acordo com o estudioso John W. Janusek em sua obra “Ancient Tiwanaku” (Tiwanaku Antiga) de 2008. Deste modo, sendo repleta de grande simbolismo e histórias comentadas sobre ela, fazendo com que esta Porta do Sol, obviamente se faça uma das mais conhecidas referências a Tiahuanaco.

Portal do sol
Mas se é assim, porque não se reserva alguma menção a este rico complexo nos livros escolares? Uma razão talvez se encontre no fato de que apesar deste seu impacto sobre o imaginário local, quase nada se sabe de conclusivo sobre Tiahuanaco. 

Nem ao menos quando teve seu inicio, podendo ter sido construída esta cidade, entre 02 a 17 mil anos atrás (ainda que esta última idade estipulada pelo arqueólogo Arthur Posnansky, em sua obra “Tihuanacu, o berço do Homem Americano”, seja, hoje, quase de todo descartada). Provavelmente tendo como data mais aceitável da sua origem em 1.500 a.C. como uma simples comunidade agrícola, evoluindo lentamente num grande aglomerado que teria chegado ao seu auge entre os anos 300 a.C. e 300 d.C. 

Localizada a 72km de La Paz, a capital boliviana, apesar das possíveis transformações no ambiente, ao longo dos séculos, o complexo de Tiahuanaco continua relativamente próximo ao lago Titicaca, vindo a nos impressionar não somente pela sua grandiosidade, montada sobre blocos de várias toneladas, como igualmente pela tecnologia envolta entre os mesmos. Visto que, entre outras curiosidades bastante impressionantes, os (ainda desconhecidos) construtores de Tiahuanaco para garantir maior adesão aos blocos, cavaram neles um encaixe na pedra, por onde derramaram uma liga que se endurecia e se transformava em um grampo.

Uma organização tão impressionante que nos inquieta em saber como desapareceu. Tendo como mais certo cogitar que este império começou a declinar no século XI, entrando em colapso na primeira metade do século XII. Talvez em função de mudanças climáticas que afetaram a economia local ou abalos sísmicos que causaram catástrofes ao redor do lago Titicaca. Colapso este que pode, talvez, ter levado seus líderes a migrarem para o Peru, onde eles teriam criado o clã que originou o reino de Cuzco, futuro império Tahuantinsuyo. 

Conclusão esta que, contudo, como tantas outras suposições sobre Tiahuanaco, até o presente momento não pode ser confirmada. Mas que pouco importa neste momento em questão. Não, em vista de que o mais relevante agora é trazer um pouco mais de visibilidade a este grande império esquecido, que se trata de um marco tão significativo em nossa identidade latino americana. Identidade esta que, muitas vezes, se vê maculada pela ênfase em seus aspectos negativos. Esquecendo-se das suas grandes realizações em que nada fica a dever a outras terras além-mar.


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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