Elvis Presley e a cultura de massa (Verbete)

“O que eu faço não é novidade. Os negros vêm cantando e dançando dessa forma há muito tempo.” - Elvis Presley

O popstar estadunidense Elvis Presley não era apenas um roqueiro, ou o simples porta-voz da busca das gerações mais novas por maior autonomia, como de fato é comumente celebrado quando aparece na mídia, mas sim, o ícone universal e atemporal da América triunfante do pós-segunda guerra. Elvis é um ícone porque não representa algo por si mesmo, mas sim por representar por semelhança ou similaridade uma ideia de país, ou como analisaremos mais adiante a cristalização de um lifestyle associado ao consumo no imaginário global.

O surgimento de Elvis, assim como do rock and roll e o conseqüente boom consumista das gerações mais jovens daquela época não aconteceram por mero acaso, quando Elvis “apareceu”, ele se encaixou numa procura da indústria cultural daquele contexto que buscava já há algum tempo, ao notar certo burburinho saído dos guetos de grupos marginalizados pelo establishment da sociedade estadunidense daqueles idos, notadamente os elementos de origem africana do Deep South. 

Este segmento social de modo criativo criou um novo gênero musical, o rock a partir da mistura de diferentes ritmos, entre eles o Blues, o Gospel, o Jazz, o Country e quiçá o mais importante dos participantes dessa miscelânea, o R&B também vulgarmente conhecido como Blues elétrico.

O rock and roll apesar de demonstrar desde o seu inicio, ser um estouro o alcance de seu sucesso estava limitado ao âmbito dos guetos sulistas estadunidenses, seus primeiros representantes foram Chuck Berry e Little Richard, cada um dos dois dando uma contribuição diferente para o estilo. 

Berry é quem de fato criou o som original do rock, misturando o ritmo do R&B com as demais melodias de origem caucasiana (pop clássico, C&W), enquanto

Richard foi a primeira figura da música pop a valorizar a aparência física do cantor como meio essencial à transmissão de uma mensagem musical, ou seja, ele é considerado por muitos como sendo o inventor da linguagem estética do rock, e quiçá o performer original do entretenimento.

Entretanto, mesmo o sucesso desses dois astros é insuficiente para transformar o rock and roll em um fabuloso maná de consumo de massa, por causa das barreiras raciais da época, portanto a indústria cultural precisava desesperadamente encontrar alguém capaz de vender “um estilo de vida” feito para agradar as grandes massas de jovens consumidores, principalmente caucasianos estadunidenses nascidos após a segunda grande guerra oriundos da pequena-burguesia, a chamada geração baby boom.

Sam Phillips, o dono da pequena gravadora Sun Records de Memphis, Tennessee, “descobridor de Elvis” notava há muito tempo a excitação que a Black music provocava nós jovens estadunidenses daquele período independente da classe, ou da cor respectiva dos mesmos, logo ele entendia que algo da musicalidade dos negros podia acabar com o estado de opacidade simbólica da juventude de então, tão carente de referências próprias, de algo que a representasse, um signo no qual pudessem se identificar e suprir uma lacuna de pelo menos 20 anos de sentido, mais precisamente localizada entre os 5 e 25 anos de idade.

Este vácuo de acepção geracional só poderia ser preenchido por um branco como Elvis, porque, naquele contexto só os brancos tinham meios de aparecer nas rádios e na televisão, no horário nobre e Elvis a despeito de possuir alguns elementos em seu biótipo físico fora dos padrões vigentes do mainstream da América branca anglo-saxônica e protestante (WASP), como aparência sutilmente andrógena, poderia enfim apresentar o rock as multidões brancas, entretanto o efetivo sucesso de Presley nesta empreitada não teria se concretizado se realmente ele fosse apenas um branco que fazia imitações pop dos cânticos afrodescendentes no palco, mas sim por ser um autêntico bluesman branco capaz de cantar com o mesmo feeling dos grandes cantores negros.

Elvis Presley em 1956 no célebre programa de televisão, o Ed Sullivan Show pode enfim expressar todo o poder de sedução desse novo e emergente estilo musical para uma grande platéia fora dos domínios sulistas, a partir daí o rock and roll se transformou instantaneamente em um produto de massa, entretanto começou também a se formar uma intensa corrente contrária ao rock por causa de seus efeitos nos jovens, sobretudo nas garotas que histérica e explicitamente demonstravam o arrebatamento sentido pelo sex appeal de Presley através da linguagem performática de sua música. Estava de certo modo assim inaugurado o conflito de gerações.

A controvérsia gerada sobre esse novo ritmo foi tamanha que saiu da simples esfera artística e acabou indo para o debate público estadunidense, pautando-o em todos os aspectos do social, tanto no cultural, quanto no econômico e no político, no qual muitos grupos oriundos da América branca e cristã notadamente de índole conservadora, começaram a atacar ferozmente o rock, e por conseqüência também o seu principal representante, Elvis um individuo até então alienado de questões políticas torna-se de repente o pivô de uma intensa onda de repressão, isto ocorre não por Presley ser um sujeito revolucionário ou um artista engajado politicamente, mas por sua arte ser detentora de uma elocução revolucionária própria que transgredia todas as convenções morais daquele período puritano acabou assim por causar uma onda de repressão reacionária, esse movimento começa a ganhar força através da associação feita pela mídia entre rock e delinquência juvenil.

Essa reação conservadora ao rock legitimou uma espécie de caça-bruxas as suas figuras mais proeminentes, Chuck Berry foi preso acusado de molestar sexualmente uma menor de idade, Little Richard trocou o palco pela batina, na esperança de abafar os crescentes rumores sobre a sua “suposta” homoafetividade, Alan Freed o disc-jockey criador do termo rock and roll, é condenado à prisão por um suposto envolvimento no pagamento de propinas para execução de músicas no rádio (o conhecido jabá), cujo escândalo ficou conhecido como "Payola". Outros roqueiros brancos como Elvis sentem o cerco, Jerry Lee Lewis após se casar com a prima de 13 anos é acusado de pedofilia e sua carreira entra em profundo ostracismo, Johnny Cash também enfrenta problemas com a lei em decorrência de seu vício por anfetaminas e barbitúricos e para tornar o cenário ainda mais problemático Buddy Holly morre em um trágico acidente aéreo junto com Ritchie Valens e JP "The Big Bopper" Richardson.

O rock’n’roll estava em perigo logo Elvis, a situação era tão absurda que em Agosto de 1956, um juiz do tribunal juvenil de Jacksonville proibiu Presley de dançar em nome da preservação da moral e dos bons costumes da região, líderes eclesiásticos realizavam cada vez mais sermões contrários ao ídolo, além disso, alguns afrodescendentes se ressentiam do sucesso de um branco por meio de uma sonoridade negra, à resolução desses problemas couberam a um personagem bastante complexo, o empresário do cantor, o holandês Andreas Cornelius van Kuijk, vulgo coronel Tom Parker, procedente do circo. O coronel principal responsável pelo marketing de seu cliente teve a incumbência de engendrar uma sofisticada operação publicitária com o intuito, de reinventar a imagem de Elvis para o grande público. Parker já dera demonstrações de sua competência ao ter intermediado uma negociação no qual concretizou a comercialização da imagem de seu artista através de uma miríade de subprodutos ligados a ele, o que acabou gerando um lucro de mais de U$50 milhões (em valores da época) entre 1956 e 1957 apenas com este negócio.

Tom Parker (coronel) e Elvis Presley

Tom Parker estava bem ciente da gravidade do problema, contudo isso já era esperado por ele, se no inicio tinha visto com bons olhos o escândalo midiático que o rock proporcionava para o acontecimento de seu artista no show businnes, sabia que somente isso não seria o bastante para mantê-lo por um longo período na crista da onda, por isso o coronel já havia a um bom tempo realizado certas alterações sutis em sua carreira para deste modo transformar paulatinamente Elvis the pélvis como era pejorativamente chamado por seus detratores por causa de seu rebolado em uma atração cada vez mais asséptica e superficial para assim obter o consenso dos conservadores, para ter êxito nesta empreitada além de incentivar Elvis a cultivar uma atitude de filantropia em favor de causas sociais, estimulou ainda mais a postura despolitizada de seu cliente para desta maneira evitar polêmicas “desnecessárias”.

Essa operação de marketing idealizada pelo coronel que tenta reestruturar a imagem do roqueiro de rebelde para a de um bom rapaz só consegue atingir o seu objetivo quando Elvis é convocado a servir o exercito estadunidense, no inicio ele mostra-se reticente em aceitar a sua convocação, todavia seu agente vê nisso uma oportunidade de ouro para debelar de uma vez por todas qualquer resistência do público ao seu astro, convence Presley a aceitar a convocação para enfim conseguir amainar esse ranço reacionário, em março de 1958, o jovem rebelde enfim torna-se o soldado Elvis Presley n° US 53 310 761, um símbolo dos EUA, e da força de sua democracia como aponta o jornal conservador New York Herald Tribune. A submissão de Elvis ao establishment finalmente esta completa. 

A trajetória do popstar assume a partir de então um rumo cada vez mais pasteurizado e padronizado em todos os elementos de sua carreira, como qualquer outro bem da cultura de massa, na parte musical desde que trocou a gravadora Sun Records pela poderosa RCA, o coronel começou secretamente a mexer com o resultado final das gravações feitas por Elvis que efetivamente era o produtor de suas sessões. Em Hollywood desde a volta do serviço militar Presley deixou de ser um rock’n’roller para ser um verdadeiro All-American Boy, seus filmes retratam essa mudança, se nos primeiros Elvis aparecia como um rebelde sem causa agora em diante ele é apenas um machista metido a conquistador, ou seja, a lógica massificadora da indústria cultural transformou a contestação em um mero entretenimento família, portanto medíocre, inconsequente e ás vezes até mesmo insosso.

Elvis Presley foi a materialização por excelência do sonho americano, alguém como ele nascido no interior de seu país oriundo de uma família de trabalhadores sem qualificação foi transformado no seu tempo na maior vedete dos valores de seu país, quando este país se tornou de fato o primeiro império global da história, nos 5 continentes e nos 4 cantos do mundo. O impacto de Elvis em nossa sociedade talvez nunca seja plenamente compreendido ou mesurado, ele é interpretado de diferentes formas nos variados matizes ideológicos e políticos. 

Para esquerda ele é considerado tanto como o “cara” que fez surgir indiretamente à contracultura, dando voz pela primeira vez a uma cultura jovem e todas as suas variantes já que sua arte é fruto do encontro de diversas culturas de grupos considerados Underground quanto é o principal responsável indireto pela alienação e mercantilização da juventude, assim como da maior fragmentação do individuo por meio de um lifestyle hedonista que em síntese pregava a fruição da liberdade e felicidade através do consumo ilimitado de bens industriais. Além disso, também é criticado por ter assumido algumas posturas bizarras no limiar de sua vida, como no encontro com o presidente Nixon na casa branca em que recebeu o distintivo de agente antidrogas embora seja um toxicômano assumiu um discurso reacionário contrário as reivindicações da chamada “Nova esquerda”.

Pela direita ele é exaltado pelo sucesso impar de sua carreira como artista, assim como de ter obtido êxito na função de propagar o softpower de seu país, o “american way of life” pelo planeta, e por ser um verdadeiro cristão temente a deus que cantava gospel levando a palavra do senhor até mesmo em ambientes ditos profanos, que jamais esqueceu as suas raízes, patriota, pai de família e filantropo, entretanto se por um lado Elvis é enaltecido pelos conservadores por outro ele é também fortemente criticado pelos mesmos, em geral tido como o culpado de ter aberto a caixa de pandora da contracultura, ocasionando assim na subversão e delinquência dos jovens, fazendo emergir um conflito de gerações, no qual são contestados os valores e o papel da América no mundo, o seu legado artístico também é objeto de polêmica na direita, muitos denunciam o processo de vulgarização causado por Presley, a aparência, a estética e a performance se tornaram mais importantes que o próprio talento musical, acolá da sua relação com drogas e quiçá suicídio.

A ambiguidade das interpretações sobre Elvis feitas tanto pela esquerda quanto pela direita, mostram a dialética do seu impacto sócio histórico-cultural, se por um lado, seu surgimento deu voz para aqueles grupos “invisíveis”, por outro seu gigantesco sucesso comercial possibilitou a reificação tanto das identidades quanto das reivindicações dos mesmos, se por um lado a massificação de sua arte, música e dança possibilitaram novos horizontes no entretenimento essa linguagem performática do rock que se tornou a linguagem hegemônica da música pop, sua fórmula, fez o parecer mais importante que o ser, e a juventude uma faixa de idade intermediária virou o apogeu do homem. Tudo isso expõem o alcance do legado de Elvis até os dias de hoje, uma influência contraditória que consegue fazer um dialogo com diferentes grupos sociais, isto ocorre porque Elvis era um artista e criou a sua arte através da fusão de sua subjetividade com as influências externas do contexto de onde vivia por isso sua arte é contraditória, pois representa um país e uma época complexa, os EUA e Elvis em vida foi o seu maior ícone. 


Sobre o Autor:


Bruno da Costa Ribeiro: Nasceu no dia 19 de Março de 1986 em Porto Alegre, RS. Historiador.




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