REVOLUÇÃO BOLIVIANA DE 1952

Bolivianos fazendo pose para a foto.
 Foto: Arquivo Privado Ergueta Luis Antezana,
Nas décadas de 1930 e 1940 a Bolívia vivia dos lucros cada vez menores da exportação de estanho – a concorrência asiática era feroz nesta época. A produção boliviana, por sua vez, estava sob o controle de três grandes grupos capitalistas: Patiño, Hochschild e Aramayo. A oligarquia que controlava a política, ligada às minas e a exportação do estanho, era chamada de la rosca: girava em torno de si própria. E as feridas da Guerra do Chaco (1932-1935) ainda não tinham cicatrizado.

A Bolívia é um país de indígenas e cholos (mestiços). Os camponeses vivam sob um regime arcaico de trabalho, chamado de pongueaje. Obrigados a trabalhar de graça nas terras dos grandes fazendeiros. Nas minas, onde o trabalho era mais exaustivo, mas pouco remunerado, os trabalhadores mascavam folhas de coca para enganar a fome, o frio e a fadiga. Poucos trabalhadores tinham o privilégio de chegar aos 50 anos.

Neste cenário de tensão social, grupos de oposição começam a se organizar. Trabalhadores das minas organizam sindicatos, como a Central dos Trabalhadores Bolivianos, criada em 1937. Partidos com ideais revolucionários também são formados; em 1934 surge o Partido Obrero Revolucionário (POR), trotskista; em 1940 o Partido de Izquierda Revolucionaria (PIR), filiado a III Internacional stalinista. E em 1942 surge o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) que agregava socialistas, nacionalistas e setores liberais. A principal liderança do MNR era Victor Paz Estenssoro.

Militares nacionalistas aproveitando a queda do preço do estanho (e consequentemente a fraqueza da oligarquia) deram um golpe e sob a presidencia de David Toro e German Busch ensaiaram alguma política social. Mas este período durou pouco. Com o início da segunda guerra, o preço do estanho boliviano voltou a subir (as latas da comida enlatada que os Estados Unidos produziam para alimentar seus soldados eram feitas com o estanho boliviano). A nova alta nos preços do estanho fortaleceu novamente a velha oligarquia mineradora que se organizou junto com setores conservadores do exército. German Busch foi vítima de um golpe militar em 1940 e morreu em circunstâncias até hoje pouco esclarecidas. Eleições foram chamadas. A velha oligarquia conservadora foi a vencedora nas eleições com seu candidato, o militar Enrique Peñaranda – 70% da população analfabeta não pode votar.

Logo que assumiu, Peñaranda tratou de acabar com o pouco das reformas sociais que seus antecessores tinham feito. O controle econômico e financeiro voltou para a mãos da oligarquia do estanho. Enquanto isso, a vida dos trabalhadores só se tornava mais precária; e a repressão do governo mais violenta.

Em 1942, trabalhadores da mina de Catavi, em Llallagua, organizaram uma grande greve por melhores condições de trabalho e pelo retorno das leis trabalhistas. As minas pertenciam ao magnata Simon Patiño (o “rei do estanho”, um dos homens mais ricos do mundo, também conhecido como “Rockfeller dos Andes”). O governo respondeu com as armas. A greve virou um massacre: 400 trabalhadores mortos! Dentre os que tombaram no Massacre de Catavi estava Maria Barzola, que teria morrido enrolada na bandeira boliviana; como se o fino pano do pavilhão nacional lhe servisse de escudo às balas das metralhadoras. Dez anos mais tarde, a revolução vai vingar seus mortos.

Em 1943 outro golpe militar depõe Peñaranda e coloca em seu lugar o coronel Gualberto Villaroel, com apoio do MNR. Os lucros do estanho durante a guerra mundial acabaram por fazer com que o governo Villaroel adotasse uma política de “progresso social sem reformas econômicas”. Obviamente, isto desagradou muitos de seus apoiadores. Trabalhadores organizaram manifestações e a violência tomou conta quando gêneros alimentícios começavam a faltar nas estantes dos mercados. Como resposta, o governo adotou medidas cada vez mais repressivas; perdendo ainda mais a popularidade – e o apoio político. Em julho de 1946 Villaroel termina seu governo com a população um fúria; que o linchou e pendurou seu cadáver na Praça Murillo em La Paz.

Aproveitando este momento em que a população estava revoltada contra o governo (que se esforçara até certo ponto), os conservadores da União Republicana Socialista (URP – que de socialista não tinha nada, era um partido católico-conservador) lançaram Enrique Hertzog à presidência; com o apoio dos comunistas! As eleições foram controladas pelos militares e Hertzog foi eleito em 1947.

O novo presidente tenta estabilizar o país, mantendo os privilégios da rosca, seus aliados. Mas a pressão popular continua (e o MNR cresce) forçando-o a renunciar. Seu sucessor, Mamerto Urrolagoitia Harriague chama eleições para 1951. Nestas eleições a esquerda se organiza em torno da MNR – que é apoiado pelo POR e pelo recém-fundado Partido Comunista, após uma dissidência com os comunistas que apoiavam Hertzog. A vitória nas urnas do candidato da MNR, Victor Paz Estenssoro não foi aceita pelos conservadores civis e militares. O governo ficou sob o controle de uma junta militar sob o comando de Hugo Ballivian. Contudo, as mobilizações a favor do candidato eleito cresceram e se tornaram uma revolta popular: a Revolução de abril de 1952. Trabalhadores das minas e camponeses se juntaram a setores progressistas do exército e se organizaram em milicias para enfrentar os setores conservadores. “O exército foi completamente derrotado, os prisioneiros capturados pelos trabalhadores são humilhados e forçados a marchar pelo centro da capital de cueca. Em 11 de abril já não existia o exército burguês na Bolívia. A única força armada no país é constituída por 50 ou 100.000 homens organizados em milícias armadas por parte dos sindicatos. O poder real está nas mãos dos trabalhadores.”1 No mesmo mês de abril de 1952, Paz Estenssoro é empossado. A revolução é vitoriosa. Inicia-se um período de 12 anos de governos nacionalistas do MNR.

Milícia formada por bolivianos durante os anos de lutas.

Uma das primeiras medidas do governo de Estenssoro é ampliar suas bases de apoio político concedendo o voto para analfabetos. No campo econômico o seu governo levou adiante a reforma agrária (sob inspiração da Constituição Mexicana de 1917) e a nacionalização das minas. É criada a Confederação Mineira Boliviana (COMIBOL), empresa estatal responsável pela produção e administração dos minérios – notadamente o estanho.

“A nacionalização, conquista fundamental da revolução de 1952, não modificou o papel da Bolívia na divisão internacional do trabalho. A Bolívia seguiu exportando o material bruto, e quase todo o estanho ainda é refinado nos fornos de Liverpool da empresa Williams, Harvey and Co., que pertencem a Patiño. A nacionalização das fontes de produção de qualquer matéria prima, como ensina a dolorosa experiência, não é suficiente.”[2]

Em 1956 Paz Estenssoro passou o cargo para seu sucessor, também da MNR, Henán Siles Zuazo, que manteve as políticas sociais do governo anterior. Mas a dependencia do exterior, seja para absorver a produção de estanho, seja para fundi-lo, estava se tornando cada vez mais grave. Isto acaba por aproximar o governo boliviano dos Estados Unidos – principais compradores do estanho. Os EUA pautam a política econômica da Bolívia sob as receitas do FMI e do Banco Mundial (manter o país refém de uma dívida externa interminável com a justificativa fajuta de manter a “moeda forte”). “Entre 1952 e 1960, as exportações diminuem de 136 para 55 milhões de dólares, das quais 84% são destinadas aos Estados Unidos e à Inglaterra. Ao mesmo tempo o transporte e a fundição continuam nas mãos de empresas estrangeiras, o que mantém o país dependente do exterior. [...]. A produção agrícola não aumentou a ponto de satisfazer o mercado interno, mantendo-se a necessidade de importação; [...]”[3]

A aproximação com os Estados Unidos terá consequências mais desastrosas para a Bolívia do que se podia imaginar. O exército, que praticamente não existia desde de 1952, passou a se reorganizar. Alguns oficiais começaram a ser adestrados nos estabelecimentos mantidos pelo Pentágono e pela CIA, como famigerada Escola das Américas (conhecido centro terrorista criado pelos yankees, destinada a ensinar métodos de tortura e como fazer golpes militares).

Nas eleições de 1960, Paz Estenssoro volta a presidência e em 1964 ele disputa novamente tendo como vice o general René Barrientos (um dos militares adestrados pelos Estados Unidos para servir aos seus interesses). No mesmo ano, Barrientos dá um golpe e inicia-se um período de repressão aos sindicatos e as milicias operárias. A Revolução terminou de forma trágica. As milicias de trabalhadores foram esmagadas e o novo regime se torna impopular desde sua ascensão. É apenas o início de um período de 18 anos de instabilidade política na Bolívia. É, também, no ano de 1964 que outro golpe militar vai acabar com o projeto trabalhista e nacionalista no Brasil.


Notas:

[1] 60 anos da revolução boliviana – que lições tirar? Disponível em: http://www.marxist.com/60-ano-da-revolucao-boliviana.htm

[2] GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013, p. 210.

[3] AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo: UNESP, 2002, p. 99, 100.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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