A MORTE COMO PREÇO DA PAZ: os últimos dias de vida e morte do Barão do Serro Azul

Devemos julgar a um homem por suas ações ou por suas intenções? Mais vale observar o que ele fez ou conjecturar o que ele pretendia conseguir de fato, com o que então fazia? Pois esta é a pergunta que, de um modo ou de outro, se faz sobre a pessoa de Ildefonso Pereira Correia. 

Industrial, comerciante e político paranaense, mais conhecido pelo título de Barão do Serro Azul. Nascido em 06 de Agosto de 1848 na cidade de Paranaguá e morto em 20 de maio de 1894, em um trecho da ferrovia que corta a Serra do Mar, no estado do Paraná. Um personagem histórico que somente ganhou alguma projeção nacional, após o lançamento do filme “O preço da paz” no ano de 2003. 

Filme este dirigido por Paulo Morelli, baseado na obra do escritor Túlio Vargas (1929-2008), adaptado por Walter Negrão. Trabalho premiado em 2003, no Festival de Gramado (RS) e, em 2004, na Mostra de Cinema de Tiradentes (MG). Reavivando assim o debate sobre este homem, cuja memória era, até então, mais restrita ao estado do Paraná. 

Certo, mas nisso, muitos devem se perguntar e com razão! Qual a sua relevância no estudo dos fatos que envolvem a história do continente americano? Bem... vejamos: Primeiramente, tendo a importância no fato de que, independente de suas intenções, ele o fez: ajudou a poupar vidas inocentes. Como assim? De que forma? Bom... para entender melhor o caso, precisamos conhecer o contexto em que o Brasil e o estado do Paraná viviam no ano de 1894.

Barão do Serro Azul

A Revolução Federalista, uma das mais terríveis guerras civis da história do Brasil, se iniciara, em 1892, quando todos os inimigos comuns do brutal “Marechal de Ferro”, Floriano Peixoto, primeiramente no Rio Grande do Sul, decidiram se unir para derrubá-lo. A reação destes inimigos, logo ganhou mais e mais adesões, conforme foi conseguindo avançar do Rio Grande para Santa Catarina e depois para o Paraná.

O então presidente do estado do Paraná, Vicente Machado, temendo mais à própria vida do que prezando a segurança de seus cidadãos, abandonou a capital Curitiba, transferindo por alguns dias a administração para a cidade de Castro (no interior), antes de partir para São Paulo.

A brutalidade de ambos os lados (maragatos que eram os inimigos do atual governo; e os pica-paus que eram florianistas) era sabida por toda a população de Curitiba. A qual estava abandonada á própria sorte. Quando foi então que o Barão, que ocupava a presidência da Associação Comercial do Paraná, quem tomou as rédeas da situação na capital paranaense. 

Sendo hoje, a versão mais aceita pela história de que, temendo a previsível onda de saques (e também assassinatos, além de violências com as mulheres) pelos invasores, Ildefonso rapidamente organizou uma Junta Governativa. A qual trataria de firmar um entendimento com líder dos maragatos, Gumercindo Saraiva.

Acontecendo que, de acordo com o historiador Ruy Wachowucz (em 1969) “(...) apesar de contrariar sua própria vontade (o Barão) ‘fez o levantamento de fundos para os federalistas com o que salvou a população de Curitiba dos horrores certos dos saques desenfreados’”. 

O que pode ser compreensível, diante de todo o horror da mais desesperada resistência a estes federalistas na cidade da Lapa (próxima a Curitiba) que configurou o hoje chamado Cerco da Lapa. Um banho de sangue que, quanto muito, apenas retardou o avanço destes revolucionários (ainda que este atraso tenha sido o que reverteu toda a sorte das forças governistas que assim elas puderam melhor se organizar e nisso vencer o conflito).

Contudo, também há por parte de outros a visão de que o Barão do Serro Azul teria sido um aproveitador. Buscando um entendimento com as forças que pareciam certas de tomar o controle do país. Tal como já o fizeram tantos outros chefes políticos locais com a chegada das tropas maragatas até eles.

Ainda que, por outro lado, é preciso ver também que esta visão é a que o governo Floriano, vencedor, criou sobre a memória do Barão. Uma imagem que se manteve por quarenta anos, até que seu legado fosse revisado. O qual, pelos seus antecedentes, talvez mereça ser repensado. Daí o porquê deste artigo. Senão vejamos:

Quando a campanha abolicionista chegou à Província do Paraná, Ildefonso Pereira Correia foi um de seus maiores entusiastas. O Barão até declarou, em um discurso, quando então Presidente da Câmara Municipal de Curitiba, se comprometer a promover a emancipação dos trabalhadores negros escravizados dentro do município em questão. Ansioso por poder declarar que na futura sessão legislativa todos pudessem afirmar que a capital da Província do Paraná não tinha mais escravos.

Sendo que a sua atuação no movimento abolicionista não se limitou ao discurso. Visto que como membro da sociedade secreta “Ultimatum”, fundada pelo major Sólon, em Curitiba, Idelfonso ajudou a incontáveis escravos na fuga para localidades como a cidade de Santos (em São Paulo) e Montevidéu (capital do Uruguai). 

Além de suas atividades, como empresário, que mostraram uma visão muito diferente do modo mesquinho, tacanho que a maior de seus contemporâneos nutria. De modo que suas ações, se para elas houvesse espaço aqui, neste momento, poderíamos lhe comparar com o Visconde de Mauá, tão mencionado empreendedor em inúmeros livros de história. 

Todavia, o que mais importa neste resgaste agora é o fato de que quando as forças legalistas retomaram o controle da situação, ele poderia ter fugido, tão logo soube da acusação de colaborador das forças inimigas que caíra sobre ele. 

Mas não o fez, preferindo aguardar a prisão, respondendo que: “A minha fuga me tiraria a ocasião de justificar-me, daria razão às calúnias e seria a confissão de que eu não confiava na imparcialidade dos juízes legais ”. E em suma, mesmo ciente de toda a brutalidade na retaliação aos perdedores, o Barão preferiu não dar qualquer margem à dúvida sobre o que e porque fez.

Ou pelo menos, é o entender do cientista social e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ricardo Costa de Oliveira, quando consultado pouco tempo após o, então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionar a lei 11.853 de 2008, em que inscrevia o nome de Ildefonso Pereira Correia, o Barão de Serro Azul, no Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília.

Uma vez que para este pesquisador, foi justamente uma posição neutra por parte de Idelfonso que acabará lhe custando a vida. “Dizia Maquiavel, em O Príncipe: um político, quando não toma partido, quando não escolhe um aliado, passa a ser visto com desconfiança pelos dois lados da guerra”, concluí Ricardo, em entrevista para um artigo do jornal Gazeta do Povo de 30 de janeiro de 2009. Quem sabe? Talvez sim, talvez não.

Em vista da incerteza sobre a veracidade das provas que o responsável pela ocupação de Curitiba, o general Ewerton Quadros alegara, mencionado a uma carta do Barão que convidava o líder federalista Gumercindo Saraiva “a vir salvar o Paraná, sendo-lhe garantida uma importância não inferior a 500:000$000 por um imposto de guerra, que foi extorquido aos federalistas (...)”.

Sendo apenas certa a ocorrência de que a sua morte mostra um pouco de toda a brutalidade dos vencedores. Que de modo algum buscavam justiça, mas sim se impor pela violência para calar a qualquer outra reação que fosse entendida como contra a ordem estabelecida. Ignorando a todos os apelos de diversos quadros da sociedade paranaense como o político e empresário Ermelino de Leão, o major Maurício Sinke, entre outros.

Visto que esta ferocidade era uma característica de Floriano (apesar do mesmo, mais tarde, ter dito não saber da ordem de matar o Barão) que o historiador Renato Mocellin (1985) definia como “enérgico e atrevido”, cujo “autoritarismo, a repressão, o desrespeito aos direitos humanos foram a tônica de seu governo” (História do Povo Brasileiro, p. 47). 

Quando, na madrugada do dia 20 de maio de 1894, Idelfonso e outros cinco amigos presos foram levados à estação ferroviária de Curitiba, sob o pretexto de embarcarem em Paranaguá em um navio da Marinha com destino ao Rio de Janeiro, onde seriam julgados. O comboio parou no km 65 da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, perto do pico do Diabo da serra do Mar, onde há um alto despenhadeiro. 
Local da morte de Idelfonso Correia
Lá os presos começaram a ser arrastados para fora do vagão pelo pelotão de escolta. Cena esta que prefiro não me ater. De modo que deixo aos que tiverem curiosidade, conferir a selvageria cometida na morte destes homens, cujos corpos ficaram abandonados. Até que no dia seguinte a policia de Piraquara foi avisada da existência de cadáveres na serra. 

Um dentre outros exemplos que ilustram bem a conclusão de Renato Mocellin de que neste período “Decididamente dias difíceis foram vividos pelo povo brasileiro”. Tempos em que, bem ou mal, Idelfonso Correia, não se fez apenas mero expectador, apesar de ter tido a morte como preço por essa iniciativa.


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

2 comentários:

  1. Que excelente aula de história, obrigado professor pela narrativa

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  2. Para quem quiser ver também, o túmulo desse herói está no Cemitério Municipal em Curitiba.

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