Entrevista com Lúcio Junior Espírito Santo. Graduado em Filosofia. Mestre em Estudos Literários/UFMG. Responsável pelo blog Revista Cidade Sol (revistacidadesol.blogspot.com). Bom Despacho, Minas Gerais. Nascido em Uberaba, 1974.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Caro amigo do GEACB, Lúcio Junior Espirito Santo. Conte-nos sobre sua biografia. Nos faça aqui uma breve auto biografia, enfatizando sobre seu passado e presente relacionados com o trotskismo! Até chegar a revelar como ficaste sabendo de nosso grupo de estudos.
Lúcio Junior Espírito Santo- Eu conheci o grupo no Café História. Rafael: O mais próximo de nós é o mais desconhecido, o mais distante. Nós não somosum eu unificado. Ainda existem muitos “lúcios”. Paulo Falcão apanhou, em meu blog, ao menos umas duas personas: a que escreve os textos literários, mais líquida, mais pós-moderna. E a persona que escreve os textos políticos, alguém da modernidade sólida. Existe, portanto, ao menos um Lúcio sólido e um Lúcio líquido.
Precisamos acabar com esse nosso maldito eu! Um dos nossos problemas é que nosso eu nos ilude, nos dá a ideia de que somos o centro do mundo. Destrua seu eu, Rafael! Eu daria minha autobiografia para o Gerson Soares de Melo fazer. Ou faria a quatro mãos com um inimigo, de preferência uma ex-mulher. E exigiria que só falasse de outras pessoas.
É como Paulo Falcão diz: “leia meu blog!”. A entrevista mais honesta que já li foi a entrevista que Gerson Soares de Melo fez consigo mesmo. Ela revelou a essência do que é uma entrevista: é quando a gente se sente à vontade para usar o outro como personagem e colocar na boca dele o que a gente queria que ele respondesse de modo certo, exatinho. E note que Gerson também é pelo menos uns três “eus”: Noubarus Gerson, Adamir Gerson e Gerson Soares de Melo. Um desses “eus” –não me peça agora para dizer qual –seria, segundo os muitos atos de fala por várias cabeças, desses vários “eus”, Jesus Cristo que voltou para instalar o socialismo celestial.
Então, sem dúvida, há um traço de esquizofrenia em escrever sua autobiografia, mesmo breve. A esquerda é esquizofrênica, a direita é paranoica. Estamos sempre num devir. Nossa vida é como um filme que está sendo feito. A montagem, a finalização do filme, é a morte. O que eu recupero do passado é o que é importante agora. É um flashback que pode ou não entrar no filme. Eu estudei Filosofia e fiz movimento estudantil numa época em que fazer movimento estudantil não estava na moda, não estava ganhando glamour como agora está ganhando, quando a luta dos secundaristas em São Paulo sensibilizou muita gente, foi destaque nos meios de comunicação. Pelo contrário. Mas hoje essa experiência tornou-se algo fundamental. Sobre Trotsky, eu gostaria muito de falar e sempre falo, mas você me colocou uma importante cobrança e me calou a boca: ler os textos dele. Agora, nada como um amigo para contextualizar as coisas. Meu amigo indiano, SangramChakraborty, me telefonou de Calcutá e me explicou essa nossa relação com o trotsquismo: Trotsky esteve no México e irradiou sua influência para a América Latina, encontrou tradutores. Sem dúvida era alguém inteligente, fascinante. Eu só estou convicto de que ele concentrou esforços em retomar a carreira política na Rússia, ou seja, para ele era prioridade remover Stálin e a velha guarda do partido que não gostava dele. Isso era mais importante na agenda dele do que combater Hitler. Não é porque ele virou um nazista, um fascista. Era justamente por causa disso que estou te falando: Trotsky queria voltar a fazer carreira na Rússia, ainda que fosse sob um regime submisso a Hitler. Podemos supor que, na cabeça dele, isso se justificaria perante o povo como algo semelhante ao que Lênin fez quando voltou para fazer a revolução em 17, graças ao apoio alemão e, a seguir, fez um acordo com os alemães cedendo território do país. Depois de Lênin morto, Trotsky tentou sempre apresentar-se como “o”leninista, algo que ele não era. Ele não era leninista histórico.
Então são pelos menos três “eus” de Trotsky que elencamos aqui: o eu menchevique, o eu leninista, o eu que topou ser fantoche de Hitler.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Conte sobre tuas colaborações ao nosso blog. E tuas críticas quanto ao GEACB!
Lúcio Junior Espírito Santo- Fiz algumas colaborações ao blog, somente três: um verbete sobre Pensamento Gonzalo, um sobre Cuba e um terceiro sobre Roberto Drummond. Estou mais aprendendo que ensinando. A minha crítica você conhece: quando se fala da América, ainda falamos de um continente cujos estados importaram muito da Europa. O que há de mais original são os artistas, os criadores em geral. E agora sendo regionalista: Oswald de Andrade, Glauber Rocha, Oscar Niemeyer, Villa-Lobos. Ao tratar dos estadistas, das construções sociais e políticas, corremos o risco de embelezar estruturas ou importadas da Europa ou medievais, semi-feudais, caudilhos, ditadores, etc. Os estadistas da América Latina são: Perón, Vargas, Castro, Chávez...E quem mais? Subcomandante Marcos? Presidente Gonzalo, o presidente que não chegou a ser presidente? Talvez o maior estadista da América Latina seja Gonzalo justamente por isso.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Quais os teus temas de interesses para pesquisas e debates? Estás obtendo êxitos?
Lúcio Junior Espírito Santo- Sim. Há um vento favorável. Escrevo sempre buscando gerar um texto que possa sobreviver ao tempo. Eu concordo plenamente com vocês do Grupo Cipriano Barata que a América Latina tem que se integrar nesse sentido das pesquisas e debates. O Brasil é um irmão bobão que acha que vai andar sozinho. Mas isso está acabando, felizmente.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Comente esta sua afirmação contida na entrevista concedida ao Projeto Vidas e Obras: "Sem Stálin, não existiria movimento gay hoje." E acrescento perguntando qual a atualidade de Stalin e suas ideias para resolver os problemas sociais da América Latina?
Lúcio Junior Espírito Santo- Eu achei tratar-se de uma obviedade, uma vez que a URSS teve um grande papel ao dar apoio a movimentos de minorias étnicas, sexuais e religiosas. Ela criou o oblast de Birobidjan, ela deu um território para os judeus. Na região há judeus até hoje, pois é bem longe do alcance de Hitler, é na fronteira da Rússia com a China. Houve um grande esforço no sentido de promover o movimento de mulheres. Lá existiam mulheres maquinistas, mulheres aviadoras. Há mulheres generais no exército russo hoje. São os frutos dessa política. Para Stálin, para Lênin, era fundamental dar apoio às nacionalidades tais como os nativos brasileiros. A esquerda brasileira como um todo nunca acordou para isso. Só os nativos impedem a derrubada dos parques florestais existentes, pois para explorar esses parques é preciso matá-los. E esse genocídio tem se repetido. Precisamos apoiá-los. Os nativos são nações e precisamos de jornais em língua guarani-kaiowá, txucarramãe, assim como universidades nacionais nativas, onde as aulas serão em línguas nativas. Stálin sugeriria que a Academia Brasileira de Letras publicasse livros em dialeto caipira, com certeza. E ela um dia o fará, se acaso ela sobreviver ao tempo.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Tu és um homem sonhador, que admiras Jesus Cristo e Tiradentes, estou correto? Entre estes sonhos, está o de a Revolução Brasileira acontecer? Dentro de teus sonhos, qual o futuro de nosso país?
Lúcio Junior Espírito Santo- Como diz nosso amigo Paulo Falcão, se você lesse meu blog, não perguntaria, embora essa pergunta tenha nascido de uma leitura recente de meu blog, segundo você. Olha, eu espero que 2022 seja uma nova Semana de Arte Moderna e quem sabe nós é que vamos presidi-la, assim como a nova independência do Brasil, agora cultural e econômica.
Dilma no poder é o começo do matriarcado de Pindorama. A bolsa-família é idéia de Oswald de Andrade de um teto mínimo e um teto máximo para a humanidade, idéia provavelmente que ele antropofagizou nos utopistas. Apesar desses avanços pontuais, o Brasil permanece um grilo de oito milhões de km2, comandado por elites vegetais e predatórias, a favor de um código florestal escrito por madeireiras.
No centro da política nacional está Lula, que percebeu que o povo não identifica no marxismo-leninismo a teoria do proletariado e sim uma teoria importada, exploração disseminada por pequeno-burgueses, enquanto vê o cristianismo como algo seu, algo proletário. A partir desse atraso cultural que nem a Semana de Arte Moderna nem o Cinema Novo puderam transcender, Lula, originário de um setor operário privilegiado em relação aos demais, construiu e está alimentado o seu messianismo pequeno-burguês, assim como o culto de sua personalidade. O seu messianismo anti-povo tende, no entanto, a se esgotar ao mostrar suas limitações ao passar do tempo: seu cinismo, seu individualismo, sua política de classe média.
A revolução vai acontecer, mas antes é preciso ouvir o que a ciência, na figura de historiadores como Grover Furr, diz sobre Marx, Lênin, Stálin. Vai ser preciso ensinar novamente que a teoria de Marx e Lênin é a teoria do proletariado, vai ser preciso fazer frente com os cristãos e muitos outros, vai ser preciso entender que a Semana de Arte Moderna é o começo da descolonização brasileira para valer, que Cinema Novo é o cinema revolucionário antes da revolução. “O ouvido é o único sentido nos resta”, aconselha São Pedro em O Homem e o Cavalo. Resta a esquerda brasileira querer ouvir.
Na peça Homem e o Cavalo, a voz de Stálin, ainda polêmica como nunca, se faz ouvir: “O socialismo é o poder dos sovietes mais a eletrificação”. Isso vale ainda para hoje: o socialismo será o povo brasileiro no poder, afirmando valores nacionais e populares, modernizando e eletrizando o País com a tecnologia para todos.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Em teu blog Revista Cidade Sol estás dando munição aos anti comunistas através de supostas denúncias a Revolução Cubana, com quais das críticas levantadas tu estás de acordo?
Lúcio Junior Espírito Santo- Novamente: leia meu blog. Lá existe uma defesa dos avanços democráticos de Cuba contra as posições reacionárias do professor Bertone, um professor do Tocantins que tem um blog inspirado no Revista Cidade Sol e que é meu discípulo por vias tortas: sendo marginal, resolveu polemizar para sair da insignificância. Conseguiu. Bertone deve muito a mim. Bertone, como um anticomunista, nunca levanta a hipótese de que a revolução cubana poderia ser nacional e democrática. Faltam-lhe conceitos básicos, falta-lhe leitura. Ele quer “adivinhar”, “chutar” tudo de uma posição pequeno-burguesa, colonizada. Os anticomunistas nunca citaram meu blog, a direita não quer críticas de esquerda e sim vomitar asneiras anticientíficas, xingar. Ela é fraca, o xingamento é fraqueza e falta de argumentos em política. Eu recolhi críticas dos hoxhaístas da Nicarágua, dos maoístas do Peru, de um periódico galego. Ali há apenas atualização intelectual, atualização bibliográfica. Podemos analisar Cuba como uma revolução de velho tipo. Cuba é um país reformista desde os anos 70. A revolução cubana não foi socialista e sim nacionalista e democrática. É com essas críticas que estou de acordo.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Defendes a tese de que o feudalismo é um modo de produção universal, chegando ao Brasil. O que te fez chegar a esta conclusão?
Lúcio Junior Espírito Santo- Não fui eu quem disse isso. Muitos o dizem. A própria Coreia do Norte define a situação do país como semifeudal antes da revolução de 45. O capitalismo, ao conquistar o mundo e se desenvolver na periferia, nunca resolve esses resquícios dos modos de produção anteriores, preservou-os na variante que podemos chamar de capitalismo selvagem. O capitalismo na periferia é uma variante mais perversa, não é a mesma do centro. Portugal era externamente mercantilista e internamente feudal quando descobriu o Brasil e exportou um modo de produção mais atrasado para nós. As capitanias hereditárias eram compostas pela nobreza portuguesa arruinada e que precisou do capital mercantilista holandês para fazer os engenhos de cana de açúcar. Ao contrário do que você anda afirmando por aí, o capitalismo quando surge combate o escravismo. Agora sabemos a resposta: pesquisas mostraram que manter o escravo era mais caro que comprar o trabalho do homem livre. E o homem livre, mesmo trabalhador na pobreza, absorve ideias liberais, daí a mais fácil dominação ideológica.
O latifúndio semifeudal está doente, mesmo em sua modalidade sofisticada e perversa do agronegócio, que é uma modernização que não atinge as relações de trabalho, que é predatória em relação aos camponeses pobres, nativos, etc. E é o elo mais fraco do capitalismo brasileiro. O capitalismo é perfeitamente compatível com reforma agrária, mas não na periferia. O fim do latifúndio vai desequilibrar e fazer cair o sistema inteiro na periferia. Por isso Jango caiu em 64. O fim do latifúndio é perfeitamente compatível com um capitalismo desenvolvido, mas ele acaba com o capitalismo selvagem.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Recentemente fizeste um verbete para nosso Dicionário Temático Americanista sobre o escritor mineiro Roberto Drummond, bastante criticado por ser ácido, estás arrependido? O que, na vida deste cidadão ilustre de seu estado, houve para ele ser qualificado por ti como uma pessoa tola?
Lúcio Junior Espírito Santo- O mais próximo é sempre o mais estranho, daí a acidez. Foi estranho escrever sobre Roberto Drummond. O problema é que eu achei que ele estava morto. Mas ao escrever sobre ele, notei: o artista não morre assim tão facilmente e de certa forma ele reagiu. Você não critica Getúlio Vargas, embora ele seja um cidadão ilustre do seu estado? Não, não estou arrependido. Julguei-o tolo por apoiar FHC, sim. E esse prossegue sendo meu julgamento. Procurei bibliografia acadêmica sobre ele e, perplexo, observei que os acadêmicos, com outras palavras, dizem coisas muito semelhantes. Inclusive, parafraseei textos acadêmicos sobre ele nesse verbete. Mas, é claro, coloquei uma pimentinha, algo não permitia a neutralidade acadêmica.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Outro verbete feito por ti foi sobre o "pensamento Gonzalo" Faça uma auto crítica deste teu escrito? És admirador do professor Manuel Rubén Abimael Guzmán Reynoso? Por quais razões?
Lúcio Junior Espírito Santo- Eu já reli esse escrito ao menos uma vez. Não é bem um texto biográfico e sim um verbete ideológico. Para ele, existe ideologia científica e proletária. Guzmán simplesmente transformou o Peru no centro da revolução mundial, foi o movimento marxista latino-americano mais próximo do poder desde Castro. E Castro sabotou-o, afirmando: “que revolução é essa que mata seu povo?” Castro agora é reformista, não revolucionário.
Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Muito obrigado pela participação, mais uma vez, e agora ao responder esta breve entrevista. Mensagem final aos leitores?
Lúcio Junior Espírito Santo- Uma teoria só é todo poderosa se é verdadeira. Novos junhos virão.
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.
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Antes de levantar algumas questões, um pequeno “causo”.
ResponderExcluirLendo a entrevista me deparei com uma “Madeleine” interessante. A frase “A esquerda é esquizofrênica, a direita é paranoica” me lembrou um fato ocorrido com a hoje Historiadora Margareth Rago que, em 1968 estudava na USP e teve vários amigos presos. Foi a um psicanalista e disse: “estou paranóica, tenho sempre a impressão de que estou sendo seguida”, ao que o Dr. respondeu: “fique tranquila, você não está paranoica, você de fato está sendo seguida...”
Mas além desta recordação, a frase “A esquerda é esquizofrênica, a direita é paranoica” me agradou por outro motivo: é uma boa paródia da realidade, porquê é natural ser paranóico quando se percebe que está sendo ameaçado de extinção por um bando de esquizofrênicos....
Outra frase que me chamou a atenção foi “a direita não quer críticas de esquerda e sim vomitar asneiras anticientíficas, xingar. Ela é fraca, o xingamento é fraqueza e falta de argumentos em política”. Curiosamente o citado professor Bertone recentemente publicou um artigo chamado “Marxismo cultural ou a burrice ideológica de direita” defendendo a mesma ideia e fiz para ele o seguinte comentário:
“Bertone, fiquei com a impressão que você cometeu alguns dos erros de que acusa “a direita”.
Minha leitura desta realidade é outra: existe um contingente numeroso e barulhento à direita e à esquerda que sofre do que chamo de “orgulho da própria ignorância”.
Não é o seu caso, tenho certeza, mas infelizmente mesmo nas universidades encontramos muita gente que só aprende por osmose ou por ouvir dizer, quando aprende.
Há vida inteligente à direita e à esquerda, mas nos dois casos trata-se de uma minoria que, no Brasil, mereceria proteção do IBAMA.
Outro ponto: sempre acho mais importante O QUE está sendo dito do que QUEM está dizendo. Isto é fundamental para reconhecer acertos e formulações relevantes de pessoas das quais costumamos discordar, bem como reconhecer os equívocos daqueles com quem temos mais afinidades.”
Abraço a todos.