A Revolução Mexicana (1910-1920)

No início do século XX,o México era governado de forma ditatorial por Porfírio Díaz. O longo governo de Díaz durou mais de 30 anos – por isto é chamado de porfiriato. Durante este período, o presidente se cercou de intelectuais e tecnocratas, chamados de científicos, e deu ao regime uma aparência “moderna”, baseada nos princípios do positivismo. Para os científicos, modernidade significava estradas de ferro, portos com máquinas para carregar e descarregar navios, luz elétrica nas grandes cidades e palácios de arquitetura europeia. Mas o México não produzia estes itens; então o governo importava da Europa e dos Estados Unidos. Enquanto isso, trabalhadores rurais perdiam seus empregos (a “modernização” do campo acabava tirando o trabalho do camponês – uma máquina podia realizar o mesmo trabalho que 5 ou 10 indivíduos!) e trabalhadores urbanos não tinham nenhum tipo de amparo social. Desde 1880 o governo mexicano vendia terras para estrangeiros: florestas, minas, rios e outros pedaços do solo mexicano passaram a ser propriedade de estrangeiros, que obviamente revertiam os lucros para seus países de origem – nada ficava no México. O governo do México estava alienando suas próprias riquezas! Não é a toa que havia um ditado popular na época que dizia ser o México “uma mãe para estrangeiros e uma madrastas para os mexicanos”.

Em 1908, o regime de Díaz já dava sinais de desgaste. Mesmo assegurando os lucros dos capitalistas estadunidenses que exploravam o país, internamente havia um amplo descontentamento com o porfiriato. Fazendeiros insatisfeitos com a oligarquia que governava; operários nas cidades que faziam greves e eram severamente reprimidos; camponeses que eram expulsos de suas terras e não tinham mais onde trabalhar. Todos tinham um motivo para derrubar o regime ou para reforma-lo.

Em fevereiro de 1908, Díaz deu uma entrevista ao repórter James Creelman darevista Pearson's Magazine de Nova York. Nesta entrevista, Díaz garantiu não se candidatar novamente quando terminasse seu período de governo em 1910. A repercussão foi imediata. Todos os setores de oposição ao governo Díaz começaram a se organizar.

Francisco Madero

Entre as lideranças desta oposição estava Francisco Madero, um rico fazendeiro da região de Coahuila, norte do México, simpático à industrialização. A principal palavra de ordem da oposição à Díaz era “Não Reeleição”. Uma revolução armada, nem passava pela cabeça deles. Queriam uma reforma que possibilitasse maior participação política – e estavam restritos a isto. Para levar adiante esta ideia, Madero e seus aliados fundaram em 1909 o Partido Nacional Anti-reeleicionista para disputar as eleições do ano seguinte.

Ocorre que, em 1910, enquanto o país comemorava o centenário do “Grito de Dolores”, Madero é preso e Díaz reeleito, sem oposição; os porfiristas souberam muito bem usar o aparelho estatal que controlavam há mais de 30 anos para favorece-lo nas eleições e manter tudo como em “ordem”.

Mas Madero consegue fugir da prisão e busca refúgio em San Antônio, no Texas. Lá ele elaborou um plano de governo, chamado San Luís de Potosí, e clamou seus aliados a combater o presidente (re)eleito. O Plano San Luís de Potosí, era, entretanto, por demais moderado, seus principais pontos diziam respeito a maquina eleitoral do regime de Porfírio e apenas vagamente aludia a questão das terras indígenas. Madero, obviamente, buscava apoio em todos os setores sociais que estavam contra Díaz e seu regime. Mas seu apelo reformista acabou libertando forças revolucionárias que ele próprio não tinha controle; como por exemplo os camponeses mestiços e indígenas da província de Morelos (região açucareira), liderados por Emiliano Zapata, que foram as principais vítimas da destruição dos ejidos (antigas comunidades indígenas); e dos camponeses do norte (região pecuária), liderados por Francisco “Pancho” Villa, que estavam sendo expulsos de suas terras e tornando-se proletários em indústrias nacionais e estrangeiras – em péssimas condições de trabalho.

O plano San Luís de Madero se espalha rapidamente pelo México. Mesmo sendo moderado consegue agregar em torno de Madero quase toda a oposição a Díaz. Sendo assim, quando este retorna ao México, encontra aliados dos mais diversos setores sociais, entre eles, Pancho Villa, que já havia iniciado um movimento rebelde no norte, e do fazendeiro Venustiano Carranza – que havia sido senador durante o porfiriato.

No sul, Zapata e seus seguidores também davam início a uma revolução mais radical, cuja principal bandeira era a reforma agrária, e toma a cidade de Cuautla.

Em meio a forte pressão social, Díaz renuncia e parte para o exílio. Antes de partir ele teria dito: “Madero libertou um tigre, quero vê-lo cavalga-lo”, referindo-se às forças sociais que haviam passado 30 anos reprimidas durante seu porfiriato.

Madero assume como presidente em novembro de 1911. A revolução parecia ter terminado Entretanto, o descontentamento dos mais variados setores sociais que haviam apoiado Madero: operários, camponeses sem terra, fazendeiros, exército, funcionários públicos do regime Díaz, alimentaram a chama revolucionária ainda mais. Zapata e seu Exército Libertador do Sul lança o Plano de Ayala, cujo objetivo é a reforma agrária e reorganização dos antigos ejidos. O plano de Zapata é, também, uma resposta radical ao moderado Plano San Luís de Madero.

Para tentar acabar com os rebeldes ainda ativos, principalmente com o movimento zapatista de Morelos, Madero acaba confiando o controle do exército a oficiais conservadores que fizeram carreira durante o governo Díaz. Isso acabou resultando no fim do próprio Madero. Em 1913, Madero é assassinado a mando de seu chefe militar Victoriano Huerta; que logo após toma o poder.

Huerta teve um grande apoio dos Estados Unidos. Isto porque, o breve governo Madero ousou colocar limites à extração de petróleo no México por companhias estrangeiras – para os capitalistas estadunidenses o seus lucros não podiam ser prejudicados por um governo nacionalista. Enquanto Huerta tentava impor uma ditadura aos moldes da recém derrubada ditadura porfirista, Zapata ao sul e Villa, ao norte, resistiam. Os rebeldes agora contavam com o apoio de Álvaro Obregón, um pequeno empresário de Sonora que se tornou bastante popular.

Enquanto isso, Venustiano Carranza, governador do Estado de Coahuila, revindicava-se herdeiro político de Madero e espalhou um outro plano, chamado Plano de Guadalupe, no qual clamava o retorno a democracia, não reconhecendo Huerta como governante legítimo e uma reforma na constituição de 1857. O Plano de Guadalupe esboçava algumas políticas sociais no sentido de melhorar a vida de camponeses e trabalhadores. Inicia-se uma sangrenta luta entre o Exército Constitucionalista de Carranza e o Exército Federal de Huerta.

Durante esta guerra civil, Huerta se indispõe com os estadunidenses. O presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, pune as desobediências de Huerta com a ocupação de Veracruz e o corte ao fornecimento de armas para ele. Sem apoio material, Huerta é derrotado em 1914 e Carranza se torna o virtual presidente do país.

Zapata ao centro

Entretanto, Zapata, Villa e seus seguidores ainda não se dão por satisfeitos, querem reformas mais radicais. Ambos chegam a entrar na Cidade do México, obrigando Carranza a se refugiar em Veracruz, sob a proteção dos mariners estadunidenses. Diante desta situação, Carranza decidiu anexar a seu Plano de Guadalupe algumas revindicações do plano zapatista de Ayala; que acabou lhe garantindo a simpatia de movimentos sociais nas cidades. Em 1915, centros operários de inspiração anarco-sindicalistas, dão seu apoio a Carranza e se comprometem a levar adiante seu plano – formando os Batalhões Vermelhos (antes os anarquistas, da famosa organização Casa del Obrero Mundial, já haviam organizado uma adesão à Madero, em 1912).

Em 1917, Carranza convocou uma Assembleia Constituinte que tinha por finalidade reformar a constituição de 1857. Mas logo Carranza se viu na necessidade de redigir uma nova Carta para o país, pois a revolução estava mostrando que apenas uma reforma constitucional não atenderia todas as demandas dos setores que emergiram durante este período. Assim foi promulgada, ainda em 1917 uma nova Constituição para o México. Na época, a Constituição mexicana (que ainda está em vigor) foi a mais avançada do mundo – a primeira de caráter nacionalista e socialista, garantindo uma legislação social para o trabalhador do campo e da cidade, criação de sindicatos, uma reforma agrária e, para muitos o mais importante, o mandato presidencial de 4 anos não seria renovado.

Promulgada a Constituição, Carranza foi eleito presidente e tratou de tentar pacificar o país pelas armas. Em Morelos, Zapata e seu exército continuavam em alerta até ter suas revindicações atendidas pelo governo. Ao norte, Pancho Villa e seu bando não estavam dispostos a uma negociação com o novo governo – que por sua vez já não via mais utilidade para estes rebeldes e deveriam ser eliminados para estabilizar a política nacional. O governo chegou a oferecer uma recompensa pela captura de Zapata e Villa. Nas cidades, o movimento operário, que se mostrava disposto a apoiar Carranza, também foi reprimido. Em 1919, Zapata é morto numa emboscada. Villa, por sua vez continua de armas em punho ao norte.

A esta altura dos acontecimentos, organiza-se uma oposição à Carranza. No mesmo ano de 1919, Álvaro Obregón e Francisco Plutarco Calles (um militar e professor) fundaram o Partido Laborista Mexicano (de inspiração socialista, trabalhista e nacionalista) para combater o Partido Liberal Constitucionalista de Carranza nas eleições de 1920. Carranza pretende se reeleger, mas um movimento liderado por Obregón acabou tomando o poder, após entrar na Cidade do México e ser eleito presidente. Carranza é assassinado, assim como seu antecessor Madero. A partir de então os políticos que se elegem sob a nova égide da Constituição de 1917 procuram “institucionalizar” a revolução. O país tem o saldo de mais de 10 anos de guerra civil, com milhares de mortos.

O sucessor de Obregón, Plutarco Calles, é eleito presidente em 1924. Ele continua o projeto de “institucionalização” e de buscar uma ordem nacional. Camponeses e operários, no entanto, ainda lutam para garantir seus direitos constitucionais – que o governo demora para colocar em prática. O governo ainda teve que enfrentar a Igreja na Revolta dos Cristeros, de 1926-1929. Os cristeros eram extremamente conservadores e lutavam contra o Estado laico da Constituição de 1917. Os católicos conservadores ainda estavam dispostos a lutar, como fizeram ao longo de todo século XIX.


***

Ainda nos dias de hoje, poucos conhecem a Revolução Mexicana, suas causas e suas consequências na América. Para nós americanos a Revolução Mexicana é mais importante que a Revolução Russa de 1917¿


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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