CONHEÇA O CLUBE LITERÁRIO RECREATIVO 13 DE MAIO: um legado de resistência pacífica

A auto-estima de um povo, ou mesmo de uma classe, é um fator muito determinante para que ele vença aos obstáculos que lhe são impostos. Por meio de uma busca pela afirmação de que não se está abaixo daquele que o despreza. De que a sua dignidade não fica a dever a quaisquer outras pessoas. 

Por mais que qualquer incoerência, na forma de preconceito, se propague como o vento. Sim, sem ter como medir até aonde pode chegar, por isso sendo difícil a debelar. 

Tudo bem! Não importa. Já que poder mostrar a quem o subestima, de que você detém qualidades idênticas à deste outro já é uma forma muito honrosa de luta. Por mais que quem o despreze se recuse a enxergar seus méritos.

Mas, mesmo diante da negação aos seus valores, mostrá-los, ainda sim, se faz o melhor modo de se provar a inconsistência de um preconceito. Da debilidade de se rotular as pessoas como melhores ou piores, unicamente com base na sua cor de pele, no seu sexo, nas suas crenças ou sua opção sexual.

Preferencialmente, mostrando que não se nivela ao grau deste que pratica a discriminação para com os outros. Não devolvendo na mesma moeda a agressão recebida. Algo que em minha cidade, Ponta Grossa, um município localizado a 100 km da capital do Paraná, Curitiba, se vê em parte numa bela história que quero lhes compartilhar agora. A história de um antigo clube social. 

E que, de certo, deve fazer a muitos se perguntarem: o que este clube pode ter de especial quanto à auto-estima de uma classe? O que ele pode contribuir para o resgate da dignidade de uma categoria? 

Muito a dizer, ao se tratar do seguinte contexto: 1889, um ano após a abolição total da escravidão no Brasil. Numa sociedade conservadora e excludente (na época) em relação aos que não se enquadravam em seus padrões.

Quando um grupo de jovens negros desta cidade, encabeçados por um construtor e músico, de nome Lúcio Alves da Silva, decide criar uma sociedade de confraternização entre seus iguais. Aonde não mais seriam segregados de grandes eventos, como o eram até então. Denominando a organização de “Clube Literário Recreativo 13 de Maio” (CLR 13 de Maio). Certo, mas porque Literário?

Porque não era apenas as convenções sociais o foco deste grupo, mas também a instrução de seus membros (muitos deles inclusive analfabetos), de modo que ali havia também uma biblioteca para os seus sócios. 

Um ideal que, infelizmente, não teve uma trajetória fácil. Pois as elites brancas viam com receio a organização a enxergando como uma ameaça à ordem. Mas a despeito disso, o Clube 13 resistiu e se manteve, apesar dos pesares, ao longo de décadas como um mantedor da identidade dos negros desta cidade.

Mas por que apesar dos pesares? Bem, porque do mesmo modo que os negros eram excluídos de outras sociedades, por muito tempo neste mesmo “Clube 13 de Maio” os brancos recebiam a recíproca disso. Por este motivo, infelizmente, tendo que reconhecer que estes também, por algum tempo, excluíram tanto quanto foram excluídos. 

Mas, quanto a isso, nós também temos que ver que até nos dias de hoje, as mágoas tendem a ser mais fortes do que o perdão. Na maioria dos seres humanos, pelos menos. Erros perante os quais ninguém, ninguém mesmo, está de todo livre de lhes vir a cometer. O que não anula todo o legado positivo desta organização.

Visto como esta sociedade, durante muitos anos cumpriu com perfeição, o que era a sua maior função: proporcionar um maior amor próprio aos negros que o frequentavam. 

Sua sofisticação chegou até a gerar a alcunha de “clube do negro chique”. Apelido que por mais que possa demonstrar uma ponta de escárnio, também mostra como em nada ficavam a dever a outras organizações, em seus tempos de glória. Tempos estes, há muito já passados.

Uma vez que a sociedade “13 de Maio”, assim como vários outros clubes em todo o Brasil, lentamente foi perdendo seu sentido. Perdendo espaço para outras formas de recreação que superaram a esta fase. 

Ocorrendo que seu prédio, por enquanto, se mantém de pé, preservado pelo Patrimônio Histórico da cidade. Conservando uma fachada de estilo arquitetônico bastante original como se pode ver na imagem abaixo. 

CLUBE LITERÁRIO RECREATIVO 13 DE MAIO:

Evidentemente, não tendo sido o único clube desta natureza. Mas com certeza, um dos poucos que se têm informação, ao lado de somente outros quatro Clubes Sociais Negros em todo o Paraná: Sociedade Operária Beneficente Treze de Maio, de Curitiba, fundada em 1888; Clube Estrela da Manhã, de Tibagi, fundado em 1934; Clube Rio Branco, de Guarapuava, fundado em 1919; e por fim a Associação Recreativa Operária de Londrina, fundado em 1930.

Ou melhor, alguns livros (e outras fontes) e pessoas que têm a informação sobre este “CLR 13 de Maio”, fundado em 1889. Dado como ele se encontra cada vez mais no ostracismo. O que justifica este espaço agora escrito sobre um velho prédio que, quanto mais pessoas souberem de sua história e seu simbolismo, talvez seja mais fácil preservá-lo permanentemente. 

Por mais que em outros cantos do Brasil, como no Rio Grande do Sul, os clubes sociais negros de lá já se tornaram até objeto de estudos acadêmicos. E também, façamos justiça à Fundação Palmares que tem como meta mapear todos esses centros que se tenha noticia no país todo. 

Se não fosse que isso ainda é pouco, diante de todo o risco que a desconsideração para com o passado. Tanto quanto a ganância atiçada pela especulação imobiliária. Ameaças constantes a vários bens imóveis em nosso país. Das quais não me sinto seguro dizer que está de todo livre o velho CLR 13 de Maio.

Que por enquanto segue sobrevivendo como sede de bailes. Como qualquer casa de shows em que se paga uma entrada, dança e vai embora. Sem qualquer identidade com aquele espaço. Localizada aonde é agora parte da área central de uma cidade em constante crescimento. 

Nisso, como ter certeza de que um pequeno prédio, cuja história poucos conhecem, se manterá por várias outras gerações? Por quanto tempo continuando a atestar uma forma diferente de resistência?

Pois é fato de que somente se mostrando a utilidade que este pode ter, que as pessoas iriam defender a sua preservação. Assim como motivando aos que ainda podem falar sobre ele. 

Compartilharem as referências sobre este que tanto pode inspirar a muitos jovens que lutar, não é apenas por meio a reação raivosa. Que lutar também pode ser não ficar a exigir reparações de outros ou respeito apenas como uma concessão forçada. 

Quando sim conquistar seu espaço perante todos, crendo que não é um mal querer crescer, sobressair, vencer (desde que de modo ético, respeitável, sem esquecer ao próximo). 

Digo simplesmente qualquer homem e mulher, poder querer mostrar que se é um ser humano com o mesmo direito que todos os demais. O direito a ter a felicidade e a oportunidade de plena satisfação numa vida em fraternidade com aqueles que quiser viver e interagir.

Por tudo isso, que a velha sociedade de um grupo de jovens negros idealistas de uma pequena cidade do Paraná (na época) precisa ser mais conhecida, mais divulgada, mais comentada, mais valorizada e principalmente, mais registrada por outras localidades Brasil adentro. 

Antes que os ventos do esquecimento a consumam, como o pode ter feito a outras comunidades que possamos desconhecer. Logo, que este instigar que faço agora, talvez até possa ajudar a outros “13 de Maio” ser resgatados pela memória coletiva. Quem sabe? Somente o tempo dirá. Se a ele demos o tempo certo.

Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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