MUITO ALÉM DO QUE CONTAM OS LIVROS ESCOLARES: toda a dimensão do que foi o chamado Movimento Tenentista

Um conteúdo importante nas aulas de História nos anos finais do Ensino Fundamental, sem dúvida, é o chamado Tenentismo. Ou, deveríamos dizer Tenentismos? Já que foram algumas rebeliões paralelas que são postas como partes desse movimento que estourou na década de 1920, em diferentes pontos do Brasil.


Eventos como a chamada “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana” no Rio de Janeiro e a “Coluna Prestes” iniciada no Rio Grande do Sul. Que tinham em comum apenas serem formados em sua maioria por jovens oficiais do Exército, principalmente tenentes (por isso o nome Tenentismo) e estarem insatisfeitos com a então vigente estrutura da chamada República do Café com Leite. 

De resto, movimentos espontâneos, quase sem articulação uns com os outros. Exceto pela “Revolução Paulista de 1924” que acabou se fundindo à Coluna Prestes ao se refugiar no Paraná. E que muitas vezes os livros nem a mencionam, por isso mesmo também sendo chamada de a “Revolução Esquecida”.


Trincheira em uma rua paulistana durante a Revolta de 1924

Ou seja, um dentre outros movimentos tenentistas ofuscados em detrimento da exaltação a estes outros dois primeiros: Copacabana e Coluna Prestes. Como é também o caso da "Conspiração Protógenes" liderada em 1924 pelo capitão da Marinha Protógenes Guimarães. Pois, afinal, em quantos livros escolares encontramos referências a esta rebelião no Rio de Janeiro? 

Logo, por isso tudo a questão: Tenentismo ou Tenentismos? Quem sabe? Uma polêmica talvez até boba da minha parte, mas que ajuda a chamar mais à atenção para um pedaço da História brasileira que, mais tarde, irá até mesmo contribuir para a consolidação de um dos maiores divisores de águas em toda a História do Brasil.

E qual seria tamanho fato? Sabem qual foi? Sim, você acertou se disse que foi a chamada Era de Vargas. E a quem não saiba, eu me refiro ao período de 1930 a 1945 em que o político gaúcho Getúlio Vargas se firmou como maior autoridade do Brasil. Impondo transformações inúmeras e profundas em todos os setores da sociedade brasileira. Tanto positivas como negativas. 

Outro recorte histórico que, por sua vez, tanto admiradores como críticos concordam que ele mudou completamente aos destinos deste país num tempo relativamente curto: 15 anos. Tanto que os eventos seguintes pós-1945 até 1989 (a Democracia Populista e o Regime Militar) são reflexos deste legado Varguista, assim como muito da atual estrutura sócio-política-econômica com a qual convivemos. 

Senão vejamos: Que exemplo melhor do que a nossa legislação trabalhista que pouco mudou desde a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943? Certo. Tudo bem, mas qual a relação de Vargas com o Tenentismo que começamos a discutir aqui? Em vários aspectos, indissolúvel. Tal como veremos agora.

Esses “tenentes” antecedem a Vargas na busca por mudanças na totalmente estagnada sociedade brasileira, desde 1889. Assim como eles se fizeram cruciais para que este mesmo Getúlio chegasse ao poder na chamada “Revolução de 1930”. Com os quais, consequentemente, ele decidiu os destinos do Brasil em seus primeiros anos.

Já que o chamado “Governo Provisório” (1930-1934) em boa parte se caracterizou pela presença destes “tenentes” tanto no Governo Federal, como também na forma de autoridades incontestáveis nos mais diversos estados brasileiros. Como Juracy Magalhães (na Bahia), Joaquim Cardoso Barata (no Pará), José Flores da Cunha (no Rio Grande do Sul), João Alberto de Barros (em São Paulo). 

Merecendo destaque dentre todos esses afigura de Juarez Távora. Cujo poder que tinha na região Nordeste inclusive lhe valeu o apelido de “Vice-Rei do Norte”, enquanto delegado militar do Governo Provisório na região Norte-Nordeste. Até que novas mudanças nos rumos políticos do país criaram o rompimento de Vargas com boa parte desses “tenentes”. 

Que por sua vez, anos depois, com o fim da 2ª. Guerra Mundial levaram à deposição do ex-aliado e à redemocratização da nação brasileira. Marcando, a partir deste momento, uma feroz dualidade entre os que se dizem seguidores do ideal de Vargas (“nacionalistas”) e os chamados “entreguistas” que perdurará até 1964.

E então nomes como o do veterano da “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”, Eduardo Gomes e de Juarez Távora, dentre outros; ironicamente, passam para a história como representantes da direita neoliberal e ultra-conservadora das décadas seguintes. Feitos em grandes lideranças dentro da UDN (União Democrática Nacional), segundo maior partido político do país entre 1945-1965.

Nisso, agora como inimigos do ideal varguista, eles buscaram lhe combater incansavelmente. Podendo citar como os momentos mais críticos desta nova fase a oposição destes à criação da Petrobrás no segundo governo de Vargas (1951-1954), uma tentativa de Golpe de Estado em 1955 e por fim o golpe de 31 de março de 1964 que consegue dar fim à democracia populista em boa parte herdada de Getúlio.


Quando, ironicamente estes que tanto combateram o legado varguista enquanto oposição, agora de volta ao poder não conseguem dele todo se desfazer. Já que a partir de então ex-tenentes agora presidiriam o Brasil: Humberto Castelo Branco, Emilio Médici e Ernesto Geisel.


Ernesto Geisel ao lado de Getúlio Vargas em 1940.

Todos ex-colaboradores de Getúlio, rompidos com ele desde a sua deposição com a participação destes. Contudo, mantendo todos eles a maior parte da política nacionalista e intervencionista forjada entre 1930 e 1945 pelo velho mentor de quem tanto discordaram.

Tanto que em verdade, basicamente é apenas no governo Castelo Branco, com os ministros Otávio Gouveia Bulhões e Roberto Campos, que se vê alguma ruptura considerável com essa velha herança política que eles tanto combateram entre 1945 e 1964. Interessante contraste que evidencia ainda mais a complexidade ideológica destes “tenentes”.

Momento em que se faz oportuno destacar que em paralelo aos “tenentistas” que passaram para direita, também houve outros que fizeram o caminho oposto. Sendo o melhor representante deste lado, Luiz Carlos Prestes.

Capitão que liderou a famosa Coluna Prestes que de 1924 a 1927, ao se exilar na Bolívia, Prestes se tornou um dos mais ardorosos militantes comunistas do Brasil. Marcando presença em eventos como a “Intentona Comunista de 1935” e a elaboração da Constituição de 1946. Assim como outro colega seu, Agildo Barata Ribeiro, outro destacado líder nesta já citada rebelião comunista de 1935.

Logo, diante de tudo que colocamos neste breve exposto, pode se entender que o chamado Tenentismo foi algo muito além do que contam os livros escolares. Não se resumiu às revoltas de Copacabana e a Coluna Prestes. Também contou com dissidentes da velha estrutura do Café com Leite, como o Marechal Hermes da Fonseca (então presidente do Clube Militar que iniciou a revolta dos 18 do Forte).

Além de que, apesar do seu fracasso (inicial), esse Tenentismo antecedeu e mais tarde acompanhou às transformações geradas com o movimento de 1930. Tanto como estes tenentistas continuaram a intervir nos destinos do Brasil, nas décadas que se seguiram. Em meio a polêmicas que sempre os acompanharam, antes, durante e depois de Vargas.

Cercados de controvérsias, muitas das quais, apontadas pelo revisionismo histórico. Como, por exemplo, a obra “Coluna Prestes – O Avesso da Lenda”, de autoria de Eliane Brum que, acreditem, para bem ou para mal, tem um lado extremamente positivo. Atiçam o debate, tanto a favor quanto contra estes vultos. E junto maior conhecimento sobre eles.

Portanto, tanto críticos como defensores do legado tenentista, em algo podem concordar: que esse tema não caia no esquecimento. Por isso devendo lhe reconhecer a devida importância como fato histórico. Deste modo, buscando meios de lhe tornar ainda mais interessante para que mais pessoas queiram aprender mais sobre este recorte da história que, em geral, é uma mera menção nos livros didáticos.

Com o cuidado de não se buscar nem heróis a exaltarmos e nem vilões a lamentarmos. Mas pessoas a compreendermos melhor ao que e porque fizeram. Personagens históricos que, ao lhes conhecermos melhor, mais aprenderemos sobre as mudanças e permanências que este Brasil vive. Para deste modo, entendermos que novos passos ousar e que lições do passado aproveitar.


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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