O Tenentismo e a República sempre oligárquica de 1889 até depois de 1930.

A República Velha começou com o golpe militar em 1889 e foi até 1930, quando Getúlio Vargas ascendeu ao poder. Durante estes anos os Estados Unidos do Brasil foi lugar de revoltas e conflitos, e de nenhuma revolução. 


No sertão da Bahia aconteceu o conselheirismo que resultou na violenta guerra civil de Canudos entre 1896 e 1897. Antônio Conselheiro com os canudenses enfrentou quatro expedições contra a sua comunidade igualitária, baseada provavelmente em Tomas More e seu livro “A utopia”. Para Mário Maestri e José Rivair Macedo, Canudos em Belo Monte assemelhava-se com os quilombos brasileiros. Já Edmundo Moniz (1990) inseriu Canudos na História da América Latina, a comparando com a revolução mexicana e com a sociedade incaica:


O socialismo de Antônio Conselheiro, embora utópico, não pode ser contestado pelos que estudaram seriamente a sua vida e a fundação de Canudos. Alguns dos seus contemporâneos de real importância o compreenderam e assinalaram. “Seu socialismo e certas práticas do comunismo- dizia Afonso Arinos- só têm analogia com o comunismo peruano, sob a organização teocrática dos Incas. Ali não havia pobres, todos trabalhavam para a comunidade à medida de suas forças”. A campanha movida contra Antônio Conselheiro a ponto de se apelar para as armas a fim de liquidá-lo, sem o menor respeito à lei e à legalidade, decorria de suas idéias igualitárias que negavam a propriedade privada. “A terra- dizia Antônio Conselheiro- não tem dono. A terra é de todos”. (p. 99)


O fenômeno do cangaço começou durante o império e continuou depois de 1930. Nisso pode-se relacionar com o conselheirismo, que iniciou durante o império com as pregações abolicionistas de Antônio Vicente Mendes Maciel e na década de 1930 inspirou movimentos messiânicos como o de Caldeirão e de Pau de Colher, que criaram suas comunidades igualitárias no modelo conselheirista. Quanto ao cangaço, a História registrou alguns nomes. Antônio Silvino atuou com seu bando em Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. O cangaceiro mais conhecido foi o Virgulino Ferreira, o Lampião, surgido em 1922. Outros cangaceiros famosos foram Jesuíno Brilhante (cearense), Lucas da Feira (baiano), José Gomes Cabeleira (pernambucano), e Zé do Vale (piauiense). 

Em Juazeiro do Norte no estado do Ceará, o padre Cícero Romão e o médico e político Floro Bartolomeu da Costa, participaram da revolta ou sedição de Juazeiro, conflito de 1914 entre oligarquias locais, e contra a influência no estado pelo governo do marechal Hermes da Fonseca. 

Entre 1899 e 1903, Brasil, Bolívia e Peru combateram pela posse do atual estado do Acre. O militar José Plácido de Castro conquistou definitivamente o território para o governo brasileiro com o Tratado de Petrópolis, aonde o Brasil cedeu parte do território do Mato Grosso para a Bolívia. O conflito armado teve participação dos trabalhadores do ciclo da borracha contra o imperialismo estadunidense, praticado através da empresa “Bolivian Syndicate of New York City in North America”.

As agitações políticas por meio das armas não aconteceram somente no nordeste e no norte brasileiro. No oeste destacou-se Filinto Müller, partícipe da Tenentismo e colaborador de duas ditaduras, a de Getúlio Vargas e a de primeiro de abril em 1964, além de admirador do regime hitlerista, tendo visitado a Alemanha nesta época. A Coluna Prestes passou por esta região No sul, em uma região disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná, dez mil pessoas foram mortas durante a guerra do Contestado que se estendeu de 1912 até 1916, Foi um conflito popular contra o capital estrangeiro na região, contra os grandes empresários e os proprietários rurais, com o protagonismo de cerca de 20.000 camponeses e com a liderança do beato José Maria.

O caminho que percorreu a Coluna Miguel Costa Prestes mostra que durante a República Velha todas as regiões brasileiras foram palco de agitações rebeldes.

Na então capital brasileira. o Rio de Janeiro, a reforma urbana que colocava a população mais pobre nas periferias, somada a insatisfação geral com o novo presidente Rodrigues Alves, fez a lei da vacina obrigatória se tornar um estopim de diversas manifestações populares. Foi a revolta da Vacina de 1904. A população via com desconfiança a vacina, duvidando de sua eficácia, além dos pais de família não aceitarem a exposição de partes do corpo para os agentes sanitários de Oswaldo Cruz. Houve destruição de meios de transportes, postes de iluminação, saques de lojas, conflitos com policiais, mortos e feridos.

No mesmo município de Rio de Janeiro os marinheiros se revoltaram contra os resquícios da escravidão em 1910. O Almirante Negro, o marujo João Cândido, foi um destaque na Revolta da Chibata. Segundo Nelson Werneck Sodré (1987),


Era um traço do Brasil arcaico- pretendendo-se moderno- emergindo, em forma de protesto violento: os marinheiros pleiteavam a abolição da chibata, do castigo corporal, reminiscência vergonhosa do escravismo em pleno século XX” (p. 25).

O lema isebiano incorporado por toda obra teórica deste militante historiador, “a contemporaneidade do não coetâneo”, servirá para compreender acontecimentos como a revolta da chibata e a reação contra Canudos, ou seja, a lei de 13 de maio de 1888 não revolucionou as relações sociais no Brasil. 

Como a cronologia é secundária para a compreensão do contexto social da República Velha, os próximos fatos históricos aqui mencionados datam de 1893, quando surgiram duas revoltas contra o presidente Floriano Peixoto: a revolta da armada no Rio de Janeiro e a rebelião federalista no Rio Grande do Sul, que teve duas etapas.

Além disso aconteceram diversas greves operárias, principalmente as de 1907 e a greve geral anarquista de 1917, em São Paulo que parou mais de 50.000 trabalhadores. O sapateiro espanhol de 21 anos José Ineguez Martinez foi o grande mártir, morto a balas por policiais em 09 de julho neste ano. Os combativos grevistas enfrentavam os policiais com vaias e gritos de ordem como “morra a policia”. No Rio de Janeiro as greves gerais culminaram na Insurreição Anarquista de 18 de novembro de 1918, influenciada pelos acontecimentos na URSS. Visavam a criação de "um governo genuinamente de operários e soldados". Conforme o professor Carlos Augusto Addor, “A Insurreição Anarquista de 1918 conta um pouco da história das leis sociais no Brasil, que, longe de poderem ser resumidas a uma concessão magnânima de Getúlio Vargas aos trabalhadores, são, ao contrário, fruto de uma longa e árdua luta operária”. Um dos anarquistas foi Astrogildo Pereira, um dos fundadores poucos anos após do Partido Comunista do Brasil. Provavelmente a greve geral de 1906 e a campanha civilista pela candidatura a presidência de Rui Barbosa ocorrida no mesmo ano da revolta da chibata tenham inspirado e politizado Astrogildo Pereira para as idéias de esquerda a sua época.

Por todos os anos de duração, a República Velha foi um período tumultuado. As crises políticas aconteciam invariavelmente nas batalhas durante as sucessões presidenciais, mas o solo econômico que estruturava esta sociedade provocava por suas razões diversas revoltas, como as citadas acima. Nesta época a rivalidade futebolística na política era entre militaristas e civilistas, a sociedade brasileira não estaria dividida em classes sociais, e sim entre os casacas e os militares. O florianismo era a vertente oligárquica hegemônica de então. Mais uma vez Edmundo Moniz (1990) com a palavra:


Para Floriano Peixoto a sociedade se dividia não em classes sociais, e sim em militares e civis, em soldados e paisanos. Os “casacas” era como depreciativamente se referia aos civis. Quando Deodoro da Fonseca, nas vésperas da proclamação da república, procurou Floriano Peixoto para pedir-lhe apoio, este respondeu: “Se a cousa é contra os casacas, lá em casa eu tenho uma espingarda velha” (p. 69)


E, no entanto, certamente, o movimento que mais abalou a nossa primeira república, esta que surgiu através de um golpe militar e contra os civis, foi o Tenentismo. Aonde houve um entendimento limitado por este elitismo, mas sem deixar de promover um avanço democrático. Em outras palavras, a República Velha teve os seus “ismos”, o principal deles, o florianismo, que limitou, mas não impediu que os tenentes se aproximassem do povo brasileiro.

Propaganda do BOC carioca em 1928, que elegeu Minervino de Oliveira para a Câmara do Distrito Federal. Os comunistas ao fim da República Velha estavam com Minervino de Oliveira, candidato negro ao catete. A Revolução de 30 jogou Minervino na cadeia. Fonte: http://bernardoschmidt.blogspot.com.br/2011/08/as-eleicoes-municipais-de-sao-paulo-em_01.html

O Tenentismo iniciou com o levante a partir da Escola Militar no Rio de Janeiro. No mesmo ano em que foi fundado o Partido Comunista do Brasil, aconteceu a Semana de Arte Moderna e faleceu Lima Barreto. Era também um ano eleitoral, quando as atenções estavam voltadas para as constantes fraudes eleitorais. Para a continuidade do acordo conhecido como Café com Leite, aonde na presidência da república variavam os paulistas e os mineiros, aconteciam as mais variadas formas de corrupções na política. O movimento tenentista surgia principalmente para moralizar os costumes políticos no Brasil. O problema não era a organização da sociedade, sim os homens que estavam no poder. A mídia era apoiadora deste movimento, durante a marcha da Coluna Prestes, criou a alcunha para seu líder de “Cavaleiro da Esperança”.

O levante dos 18 do Forte de Copacabana ocorreu em 5 de julho de 1922, liderado pelo tenente Antônio de Siqueira Campos, e devido ao apoio midiático, comoveu o país, principalmente os jovens oficiais de São Paulo, Rio Grande do Sul e demais estados brasileiros. Dois anos depois aconteceu o segundo 5 de julho, desta vez em São Paulo, cuja resistência durou 20 dias. E não foi derrotado, pois os sobreviventes retiraram-se para o Paraná, aonde a coluna liderada por Miguel Costa uniu-se com a coluna dirigida por Luiz Carlos Prestes.

Luiz Carlos Prestes contava com 26 anos de idade quanto levantou o batalhão ferroviário de Santo Ângelo/RS, contra o governo de Artur Bernardes e em solidariedade a Coluna de São Paulo, em 29 de outubro de 1924. Companheiro de Prestes, o tenente Portela disse a famosa frase que causou problemas e polêmica: “Nós, aqui, também teremos a nossa Tomada da Bastilha.” Neste tempo, Prestes como os demais tenentes jamais tinham ouvido falar em marxismo, exceto o general Olinto de Mesquita Vasconcelos que após Vargas tomar o poder criou a Aliança Democrática 5 de Julho pela redemocratização. O Tenentismo era um movimento liberal. A nossa Bastilha foi em 1930, pela Aliança Liberal e com armas de tenentes que deram a aparência de uma revolução armada, popular e progressista, para um governo que criou a Lei Monstro ou Lei de Segurança Nacional, queimou livros e enfrentou a cultura brasileira. Qual foi a importância histórica principal do Tenentismo, que estava condicionado ao contexto da República Velha? Para Sodré em “Literatura e História no Brasil Contemporâneo” (1987):


A imprensa da época, aliás, quase totalmente na oposição, afinou com aquela proposta e concorreu para popularizar os jovens militares rebelados que pretendiam purificar o regime. A correlação de forças naquela etapa da história da sociedade brasileira, quando o proletariado era ainda quantitativamente reduzido e qualitativamente despreparado e inexperiente, fazia da pequena burguesia a vanguarda nas mudanças em processo: as reivindicações e as reformas refletiam, pois, a referida correlação. Tratava-se do avanço das relações capitalistas e de uma sociedade em que o fato novo estava na ascensão burguesa. Como tudo está em relação com tudo, tal ascensão não era um processo isolado, mas trazia inevitavelmente, outros processos, acompanhando a mudança nas bases econômicas do país. Assim, as greves, as formas de organização assumidas pelo proletariado, a fundação do PCB, partido de classe, o crescimento da imprensa operária e a luta ideológica acompanhavam o conjunto do movimento, particularmente a partir da revolução de Outubro que teve no Brasil, como em todo o mundo, intensa repercussão. A partir daí é que começa a surgir no palco e ocupar a atenção geral todo o complexo processo do que se convencionou a chamar de “questão social” (p. 36-37)

Luiz Carlos Prestes foi de Santo Angelo para a terceira Internacional Comunista, sua coluna invicta representou o auge do movimento tenentista. As Cartas Falsas que ofendiam os militares provavelmente não o tenham motivado para o seu primeiro outubro, pois afirmou em relato que apenas foi um militar por necessidades. Desde cedo percebia, através de serviços de fiscalização nas construções dos quartéis, corrupção também no exército, se desiludindo profundamente. Durante a marcha concluiu que as medidas propostas pelo tenentismo não seriam suficientes para melhorar a vida dos brasileiros pobres, principalmente os camponeses. Mesmo quando estava em primeiro lugar nas pesquisas de opinião, na frente até mesmo de Getúlio Vargas, não aceitou participar da Aliança Liberal, ao contrário de vários de seus ex colegas do movimento tenentista. Mas o Tenentismo ajudou a colocar a questão social na pauta, tanto para Luiz Carlos Prestes, como para Getúlio Vargas. Refletiu as agitações populares contra uma república instaurada para agradar as oligarquias, por isso a divisão da República Velha em duas partes não a explica. De República das Espadas, para República Oligárquica, a mesma República Velha não aboliu o latifúndio. Hoje nossas atenções devem estar voltadas também para o genocídio indígena no Mato Grosso do Sul.

Referências:

MONIZ, Edmundo. Canudos: a luta pela terra. 7 ° ed. São Paulo: Global, 1990.
MORAES, Dênis de. VIANA, Francisco. Prestes: lutas e autocríticas. Petrópolis: Vozes, 1982.
PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes. Patriota, revolucionário, comunista. 2° ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
SODRÉ, Nelson Werneck. Literatura e História no Brasil Contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.



Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.

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