OS MISTÉRIOS DE CALÇOENE: O que ainda está por se descobrir de suas formações megalíticas?

Possivelmente, muitos dos que lerem este artigo, já devem ter ouvido falar de Stonehenge. Exatamente! Me refiro ao grande círculo pré-histórico de monumentos de pedra, na Inglaterra, que remonta ao ano 1.900 a.C. O qual é muito comentado pelos mistérios que o envolvem como também pela grandiosidade de sua engenharia, a despeito de seus recursos extremamente limitados. 

Por outro lado, quantos que, de certo, sabem que no Brasil, nossos índios realizaram uma proeza arquitetônica semelhante? Pois sim, eles fizeram. Uma estrutura semelhante, mas não idêntica. 

Que pode ser vista na localidade de Calçoene, cidade litorânea do estado do Amapá (norte do Brasil). É lá que se encontra um conjunto de, pelo menos, 127 rochas dispostas em formato circular. Dispostas no topo de uma colina, que já é de conhecimento da comunidade cientifica, desde o final do século XIX. 

Quando o naturalista Emilio Goeldi (1859-1917) fez ali as primeiras observações arqueológicas sobre o mesmo. Seguido, na década de 1920, pelo etnólogo alemão Curt Nimuendaju, que registrou a algumas estruturas de menor porte no local. 

Tal qual, já na década de 1950, esta área também já foi estudada pelo casal estadunidense, Betty Meggers e Clifford Evans. Os quais, já nesta época se impressionaram com a grandiosidade deste complexo arquitetônico pré-histórico.

Forte impressão que, todavia, não foi suficiente para manter as atenções sobre este local. Uma vez que, após estes primeiros estudiosos, todo esse grande achado acabou por cair no mais completo esquecimento. 

De modo que, somente a partir de 2005, pela iniciativa do casal de pesquisadores, Mariana Petry Cabral e João Saldanha, quando estes saíram do Rio Grande do Sul para iniciar -do zero- o setor de arqueologia do IPEA (Instituto de Pesquisas Cientificas e Tecnológicas do Estado do Amapá) que o meio acadêmico voltou novamente sua atenção a este antigo complexo. 

O qual, apelidado pelas pessoas de “Stonehenge brasileira”, se revela mais do que uma versão tropical do círculo de pedras britânico. Visto que o sitio arqueológico de Calçoene é uma obra primitiva de originalidade distinta. Por outro lado, a despeito de seu aspecto, à primeira vista, de um mero amontoado de formações rochosas, como se vê na imagem abaixo, conforme o observamos, vemos que ele nos levanta várias questões, tal como a Stonehenge inglesa até hoje nos instiga.

 observatório astronômico

A começar pelo fato de que não há certeza sobre a sua utilidade, mas se supõe que ele tenha sido um antigo observatório astronômico das antigas populações nativas da região. Por essa razão, chamado o complexo de Observatório Astronômico de Calçoene. A despeito de que seu uso, certamente ia além da observação dos céus.

Já que, pelo que pode se apurar com as estruturas descobertas, denominadas de poços funerários, construídas juntas aos monólitos, o local também servia para sepultamento de mortos. 

Três urnas funerárias intactas foram encontradas, em uma formação triangular, na parte inferior do primeiro poço, próximo ao círculo. Ao passo que no segundo “poço”, outras urnas também intactas, assim bem como algumas tampas foram encontradas. 

Restos humanos cremados juntos a esses cacos e nas urnas sugerem que tais espaços eram ou locais de sepultamento ou que selecionavam aos restos humanos para um segundo enterro lá, porque dados vultos foram pessoas significativas em sua comunidade. 

Inclusive diante do que afirma o (já mencionado) arqueólogo João Saldanha, do IEPA, de que "Há outros monumentos menores, na área, mais modestos, provavelmente para o sepultamento de pessoas menos importantes".

Descoberta esta que evidencia uma possível estratificação social. Além de outros indícios de que ali havia uma sociedade bastante complexa. Tais como fragmentos de tigelas e outras peças de cerâmica que foram encontrados em covas menores por perto do ponto central de estudos. Taças, tampas e urnas que foram encontrados ostentando formas de animais e figuras semelhantes a humanos.

artefatos arqueológicos encontrados na região de Calçoene

Nisso, baseando-se nas características de fragmentos cerâmicos encontrados nas redondezas do sítio arqueológico, seus estudiosos estimam que a idade do complexo esteja entre 500 e 2.000 anos. Seu círculo apresenta 30 m de diâmetro, com pedras de granito de até 4 m de comprimento. 

Dentre estes, vale destacar um dos blocos, porque a posição do mesmo se fez de modo que o sol, durante o solstício de inverno (o dia mais curto do ano) no hemisfério norte (em 21 de dezembro), fique diretamente sobre ele, fazendo a sua sombra desaparecer. 

Sendo que preocupação em registrar este período teria como razão, as alterações climáticas que se seguiam, ainda de acordo com Saldanha, comentando que este "É um período marcado pela chuva, que muda completamente a paisagem, trazendo alimentos em abundância". 

Ocorrendo que justamente por este alinhamento de suas rochas que, os que analisam a este sítio arqueológico, acreditam se tratar de um observatório astronômico. O qual revela a existência passada de uma cultura muito avançada. Tão desenvolvida, que chegou a despertar teorias, na década de 1950, por parte de Meggers e Evans, de que esta não poderia ser obra de populações autóctones (originais de lá mesmo). 

Por entenderem que o ambiente da Amazônia é pobre demais para suportar aldeias densas e permanentes. De modo que em seu entender, tal obra seria de autoria de comunidades migrantes dos Andes ou do Caribe, que seriam culturalmente mais “avançadas”. 

Ledo engano. Pois toda esta estrutura foi uma criação genuinamente amazônica. Pelo menos, pelo que pode se apurar com o estudo dos já mencionados poços funerários, juntos aos grandes blocos. 

Pois nelas, se encontrou cerâmicas que pertencem à fase Aristé (ou Cunani), que é um tipo de louça cerimonial, com pinturas em quatro cores e urnas antropomorfas, pertencente a uma tradição cerâmica característica de povos amazônicos. Ainda que estes indícios ainda não respondam à questão sobre onde viveriam os frequentadores destes círculos.

Uma vez que o trabalho com a disposição destas rochas mobilizava muita mão de obra. O que, exigia, por sua vez, uma maior quantidade de alimentos que permitisse que um menor número de pessoas se ocupasse com a subsistência. 

Sendo que uma explicação possível é a de que a necessária abundância para isso viria não da produção agrícola, mas da caça, pesca e coleta de caranguejos. A qual, todavia, não pode ser tida como conclusiva.

Assim como tantas outras questões que somente com tempo e dedicação podem ser esclarecidas. Principalmente tempo. O que é incerto garantir. Pois como podemos ter certeza sobre o que o futuro poderá reservar a este grande patrimônio histórico? Não corre ele o risco de tornar a cair no esquecimento como outrora já acontecera? 

Bem, vejamos... O Governo do estado do Amapá pretende transformar o local num parque arqueológico. Onde se espera a abertura de um museu para guardar as inúmeras peças já encontradas e ainda por encontrar. A construção do parque arqueológico e do museu na cidade de Calçoene estava já estava até orçada (em R$ 5 milhões), quando foi noticiada em 14 de abril de 2013, pelo portal Amazônia.com. 

Um esforço que, se levado até o fim, não apenas trará retorno econômico ao Amapá, através do turismo até lá; como também na forma de um novo elemento de afirmação em nossa identidade nacional. Além do preencher de mais uma lacuna sobre este vasto primórdio da humanidade que muito nos perturba em tanto querermos saber e tão pouco nós termos, de fato, alguma certeza sobre o nosso princípio.

Logo, somente o tempo pode nos dizer o que ainda está por se descobrir das formações megalíticas de Calçoene. Que revelações ainda podem estar por surgir conforme os estudos sobre este local forem avançando? O que mais pode a América pré-colombiana vir a nos surpreender sobre o seu passado?

Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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