EDUCAÇÃO CENSURADA! MANIFESTO CONTRA A ABERRAÇÃO QUE CHAMAM DE “ESCOLA SEM PARTIDO”

Na História brasileira movimentos com fortes componentes populares deixaram em polvorosa os setores mais conservadores e reacionários da nossa sociedade – em 1935 quando aconteceram revoltas anti-fascistas em Natal, Recife e no Rio de Janeiro, o governo de Getúlio Vargas respondeu com a Lei de Segurança Nacional e a ditadura do Estado Novo; em 1954 o suicídio do mesmo Getúlio Vargas levou a população às ruas contra os entreguistas e inimigos políticos do presidente, poucos meses depois um Congresso conservador foi eleito; em 1961 após o governador Leonel Brizola convocar a população para resistir a um golpe veio o retrocesso da “emenda parlamentarista”; em 1964 com o avanço galopante da bandeira das Reformas de Base um golpe civil-militar iniciou uma ditadura de 21 anos; em 2002 após os anos de conservadorismo neoliberal do PSDB todos acreditaram que o PT fosse uma alternativa popular mas acabou adotando venalmente este mesmo projeto que jurou combater. A dialética se deu da seguinte forma: reação popular (tese) > reação conservadora (anti-tese). Como estamos vendo hoje, quando a História continua se apresentando de maneira contraditória.

Em plena vigência do conservadorismo neoliberal petista, movimentos com elementos de contestação surgiram de forma variada em diversas partes do Brasil. Os movimentos pelo passe livre, que em 2013 iniciaram uma onda de protestos gigantescos nas grandes cidades do país. As ocupações em diversas escolas públicas pela melhoria das condições de estudo e de trabalho. Ora, ambos movimentos obtiveram suas complexidades, e suas vitórias, ainda que ricas em limitações. As manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público tiveram êxito em diversos estados; bem como os secundaristas de São Paulo barraram a reorganização imposta pelo governador Geraldo Alckmin do PSDB. Mas o Movimento dos Secundaristas motivou o avanço do Movimento Escola Sem Partido.

Vimos que em resposta a este cenário de ocupações foi enfatizada uma campanha em torno do programa da Escola Sem Partido, quando os liberais brasileiros pediram socorro do Estado, para impedir a continuação deste processo de politização dos estudantes, para muito além da polarização dos petralhas contra os coxinhas.

Vejamos quais são as propostas do Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/2016 de autoria do deputado Magno Malta do PR/ES. O seu texto tem como palavras chave a “liberdade”, a “neutralidade” e o “pluralismo”. Liberdade para aprender e ensinar, de consciência e de crença. A neutralidade do professor deve existir quanto a política, ideologia e religião. Pois o educando é a parte vulnerável na relação aluno e professor. A pluralidade de ideias deve existir na academia, mas não nas escolas. Aonde as ideias a serem transmitidas deverão ser a dos pais dos alunos. Mas e se estes pais, eles mesmos, tiverem ideias divergentes, em questão de moral e de religião? A temática sexual, ainda que seja com a intenção de confrontar educativamente contra a homofobia e outros preconceitos, não deverá constar nas escolas.

O Programa Escola Sem Partido, que é o embasamento deste PLS, propõe que obrigatoriamente seja afixado em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio um cartaz com um conteúdo que visa inibir e constranger a educação escolar:

Deveres do professor

No quarto artigo do PLS, assevera-se de que os pais deverão selecionar os conteúdos para a sala de aula, conforme seus princípios, concepções e valores. No mesmo artigo, em parágrafo único, foi proposto que a escola deverá informar aos pais quais os temas ministrados e quais enfoques dados. Pois os alunos são vulneráveis, afinal. Talvez numa escola particular este método de seleção por parte dos pais funcione, mas quando se refere a educação pública é completamente estúpido. Deve-se entender a escola pública como um instrumento de libertação, onde o aluno possa ter uma visão crítica não apenas das desigualdades que o cercam, mas que também lhes deem condições de pensar sua mudança concreta; mostrando para estes alunos visões de mundo distintas e não apenas aquela restrita de seu núcleo familiar (esta descrição é de um modelo ideal de escola pública, algo que ainda está muito longe de acontecer no nosso país).

O dispositivo de lei deverá ser aplicado a todas as políticas educacionais, a todos os materiais didáticos, a todas avaliações para ingresso no ensino superior, provas de concurso (aquelas aonde os classificados de um modo geral não são chamados), às instituições de ensino superior. A justificativa possibilita o entendimento de que existe apenas uma forma de família, de gênero e de sexualidade entre os pais dos alunos, que são vulneráveis, afinal, do ensino básico, passando pelo ensino secundário, chegando as universidades, todos uma folha em branco, a ser preenchida pelo professor. Em outras palavras, sempre manipulados ou cooptáveis. O projeto não esconde sua essência fascista na frase: “Liberdade de ensinar [...] não se confunde com a liberdade de expressão”. 

Em 2016, a professora de sociologia Gabriela Viola foi afastada de suas funções pois usou palavras como Mais Valia e Luta de Classes, em uma atividade com música parodiando um funk, em Curitiba, Paraná. Na realidade das escolas, muitas vezes o programa Escola Sem Partido tem força de lei. Por isso, o PLS é conhecido popularmente como “lei da mordaça”. Através de uma crítica a uma afirmada tendência do professor tentar fazer dos alunos réplicas de si, o programa visa transformar os estudantes em réplicas de seus pais. A liberdade não entra neste detalhe. Como não entra em minúcias sobre a liberdade do professor em sala de aula, ao propor uma lei de proibições. O PLS limita a liberdade na educação escolar, daí considerá-lo fascista, anti-liberal.

Para piorar a situação este “Movimento Escola Sem Partido” tem um site, aonde o próprio líder do movimento assinou um artigo cujo nome é "Juristas confundem liberdade de ensinar com liberdade de expressão", confirmando o teor fascista de suas ideias; e o PLS está motivando alguns políticos oportunistas que desejam “surfar na onda” para angariar visibilidade de parte do eleitorado conservador: como o deputado estadual pelo Rio Grande do Sul Marcel Van Hatten do PP e do vereador de Porto Alegre Valter Nagelstein do PMDB.

Professor Éder Silveira

O professor Éder Silveira da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre em entrevista nos diz: “O que incomoda muito neste projeto é a tentativa de criar um factoide afirmando que as escolas são fábricas de doutrinação. Um artigo publicado há alguns dias pelo deputado Marcel van Hattem é um exemplo de como esse tema funciona como uma cortina de fumaça. As escolas gaúchas estão ocupadas. Qual é a explicação dele? É culpa do PT, do PSOL, da esquerda, do comunismo bolivariano. Faça-me o favor… Na verdade, são escolas em situação precária, com baixo investimento, um problema histórico das escolas no Rio Grande do Sul. Eu fui aluno de escola pública nos anos 80 e conheço bem essa realidade. Naquela época, a situação das escolas já era precária e, pelo que sei, essa precarização não cessou. É por isso que os alunos estão ocupando as escolas. Os estudantes também se manifestaram duramente em 2013, durante o governo Tarso Genro. Não há base, portanto, para essa afirmação do deputado Van Hattem. Aliás, me parece que toda essa discussão proposta pelo projeto da Escola sem Partido é marcada pela falta de base. Os seus proponentes têm muita dificuldade de definir o que é doutrinação, o que é ideologia. Em um livro chamado 'Ideologia', Terry Eagleton apresenta dezesseis definições diferentes de ideologia em dezesseis autores diferentes. Ideologia não é um conceito único. Um de seus pressupostos é que todo discurso, mesmo aquele que almeja neutralidade, é atravessado por uma ideologia, por uma forma de ver o mundo. É uma lente mediante a qual o indivíduo se coloca no mundo e o interpreta. Não há a menor possibilidade de imaginarmos que exista um tipo de discurso neutro. Essa neutralidade não existe na ciência e muito menos nas ciências humanas. Isso é absolutamente incompatível com todo o debate no campo das ciências humanas no século XX, seja qual for a escola de pensamento que escolhamos. Por outro lado, dizer que não há neutralidade não significa defender a partidarização ou algo do tipo”.

O site do senado elaborou uma consulta pública sobre o projeto. Até dia 26 de julho a consulta registrava mais de 173 mil votos favoráveis e cerca de 183 mil votos contrários. Mas o PLS por nós muito brevemente analisado acima faz parte do chamado "Pacote Escola Sem Partido", uma "árvore de projetos" que tramitam em casas legislativas de estados e no Distrito Federal e em Câmaras dos Vereadores em vários municípios, voltados contra uma suposta "ideologia de gênero", mas na verdade são ataques principalmente às questões de gênero e sexualidade que têm acontecido em todo o Brasil.


Faça sua parte e não deixe esse projeto avançar:

Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.

2 comentários:

  1. Aposto que esse projeto é para beneficiar políticos como Bostonaro. Quem não possui viés critico, vota nele.

    ResponderExcluir
  2. No es posible, por un decreto ley, evitar que los cerebros piensen. Ya lo decía Paulo Freire " la educacion es un acto politico", y uno de sus discípulos añadia " y también es un acto armado", donde una de las "armas" sería la capacidad de pensamiento crítico que nunca será enajenado, porque es inherente a la raza humana.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...