MISÉRIA DAS NAÇÕES: A DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

O capitalismo divide o mundo, os espaços e a produção de bens. A principal divisão atual do capitalismo só pode ser entendida através da Divisão Internacional do Trabalho.


Mas o que é a Divisão Internacional do Trabalho?

Segundo o escritor uruguaio Eduardo Galeano “A divisão internacional do trabalho significa que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder.”[1]

Mas você pode se perguntar “que país (ou países) se especializariam em perder?” A primeira vista isto pode parecer uma burrice, mas ao entendermos a lógica da divisão internacional do trabalho do ponto de vista histórico, vamos compreender porque países se especializam em perder; pois até nas perdas há um ganho para alguns (por mais absurdo que pareça).

No início do século XIX, a revolução industrial inglesa estava se expandindo pela Europa. Ocorre que nesta mesma época a França, inimiga secular da Grã-Bretanha, era governada por Napoleão. Este não queria a influência econômica da indústria inglesa nos demais países europeus e tratou de mover uma série de guerras contra os aliados dos ingleses. Mas se na Europa as guerras de Napoleão tinham por objetivo fechar os mercados para os ingleses, na América Latina estes mercados estavam se abrindo com os movimentos de independência [2] . Os criollos latino-americanos queriam se livrar das garras coloniais da Espanha e comercializar livremente com a Inglaterra. No Brasil colônia, a coroa portuguesa já havia em 1808 estabelecido uma série de acordos comerciais com os ingleses, abrindo o país para os produtos made in England e para os bancos.

Paralelamente, nos Estados Unidos, que já estavam independentes, a indústria começou a caminhar com as próprias pernas: muitos imigrantes ingleses que chegavam nos EUA traziam consigo, na sua memória ou escondidos em suas malas, as técnicas de como construir máquinas – operários na Inglaterra esses imigrantes viraram verdadeiros vendedores de ideias para os estadunidenses que queriam fazer sua própria revolução industrial.

A vitória dos movimentos de independência foi também uma vitória para a Inglaterra. Os banqueiros ingleses emprestaram muito dinheiro para os líderes criollos, como Simon Bolívar. Mas não só dinheiro mas armas, navios, soldados. Quando os criollos transformaram as colônias em países independentes, as dívidas dos grupos rebeldes que lutaram pela emancipação, se tornaram dívidas dos países recém-criados! Agora os governos deviam para os banqueiros europeus. Para pagar estas dívidas os governos latino-americanos, sejam de viés conservadores ou liberais, optaram por priorizar a produção de itens que os países europeus industrializados (principalmente a Inglaterra) precisavam para suas indústrias; ou seja, produzir matérias-primas para que as indústrias inglesas e europeias transformassem em produtos – que por sua vez seriam revendidos para uma classe de ricos proprietários de terras, minas (ou até donos de trabalhadores escravizados como no caso brasileiro, por exemplo) na América Latina. Percebeu? Os governos latino-americanos produziam, enviavam a sua produção para a Europa, que os industrializava e vendia para os governos latino-americanos – lucrando com isto. Na prática, isto era uma continuação do velho sistema colonial[3]

Desta forma, os governos dos países latino-americanos incentivaram a produção daquelas matérias-primas que tinham alto valor na Europa: lã, trigo e carne (Argentina, Uruguai); café, cacau, açúcar, algodão (Brasil, Caribe), laranja, bananas (América Central), cacau (México). No fim do século XIX, novas tecnologias e fontes e energia surgiram, pois a indústria europeia se desenvolvia (enquanto na América Latina poucos tocavam nesta questão). Assim países como a Venezuela entraram nessa divisão com o petróleo; a Bolívia com o estanho e o Chile com o cobre – metais muito usados na indústria armamentista e alimentícia. “Para os países latino-americanos, era muito difícil fabricar produtos tão baratos quanto os produtos dos norte-americanos [estadunidenses] e dos europeus, que tinham muito mais experiência e tecnologia. Triste realidade para a América Latina: exportávamos cacau e importávamos chocolate, exportávamos petróleo e importávamos óleo, vendíamos minério de cobre e comprávamos fios e peças de cobre, vendíamos algodão e comprávamos tecidos feitos com esse algodão...”[4]

charge sobre capitalismo

Obviamente, este sistema mundial de dividir o mundo entre países produtores de matérias- primas e países industrializados com alta tecnologia, não se deu apenas entre Europa e América Latina. Este sistema se estendeu à Ásia e a África. Os industriais e os banqueiros mais influentes do capitalismo, que agora se expandia em escala mundial, estavam cada vez mais unidos: armas, dinheiro e máquinas para dominar o mundo. É o imperialismo estendendo seus tentáculos pelo mundo. Os Estados Unidos, que no final do século XIX já tinham roubado do México boa parte de seu território, também se lançou na corrida imperialista[5]

Com a grande crise de 1929, o capitalismo imperialista dos núcleos centrais (EUA e Europa Ocidental), acabou se enfraquecendo momentaneamente. Houve uma retração. Esta retração possibilitou que países submetidos à Divisão Internacional do Trabalho, tais como Argentina, Brasil, Chile e México (países que já tinham uma estrutura interna que possibilitava a diversificação na produção) aplicassem o que veio a ser chamado de “substituição de importações”. Ou seja, os países não mais teriam que importar tecnologia de outros países, mas se utilizariam de seus próprios recursos para produzi-las. Dois casos bem relevantes neste contexto: o do Brasil e do México.

No Brasil que durante o primeiro governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945) criou indústrias de automóveis e máquinas agrícolas (FNM – Fábrica Nacional de Motores; VMAG – Veículos e Máquinas Agrícolas), siderúrgica (Companhia Siderúrgica Nacional) e de extração de minérios (Companhia Vale do Rio Doce). Nos anos seguintes ao golpe que derrubou Vargas em 1945, os governos se esforçaram para conter esse avanço nacional-desenvolvimentista – pois na prática seria uma ruptura radical à lógica espoliativa da Divisão Internacional do Trabalho. Já no México, o governo nacionalista de Lázaro Cardenas, enfrentou o imperialismo e nacionalizou, nos anos 1930, o petróleo e as ferrovias do país.[6]

Esses projetos nacionais, contudo, sofreram sanções e boicotes de todo o tipo. Políticos, banqueiros, fazendeiros, industriais latino-americanos na maioria das vezes preferem se manter reféns do capital internacional do que desenvolver o capitalismo autônomo nos seus respectivos países – a mente destes indivíduos ainda é colonizada...

Hoje em dia, esta lógica antinacional, continua. Quando se fala em commodities por exemplo. Esse termo “commoditie” é uma palavra “bonita” para matéria-prima. A Argentina e o Brasil, no início dos anos 2000, viveram uma alta dos preços das matérias-primas/commodities que possibilitou políticas “sociais” nestes países. Contudo, quando o preço das matérias - primas/commodities caiu, os países se viram em uma crise econômica que trouxe consequências políticas – golpe contra a presidenta Dilma no Brasil, fim da “era Kirchner” na Argentina.

A Divisão Internacional do Trabalho, é a forma contemporânea do antigo sistema colonial, que prende o desenvolvimento da América Latina desde do século XVI. Mas atualmente não há mais o chamado “exclusivo metropolitano”, ou mesmo instituições como os vice-reinos, ou capitanias, para regular o atual sistema espoliativo. As antigas instituições coloniais foram substituídas por organismos “paraestatais” como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Consenso de Washington.

Notas:

[1] GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013, p. 17.

[2] Para saber mais sobre os movimentos de independência acesse: http://geaciprianobarata.blogspot.com.br/2014/05/pensando-as-independencias-na-america.html


[4] SCHMIDT, Mário Furley. Nova história crítica, 7a série. São Paulo: Nova Geração, 2002, p. 253.

[5] Para saber mais leia O Imperialismo dos Estados Unidos, disponível em: 

[6] Para saber mais leia O governo de Lázaro Cárdenas no México, disponível em: 

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Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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