Jump Jim Crow: Reconstrução e segregacionismo no sul dos EUA após a Guerra Civil

Após a terrível Guerra Civil, de 1861 a 1865, os Estados Unidos passou pela fase da reconstrução do sul; ao mesmo tempo em que se gestava o segregacionismo. O sul, arrasado pela guerra, por ter sido o palco dos combates, se tornou alvo de debates entre os políticos. Era preciso reconstruí-lo; mas dentro da nova ordem, da ordem capitalista nortista, vencedora da guerra.


Assim, surgiram no Congresso, dois grupos: os “radicais” e os “moderados”. Os radicais queriam a reconstrução do sul com a inclusão dos negros na sociedade – usufruindo todos os direitos dos demais cidadãos estadunidenses, incluindo o direito de voto. Os moderados, por sua vez, queriam a reconstrução do sul em acordo com os fazendeiros sulistas, inclusive indenizando-os, enquanto não garantiam nenhum direito aos negros recém-libertos da escravidão. O presidente Lincoln, que simpatizava muito mais com os moderados, foi reeleito em 1865. Pouco tempo depois acabou assassinado por um confederado descontente, o ator de teatro John Wilkes Booth. Quem assume a presidência é o vice Andrew Johnson.

Enquanto isso, os congressistas, liderados pela facção majoritária dos radicais – cujos nomes mais proeminentes são Thaddeus Stevens, Benjamin Wade e Charles Summers – levaram a cabo a chamada “reconstrução radical”, com uma grande intervenção política da União nos Estados sulistas; inclusive o envio de tropas federais. Mas havia muitos derrotados na guerra civil que estavam descontentes com essa forma de reconstrução. Não é a toa que neste mesmo período surgem alguns grupos racistas que se utilizavam de métodos violentos, como o linchamento e o assassinato, para exterminar os negros da sociedade. A organização Ku Klux Klan (também chamada de KKK – surgida em Nashville em 1867) é o mais conhecido destes grupos, que aumentava à medida que a reconstrução radical tentava inserir os negros na sociedade como verdadeiros cidadãos estadunidenses.

Ku Klux Klan

A ideia de incorporar os negros na sociedade não eram aceitas por muitos sulistas, como atesta os chamados Black Codes (Códigos Negros) que restringiam liberdades e ainda tinham disposições sobre a questão do trabalho. Ou seja, negros não podiam exercer funções especializadas e em alguns Estados só podiam exercer funções domésticas e rurais. Permanecendo, assim, sob as garras de seus antigos senhores.

Os Black Codes se tornaram ilegais após a aprovação da 14o emenda (a Lei dos Direitos Civis, aprovada pelo Congresso em 1866, embora tenha sido vetada pelo presidente Johnson). Em resposta, vários Estados sulistas aprovaram diversas leis chamadas de leis Jim Crow. As leis Jim Crow tinham como princípio a ideia de “separados mas iguais”. Os negros eram aparentemente iguais em direitos, podiam ser educados e frequentar bares e teatros, mas em seus “devidos lugares” – separados dos brancos. A partir de então, era comum em vários lugares as placas indicando o lugar dos negros e dos brancos: seja em restaurantes, estações de trem, banheiros, bebedouros e escolas. Os negros só podiam entrar e permanecer em lugares onde a placa permitia. O nome “Jim Crow” vem de uma canção popular chamada Jump Jim Crow, em que seu intérprete (geralmente um branco) pintava o rosto de preto, imitando um negro.

As leis “Jim Crow”, permaneceram separando negros e brancos nos Estados sulistas até a década 1960!

Em 1869 foi eleito o “herói” de guerra, o general nortista Ulysses Grant. A presidência de Grant marcou o fim da “reconstrução radical” e também representou uma nova aliança entre as elites perdedoras no sul e as elites vencedoras do norte. Os fazendeiros sulistas, se viam ressentidos pela derrota na guerra e pela intervenção federal na política, que libertou os negros ao mesmo tempo em que lhes tirou o poder das mãos. Paralelamente a aplicação das leis Jim Crow, o presidente Grant evacuava as tropas federais que ainda interviam sob o comando dos radicais do Congresso. A “reconstrução radical” dava lugar progressivamente aos moderados e conservadores.

Em 1877, o sucessor de Grant, Rutherford Hayes, só conseguiu se eleger após um “acordo” conhecido como “Compromisso de 1877”; pelo qual o presidente se comprometia a retirar as tropas federais dos últimos Estados em que elas ainda interviam em apoio aos governos republicanos – Carolina do Sul, Luisiana e Flórida.

Com a eleição de Hayes termina a chamada “Era da Reconstrução” do sul. Com as leis segregacionistas, a antiga elite do sul foi restabelecida no poder. Os negros eram vítimas de grupos racistas como a KKK e ainda não tinham o mesmo padrão de vida de muitos brancos. Além do que, as condições em que trabalhavam eram muito semelhantes à antiga e extinta (no papel) escravidão – muitos não tinham nem mesmo direito a terra (o Homestead Act, só se aplicava a terras não cultivadas).

Sendo assim, uma guerra que aparentemente foi feita para combater a escravidão, colheu os frutos de uma segregação rigorosa. A sociedade do sul permaneceu basicamente rural. Os negros, sem nenhum amparo social devido às pressões dos grandes proprietários, passaram a viver em pequenos lotes de terras, distribuídas pelos seus antigos “donos”, e tinham que entregar a metade do que produziam nessa terra para ele; viviam em regime de servidão, embora fossem juridicamente livres.

O que mudou efetivamente foi que o norte tinha imposto sua política protecionista, transformando o sul e o oeste, em pleno desenvolvimento, em uma espécie de “colônias internas”, fornecendo matérias-primas para suas possantes indústrias e transformando-se em mercados para seus produtos e capitais.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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