OLIGOPÓLIO MIDIÁTICO |
Contra um dos princípios básicos da democracia, a liberdade de expressão, se ergue, no Brasil, um grande sistema de oligopólio midiático. Empresas privadas coniventes e aliadas com tudo que há de perverso no capital internacional, dominam rádios, redes de televisão, jornais, sites, blogs, editoras e até mesmo empreiteiras. Impérios da mídia que surgiram sob as benesses de governos e ainda hoje reinam absoluto na esfera da comunicação.
Mesmo com a crescente interação das pessoas com as chamadas “redes sociais”, o grande oligopólio midiático se mantém impondo suas versões tendenciosas de fatos que vendem como “informações”; e até mesmo moldando as mentes menos esclarecidas. Em certa medida, este controle que os grandes oligopólios exercem sobre as pessoas é explicado pela deficiência na educação básica: as pessoas não sabem usar as possibilidades que a internet traz, usam-na geralmente para buscar conteúdos muito específicos e as informações ligadas a política, cultura ou sobre a sociedade, em geral, são buscadas em sites ligados ao oligopólio – mantendo o círculo vicioso de dominação da “informação”. Redes sociais como o Facebook, se transformam em instrumentos de “copia e cola”, muitas vezes de “notícias” infundadas e disseminadas como se fossem verdades e/ou fatos.
A formação deste oligopólio está intimamente ligada ao desenvolvimento capitalista no nosso país (visto que temos uma realidade histórica própria e estamos inseridos num contexto mundial que muitas vezes até dificulta um desenvolvimento ainda maior do capitalismo no Brasil[1]).
Recuando no tempo até o século XIX, é possível identificar alguns casos de mídia (impressa) de cunho nacional. É o caso do jornal Sentinela da Liberdade do revolucionário Cipriano Barata[2]. Num contexto em que o sistema colonial estava prestes a desmoronar e movimentos de independência estouravam em todo território brasileiro, nada mais significativo do que estes jornais tratarem sobre o assunto – divulgando as ideias liberais e políticas da revolução francesa de 1789: república, liberdade, igualdade, fim da escravidão.
Já no início do século XX foi criado o rádio, a partir das pesquisas do padre Roberto Landell de Moura[3]. Nas primeiras décadas daquele século, novas tecnologias foram sendo aplicadas ao rádio, principalmente nos EUA – que após a guerra de 1914-1918 viviam um “boom” da cultura do consumo aos moldes do liberalismo laissez-faire; os chamados “loucos anos 1920”. Na realidade daquela época nos Estados Unidos, o rádio passou a ser utilizado como veículo de propaganda, as rádios viraram empresas. Surgiram alguns magnatas da mídia, que ao mesmo tempo possuíam estações de rádio e jornais. Diferente do Brasil, entretanto, o governo dos Estados Unidos criou uma regulamentação da mídia em 1934 que proibia mídias cruzadas: o dono de um jornal não podia ser dono de uma estação de rádio; mais tarde isto se aplicou às emissoras de televisão. Enquanto que no Brasil, donos de jornais, viraram donos de rádios e mais tarde de emissoras de televisão.
Um dos casos mais marcantes do uso do poder midiático (entendido aqui como emissoras de TV, rádios e jornais) para promover interesses pessoais é o de Assis Chateaubriand (1892-1968) e sua empresa: Diários Associados. Chatô (como ficou popularmente conhecido na literatura) construiu seu império midiático ao longo dos anos 1920 até os anos 1950 – quando inaugurou a TV Tupi em São Paulo, a primeira emissora de televisão do Brasil. Chateaubriand manteve, ao longe de sua conturbada carreira, relações que variavam entre amizade e ódio com algumas personalidades da sua época como Francisco Matarazzo Jr. (herdeiro de um império industrial que ia do ramo têxtil ao alimentício) e Getúlio Vargas. Seus jornais apoiaram a Revolução de 1930, a intentona paulista de 1932, e o golpe de 1964; tudo de acordo com as ideias de seu proprietário.
Contudo, já no início dos anos 1960, o império midiático de Chatô começava a declinar. Mas a personalidade instável de Assis Chateaubriand gerava uma certa desconfiança em muitos setores militares; que preparavam o golpe e o consolidaram em 1964. Entretanto, os militares golpistas trataram de arranjar logo um substituto para Chatô no posto de magnata da mídia: Roberto Marinho.
Roberto Marinho (1904-2003) herdou de seu pai, Irineu Marinho, um jornal pouco expressivo chamado O Globo. A partir da década de 1930, passou a investir em muitos outros ramos da econômica até seu ápice em 1965 com a criação da Rede Globo de televisão. A Rede Globo “é o centro de um império que abrange mais de quarenta empresas atuando em diversos ramos da economia. [...]. O grupo econômico encabeçado por Roberto Marinho inclui ainda empresas envolvidas em diversos outros ramos: indústria de bicicletas, indústria eletrônica, indústria de telecomunicações, negócios imobiliários, agricultura e pecuária – destacando-se fazendas na Amazônia – mineração, distribuidoras de títulos e valores, entre outras [...].”[4]
Sendo assim, Roberto Marinho virou o homem certo que os golpistas procuravam para ocupar o lugar de Assis Chateaubriand – visto que a partir dos anos 1960 o rádio e os jornais começavam a rivalizar com a crescente dos aparelhos de televisão.
No início dos anos 1960, o grupo Globo controlado por Marinho começou uma suspeita aproximação com o grupo de mídia Time-Life dos Estados Unidos; cujo proprietário Henry R. Luce tinha suas ligações com as alas mais reacionárias do Partido Republicano estadunidense. Alguns acordos entre o grupo Globo e Time-Life foram alvos de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no ano de 1966 (já com o regime ditatorial em andamento). O motivo da abertura desta CPI é que segundo um preceito constitucional (que era mantido mesmo com a ditadura rasgando a Constituição de 1946) nenhuma empresa estrangeira poderia controlar qualquer tipo de mídia no Brasil. A TV Globo acabava de surgir e isso só ocorreu devido à aliança entre Roberto Marinho e o grupo Time-Life. Obviamente este escândalo não foi adiante devido a simbiose entre a Globo e a ditadura instaurada em 1964; o governo e os políticos trataram de esvaziar esse fato, pondo “panos quentes” na situação. Sabendo disto é bem curioso acompanhar, nos dias de hoje, a cobertura que a Globo dá a casos de corrupção, como o escândalo Odebrecht. A Globo, que nasceu da corrupção (caso Time-Life), não tem autoridade moral para tal. Também, é possível deduzir que a parte da Globo que é responsável por construções quer acabar com a imagem da Odebrecht para entrar nos espaços que ela deixar – uma briga para disputar as obras do governo.
Roberto Marinho e sua Rede Globo é o mais expressivo caso em que o governo ditatorial concedeu benefícios para aliados na mídia. Ao longo dos anos, ele acabou se relacionando com uma rede de políticos e empresários que ajudaram a manter o seu controle sobre a mídia brasileira. Como é o caso de Antonio Carlos Magalhães (1927-2007) na Bahia. ACM iniciou sua carreira política no partido UDN. Sempre defendendo interesses que atentam contra a justiça social, apoiou em 1964 o golpe militar contra o trabalhismo, associando-se, logo após, ao partido que representava a linha dura dos militares, a ARENA. Comandou uma grande rede de mídia composta por 7 emissoras de TV (afiliadas a Rede Globo), uma gráfica, duas rádios e uma construtora. Seu genro, Cesar Mata Pires é sócio-proprietário da construtora OAS. Magalhães também chegou a ocupar o cargo de Ministro das Comunicações no governo de José Sarney (1985-1990); por influência direta do próprio Roberto Marinho.
Outro político bastante próximo aos interesses de Roberto Marinho foi Arnon de Melo. Proprietário de engenho e governador de Alagoas nos anos 1950 (pela UDN, no período da ditadura foi da ARENA e depois PDS). Arnon também foi jornalista e proprietário da TV Gazeta, que é afiliada a Rede Globo. Seu herdeiro, Fernando Collor de Melo teve sua campanha nas eleições de 1989 praticamente toda elaborada pela Globo.
A Rede Brasil Sul (filial da Globo) tem 21 emissoras de rádio, 8 jornais e diversas redes locais de televisão nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, possui uma construtora chamada Maiojama (cujo nome é composto pelas iniciais de Maurício, Ione, Jayme e Marlene, todos da família Sirotky, dona da RBS). Constantemente, nos jornais da RBS que passam no início da tarde, são mostradas as péssimas condições das escolas do Rio Grande do Sul. Ao que parece é que a emissora não está nem um pouco preocupada com a situação das escolas (ou dos alunos e professores). No fundo parece que a emissora quer que o governo abra editais para que as escolas sejam reformadas – talvez pela construtora que pertence aos donos da RBS.
É interessante notarmos que essas emissoras seguem um tipo de “liberalismo desonesto”, pois não segue os verdadeiros preceitos do liberalismo clássico e também estão sempre criticando as ações do Estado na economia – ao mesmo tempo que precisam deste Estado para manter seu oligopólio e seu lucro em outras atividades. Um dos casos em que esta lógica se aplica é o da Rede Globo.
Não é só o conglomerado Globo que é nocivo a democracia. Outras redes também o são, como por exemplo a Rede Record. Criada em 1953 pelo empresário paulista Paulo Machado de Carvalho, esta rede ganhou força nos anos 1960 e 1970, graças à audiência de programas como “Jovem Guarda” - que teve um significante impacto cultural entre os jovens da geração que viviam na ditadura e estavam pouco preocupados em contestar o terrorismo do regime.
No final dos anos 1970 a Record TV passou por grandes dificuldades financeiras. Na década de 1990, a Rede Record foi adquirida pelo empresário Edir Macedo, dono da franquia Igreja Universal do Reino de Deus. A partir daí, esta rede passou a difundir claramente os princípios ideológicos da igreja e também tem relações muito estreitas com o Partido Republicano Brasileiro – cujos principais políticos são membros da IURD.
“A TV Bandeirante vai ao ar em São Paulo, 67, e se estrutura como rede nos anos 1970. em 19/3/81 o governo fornece concessões para duas outras redes de TV, que dividem entre si o espólio da Tupi. O empresário Sílvio Santos [...] ganha 4 canais (45 em 90) e forma o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), que se estabiliza no 2o lugar em audiência, com programação destinadas às chamadas classes C e D. O o Grupo Bloch, de Adolpho Bloch [...], proprietário da revista Manchete e outras publicações, cria a Rede Manchete, com 5 emissoras (32 em 90).”[5]
Em particular a história de Sílvio Santos (1930-) chama atenção. Após passar pela Tupi, Globo e Record, conseguiu uma emissora (a TVS). Em 1989, concorreu à presidência por um partido inexpressivo; mas com o intuito de ser o “lado carismático” do regime militar – enquanto seu amigo pessoal Paulo Paluf era visto como mal-humorado e sisudo, além de não ser tão popular em algumas regiões. Mais recentemente (em 2017) a emissora de Sílvio Santos passou a defender bizarramente as medidas anti-nacionais do governo Temer, como a (contra)reforma da previdência.[6]
***
Os atuais monopólios de mídia que existem no Brasil não podem continuar. É preciso acabar com as atuais concessões e fazer novas – evitando a mídia cruzada. Também é necessário que se fortaleçam e se criem emissoras de TV comunitárias, comprometidas de fato com os problemas locais de cada realidade.
Enquanto houver oligopólio midiático (Globo, SBT, Bandeirantes, Record, Rede TV) NÃO vai haver democracia plena no Brasil.
[1] Para saber mais acesse o texto Miséria das Nações: a Divisão Internacional do Trabalho, disponível em:
http://geaciprianobarata.blogspot.com.br/2017/01/miseria-das-nacoes-divisao.html
[2] Para saber mais sobre Cipriano Barata assista o programa História em Pauta no35, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=-4tATJnRwOI
[3] Para saber mais sobre Landell de Moura acesse o verbete:
http://geaciprianobarata.blogspot.com.br/2015/08/roberto-landell-de-moura-verbete.html
[4] HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Ortiz, 1989, p. 21
[5] JOFFILY, Bernardo. Atlas Histórico: IstoÉ Brasil 500 anos. São Paulo: Editora Três, p. 241.
[6] Para saber mais sobre a “reforma” da previdência acesse PEC 287: O DESMONTE DA PREVIDÊNCIA, disponível em:
http://geaciprianobarata.blogspot.com.br/2017/04/pec-287-o-desmonte-da-previdencia.html
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário