ESPETACULAR HISTÓRIA DE UMA ASCENSÃO: sobre como um homem pobre que chegou a um dos mais altos escalões do poder.

Um homem pobre, sem instrução, trabalhador rústico que se tornou um dos homens mais influentes de seu tempo. Um mero Silva, como tantos outros que existem neste país. Que, em seu início, ninguém imaginaria ter chegado aonde chegou. Logo, como não considerar a isso um fato espetacular tal ascensão?

Pois pensemos: casos como esse nos mostram que, querendo ou não as elites, elementos advindos dos segmentos mais marginalizados podem sim se impôr entre elas. 

Isso mesmo, um indivíduo saído de dentro das classes mais pobres da nossa população brasileira. Mas, não, certamente não estou falando de quem muitos aqui podem estar a pensar. Ainda que, a euforia sobre este, ao lhe observar melhor, também guarda lá suas decepções e nisso uma lição.

Através da história deste homem nascido há mais de dois séculos, em 1782, numa pequena localidade do Rio Grande do Sul, chamada Taquari. Seu nome João da Silva Machado (mas que, inicialmente, assinava Maxado, segundo o historiador David Carneiro, em uma publicação de 25 de junho de 1982 no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba). Capataz de fazenda e depois tropeiro. 

Sim, condutor de animais por longas distâncias, enfrentando diversos perigos e dificuldades. Uma função vista com desprezo pelos segmentos abastados, devido a sua rusticidade

João da Silva Machado

E justo aí começando sua ascensão. Fazendo o contrário da maioria, que após comprar suas tropas de animais na região do Rio da Prata (Argentina) se contentava em vendê-las por um valor bem mais modesto, já na habitual Feira de Sorocaba (SP), ou mesmo antes, em Curitiba (PR) ele ousava, arriscava mais. 

Chegando a vender seus animais mesmo em Sant’Ana (na Bahia) e em Caxias (no Maranhão). Onde conseguia, apesar dos maiores transtornos, preços bem mais interessantes. De igual modo, com esta perspicácia, que ele não demorou a fazer contatos com as autoridades de Curitiba, caminho obrigatório dos tropeiros até Sorocaba. Com as quais ele obteve a concessão para a conservação dessa dada via, a Estrada do Viamão. Contudo, engana-se quem acha que foi apenas pela ousadia que sua ascensão se fez. 

Sua sagacidade para problemas de difícil solução também se fez um importante diferencial. Um exemplo disso foi quanto à questão dos ataques índios xokleng às caravanas de viajantes, num trecho entre o Paraná e Santa Catarina. 

Silva Machado já somara consideráveis prejuízos com os assaltos quando decidiu criar nestas terras uma comunidade que se obrigaria a manter tal ameaça afastada. Foi assim que estabeleceu nessa área um pouso com cerca de 300 alemães (vindos da Renânia) em 1829, dando origem à localidade até hoje denominada como Rio Negro (atualmente um município dentro do estado Paraná). 

Já por outro lado, infelizmente, não apenas méritos positivos justificam sua ascensão. Boas articulações com pessoas influentes, incluindo um casamento com a filha de um coronel de milícias, igualmente o ajudaram nesta nova fase de sua vida. Ajuda que, todavia, não o levaria tão longe se não fosse a sua destacada visão dos fatos. 

A começar por sua escolha pela Vila do Príncipe (hoje cidade da Lapa), uma das maiores comunidades dentro da 5ª. Comarca (repartição jurídica) da Província de São Paulo, para lá fixar sua moradia. Aonde, no mesmo ano em que chegou, ele já se tornou sargento-mor da Companhia de Ordenanças do lugar (em 1815). 

Ao passo que em 1821 foi eleito representante junto às Cortes de Lisboa. Sim, representante parlamentar junto ao rei de Portugal. Somando-se a sua trajetória, ter sido presidente da Câmara de Vereadores da Vila do Príncipe, além de suplente do Conselho do Geral da Província de São Paulo e vice-presidente dessa mesma pelo período de 1837 a 1838. 

Período no qual, uma grande guerra civil, ameaça os destinos do país. Uma vez de que, desde 1835, a Revolução Farroupilha (que durou até 1845) punha em xeque a autoridade central do Brasil. Ao iniciar um forte movimento separatista este levante. E mais, por ocasião de 1842, ainda que por um curto período de tempo, ameaçou chegar até a capital. 

Entenda-se: com as Revoluções Liberais de São Paulo e de Minas Gerais, apesar de rapidamente debeladas, houve a possibilidade de liberais e farroupilhas se unissem contra um inimigo comum: o imperador Dom Pedro II. 

Para tanto que se entenda: as lideranças do chamado Partido Liberal, caídas em desgraça no final do assim conhecido Período Regencial, reverteram a perda do poder, com um artifício que passava por cima da lei da época. Eles conseguir antecipar a subida do jovem imperador, em 1840, com apenas 14 anos de idade (Golpe da Maioridade). 

O favor evidentemente foi pago, ou seja, o poder compartilhado com os liberais. Todavia, este já lhes é tomado dois anos depois. O que leva os mesmos a se voltarem contra o agora ex-aliado (por pouco tempo, ressalta-se). 

A instabilidade no Rio Grande do Sul assim se somava a uma tentativa de golpe (agora armado) por parte dos liberais paulistas e mineiros. Por ora, todos eles desunidos, mas já se articulando para agirem em conjunto. 

O que só não seria possível se algo ficasse no caminho destes grupos. Algo como a 5ª. Comarca de São Paulo (também chamada de Comarca de Curitiba) que há muito tempo queria se separar numa nova província (estado). Um vasto território que, na época, ia desde o atual estado do Paraná como lhe conhecemos, englobando a maior parte de Santa Catarina até a fronteira gaúcha. 

Quando o então Marquês de Caxias, Luis Alves de Lima e Silva, no dia seguinte ao estouro da rebelião de São Paulo indica João da Silva Machado coronel honorário. Sua missão: justamente impedir os revoltosos liberais de São Paulo adentrar no território da Comarca de Curitiba. Espaço, onde inúmeros fazendeiros, de fato, já estudavam a união com as forças farroupilhas de Bento Gonçalves e Liberais de Rafael Tobias de Aguiar. 

Se não fosse que este mesmo Silva Machado consegue a neutralidade de todo esse território. Após a receber a promessa do Barão de Monte Alegre (Cândido José de Araújo Viana), na época presidente da Província de São Paulo em colaborar para a emancipação de Curitiba e territórios sob sua jurisdição. 

O que não era pouco, diante da força política que São Paulo já tinha nesta época. Conseguir aleijar aos vastos interesses de incontáveis paulistas de vasta influência na politica do Império. 

Pois, ao contrário do que parecia, todo este espaço disposto a se separar, gerava altíssima arrecadação com as taxas alfandegárias sobre o trânsito de animais. Sem contarmos como o fato de que muitos desses políticos paulistas que já mencionei terem forte influência no cenário nacional tinham valiosos redutos eleitorais em Curitiba e litoral (hoje do Paraná) próximo. Como era o caso do padre Diogo Feijó (bastante lembrado nos livros escolares como o Regente Feijó). 

O que explica porque a promessa só será cumprida em 1853. Somente após uma série de articulações onde várias outras lideranças locais e até de outras províncias (como Minas Gerais e Bahia, que eram rivais politicas de São Paulo). Antes disso, porém, já em 1843, João da Silva Machado, recebera o título que até hoje lhe fez ser mais conhecido: Barão de Antonina. 

Uma das muitas dádivas pelo seu incansável esforço no sentido de tomar parte neste momento histórico tão especial. Uma vez que, a nova província precisando de um representante no senado, foi este agora Barão, já um homem de idade avançada (72 anos), o escolhido. O governo caberia a um baiano (Zacarias de Góis e Vasconcelos), visto como o Nordeste sempre fora um aliado extremamente valioso para o império brasileiro.

Território da então província do Paraná em 1853. Reparem que ele se estendia até a fronteira do Rio Grande do Sul até 1916 quando cedeu parte de seu espaço a Santa Catarina.

Tanto quanto ao nosso ex-tropeiro que, por isso, ainda acumularia outras honrarias como a de membro da Guarda Nacional, Guarda Honorário da Casa Imperial, Barão com a Grandeza de Antonina (em 1860), Cavaleiro Fidalgo da Casa Imperial, Vereador Honorário de Sua Majestade a Imperatriz, Grande do Império e agraciado com as Ordens Imperiais do Cruzeiro, de Cristo e da Rosa. 

Já seu irmão, Francisco e Paula e Silva, residente no Rio Grande, recebeu a titulação de Barão do Ibicuí. Nisso, tendo sido este Silva Machado bem diferente dos demais grandes articuladores desta causa que, uma vez alcançado o ideal que ajudaram a forjar, nada desejaram para si. 

Quando pelo contrário, um destes em especial, Francisco de Paula Gomes, até perdeu sua fortuna. Uma vez a empenhando na concretização deste ideal, custeando com todo o seu patrimônio, duramente erguido como tropeiro, uma vasta campanha em jornais pela causa da emancipação que pesaram muito mais dos que os acordos agora esquecidos que Silva Machado articulara.

Portanto, o oposto de nosso barão que além de títulos, continuou a acumular fortuna a tal ponto que lhe permitiu até fazer algumas doações de terras. Como as que deram origem ao hoje município de Barão de Antonina, no Sudoeste de São Paulo, por exemplo. O que não encerra aí suas contribuições. Nisso frisando o fato de ele ter financiado explorações pelo interior do Paraná e Mato Grosso. 

Apesar de que, parte deste interesse, infelizmente não o fosse apenas pelo progresso do país. Pois, segundo o historiador paranaense Ruy Wachowicz, em 1969, tais expedições eram, em boa parte, para aumentar ainda mais a sua já vasta fortuna. Uma vez tomando terras públicas para si, com a permissão de seus contatos políticos nos altos escalões.

Em suma: temos que admitir o fato de que também desonestidades e oportunismos marcaram a sua trajetória. Contudo, o exemplo de um ex-capataz de fazenda, ex-tropeiro, semi-letrado, tendo chegado aonde chegou, em pleno século XIX, mostra como é equivocada uma ideia, por muitos, exaltada. 

Ou seja, esse mito de que a subida de elementos, das camadas mais humildes do povo, ao poder é algo recente. Já que a ascensão social tanto quanto hoje, apesar de muito difícil, nunca foi impossível. Não para homens de grande inteligência e ação, seja para o bem ou apenas para o interesse próprio.

Claro que muitos podem dizer que esse barão não alcançou o posto máximo do poder: governar um país. Por isso preferindo o argumento de que um elemento saído das classes mais humildes que chegou a, por assim se dizer, ditar as regras do jogo, é algo recente. Contudo, ainda sim, essa é uma opinião equivocada.

Manuel Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, foi logo alistado no exército, tal como seus demais irmãos, pelo pai porque este não tinha recursos para sustentar os dez filhos que teve. Prudente de Morais, o primeiro presidente eleito pelo voto, era filho de um boiadeiro que trabalhava como tropeiro. Isso sem falarmos de Nilo Peçanha, que além da origem humilde, era mulato. 

Sendo o mais importante a vermos neste exemplo do Barão de Antonina, João da Silva Machado, é o de que como pode ser perigosa a ilusão de que apenas uma origem humilde é atestado de se fazer o diferencial tão almejado. Rápidas articulações com velhos poderosos e o gosto em ser exaltado igual aos mesmos se percebem facilmente na história de vida deste que agora contamos.

O que nos mostra bem a importância de se ver a competência, o comprometimento (para com os outros) e a honestidade de um homem. Tanto para alça-lo a um cargo, como para avalia-lo perante a posteridade.

Não a sua genealogia, sua cor de pele, sua filiação ideológica ou outro estereótipo, que por si só o defina como um homem do povo. Quando assim o que ostenta essa imagem exaustivamente, como o maior de seus méritos, esta sua origem, então não passa de um mero oportunista do uso dela sobre si. Sem qualquer intenção sincera em olhar pelos seus de onde ele saiu.

Ainda que este Silva nunca tenha feito qualquer intenção de relembrar seu passado pobre. Muito menos qualquer compromisso para com os mais desfavorecidos. Até mesmo porque não havia nenhum interesse para que ele fizesse isso. 

Contudo, sua capacidade de entendimentos com os mais diversos grupos com quais lhe era interessante se aproximar, evidencia que se lhe fosse vantajoso, ele não hesitaria em criar esta face. Acontecendo apenas que no contexto em que viveu não havia razão alguma para representar este papel no grande teatro social.

De modo, que vale vermos que do contrário, se apegarmos a esta visão estereotipada, nunca haverá uma verdadeira revolução que faça a desigualdade, deixar de ser a marca que tanto nos caracteriza como um terceiro mundo. Ou, se preferirmos o eufemismo, como um país em desenvolvimento. 

Para isso, a História. Para nos avisar sobre paixões cegas. Para nos mostrar que todos nós podemos ser Silvas que igualmente podem chegar ao topo. E também nos mostrar que lá chegando, outros também o podem fazer. 

Em especial, se falharmos com as expectativas que mais se façam sobre nós. Por mais que também seja difícil acontecer este certo assim incerto. De que em vez de exaltações como as equivocadamente feitas a este Silva Machado (homenageado com o seu nome em vários logradouros e até mesmo denominando uma cidade, em São Paulo), receber meramente o repúdio das posteridades, caso nos esqueçamos de arcar com o nosso dever. 

Difícil, eu repito. Já que comumente as gerações seguidas, se tornam por demais empolgadas com as idealizações já construídas sobre vultos como este. Incapazes de querer de fato averiguar e confrontar a verdade dos fatos. Preferindo a ilusão ao invés da busca por uma verdadeira solução. Pensemos nisso.



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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