FORJANDO A PRÓPRIA HISTÓRIA: a incrível saga de Manco Inca Yupangui – parte final

Manco Capac II. Sim, os livros quando lhe mencionam, o fazem como um mero fantoche dos invasores espanhóis, sem qualquer relevância. O que é um grande erro. Por mais que no começo de sua história o jovem inexperiente que nunca fora preparado para a responsabilidade que ele, de fato, abraçou, tenha então sido um joguete estes aventureiros que apenas pensavam em saquear seu império.

Logo, para lhe fazer a devida justiça nós temos que analisar mais a fundo a sua trajetória. Começando pelo que vimos no artigo anterior que ele nunca foi considerado uma opção na sucessão do trono de seu império. Circunstancias inesperadas (as mortes entre si de seus irmãos pela tomada do poder) que o levaram até onde chegou.

Além disso este jovem, antes chamado Manco Inca Yupangui, como muitos que presenciavam todo o horror da guerra civil que vimos ter começado com os irmãos Huascar e Athaulpa, antes da chegada dos europeus; por certo via o fim desta como uma prioridade acima das demais. Guerra esta que continuou após a morte destes dois e onde os espanhóis eram só uma parte da questão.

Conflito que, no entender deste Manco, só terminaria com a vitória ou a derrota dos partidários de Atahualpa. Dentre eles os generais incas Calcuchimac (que morrera pouco antes da coroação de Manco), e Quizquiz. Talvez por isso que ele, por três anos, pode ter suportado aos saques que os espanhóis faziam despudoradamente ao seu país. Por subestimar a estes como um mal menor. 

Já que o império de Tahuantinsuyo, apesar de toda a sobriedade da maioria dos seus governantes, fervia em tensões que se acumulavam há tempos. Não diferente do antigo Império Romano, da milenar China ou da ex-URSS. A despeito de todos os incontáveis esforços da sociedade incaica para se fazer a mais igualitária e harmoniosa possível. O que não pode ser ofuscado em razão de problemas que já afetaram a todos grandes reinos do passado e que ainda se fazem realidade em nosso mundo atual. 

Importando, logo se expor que em 1835, após as mortes dos generais Rumiñahui e Quizquiz, então ainda se fingindo submisso, o imperador de agora 19 anos, decidiu enfim se livrar destes europeus que se apoderaram de seu império.

Mas não somente pela força, quando também o buscou fazer pelo ardil igualmente. Quando ele orientara aos espanhóis sobre um roteiro para supostas riquezas, muito mais promissoras, nas terras que hoje compreendem o atual território do Chile. O que era sim, uma verdadeira armadilha, já que o destino indicado era povoado pelos ferozes araucanos (mapuches) que Manco esperava que os mesmos trucidassem aos invasores que para lá partissem.

O que, uma vez acontecendo, tornaria mais fácil combater aos que ainda permanecessem. E foi assim que ele convenceu a parte dos espanhóis, liderada por Diego de Almagro a rumarem para o sul, tendo como guia, o próprio irmão de Manco, Paullu. Para em seguida começar a uma rebelião, todavia, frustrada pela delação de um de seus companheiros, que lhe custou a prisão em novembro de 1835.

Contudo, apenas só mais uma adversidade a ser contornada. Pois já em janeiro do ano seguinte, ele voltou a ousar sendo agora bem sucedido. Manipulando aos seus carcereiros com a própria cobiça. 

Quando deu ao irmão de Francisco Pizarro, Fernando, uma estatua de ouro em tamanho natural. Assegurando haver outras, conseguiu assim convencer a este que lhe deixasse sair da cidade para buscar estas tais riquezas ocultas. Mas em vez disso, Manco começou a reorganizar um exército contra os espanhóis.

Fernando ao se perceber que fora enganado tentou recapturá-lo. Tendo subestimado a gigantesca força de seu oponente que lhe impôs a primeira grande derrota. Sendo que ao conseguir entre 100.000 a 200.000 soldados, Manco conduziu um cerco a Cuzco que durou 10 meses.

Onde apesar de serem apenas 190 espanhóis, estes invasores contavam com milhares de guerreiros de outros grupos étnicos, inimigos do controle inca, como era o caso dos waka. Deste modo frustrando a rápida expulsão que ele idealizava.

Cenário que se agravaria, em seguida, com o retorno de Diego de Almagro, em 1537, tendo Paullu Inca passado para o lado deste. Todavia, não somente entre os incas havia divisões internas. Almagro imediatamente ataca aos partidários de Francisco Pizarro, com quem já não mais se entendia.

Além disso, também viera do Chile, Villca Uma, um importante sacerdote que, ao contrário de Paullu, não se unira aos espanhóis. E assim ao se juntar com o imperador rebelde, ambos se retiraram para Ollantaytambo, onde impuseram várias derrotas às forças de Pizarro. Entretanto, a força de exércitos nativos como o dos wakas, cañaris e chachapoyas, obrigou a resistência inca a recuar para Victos e depois Villcabamba (esta em plena selva amazônica), onde Manco montou um novo Estado inca. 

Ruínas de Villcabamba


Uma situação que, contudo, poderia ter tomado outro rumo, quando Almagro propôs a Manco uma aliança contra Pizarro. Mas este então não teve a visão política de ver que ao recusar essa união, obrigaria Almagro a ter de se entender com o velho aliado rompido. O que termina logo, num desfecho extremamente desfavorável tanto para Manco como para Almagro. 

Uma vez que Pizzarro logo mandaria matar ao velho “amigo” com quem ele se obrigara a se reconciliar. E assim se sentindo todo-poderoso, ele escolhe uma nova marionete para ocultar seu vasto poder: Paullu que é coroado novo soberano fantoche.

O que faz Manco perceber o seu erro, vendo como poderia ser viável tirar proveito das hostilidades internas entre seus inimigos, tal como estes já o fizeram antes.

Quando então ele aceitara o exílio em seus domínios de ex-partidários de Diego de Almagro, que caíram em desgraça após matarem Pizzarro (em um ataque a ele no ano de 1542), em retaliação pela traição à Almagro. Deste modo, Manco pretendia aprender com eles o uso de suas tecnologias de guerra. E aí então a maior das ironias: neste momento em que ele se redimia de sua falha anterior, que ele encontra o seu fim.

Incapaz de imaginar a tamanha estupidez destes outros que viram neste acolhimento uma oportunidade de voltarem às boas graças com a Coroa Espanhola, se livrando da maior ameaça então para ela que estava diante deles. 

E assim ao matarem a imperador Manco em 1544, eles foram imediatamente trucidados pela população nativa revoltada com a traição e ingratidão dos mesmos.

A resistência, após isso, caberia agora aos seus filhos que não tiveram a mesma capacidade de, realmente, ameaçar ao controle espanhol. E, mesmo assim, o Estado Neo-Inca de Villcabamba, erguido por Manco Inca se sustentou até 1572.

Entretanto, não é a história do herói derrotado que mais importa nesta reflexão. Mas sim vermos ao homem que poderia ter o escolhido o caminho mais conveniente, tal como o fizera seu irmão Paullu, mas ele não o fez. Preferindo assim, forjar a sua própria história, apesar do grande peso de uma responsabilidade como essa. 

Sem medo de lutar ou ousar. Muito menos tendo se limitando à teimosia da luta pela luta somente. E talvez por isso incompreendido pela história.

Logo: apesar do romantismo do herói derrotado ser mais atraente, é com o controverso Manco Capac II que mais podemos nos identificar. Este que, talvez, possa não ter sido o líder que seu país mais precisava, todavia, foi o melhor líder que seu povo pudera ter então. Até porque outros não quiseram a responsabilidade que ele aceitara.

Uma lição a refletirmos: criticarmos somente ou também fazermos algo? Lamentar ou também arriscar? Ser irredutível ou admitir e aprender com os nossos erros? Reconhecer a complexidade dos interesses que nos cercam ou insistirmos numa visão ingênua onde há apenas dois lados que devem ser sempre opostos? Cultuar o passado de uma sucessão de lutadores valorosos (mas também sempre vencidos) ou entender o porquê de suas derrotas?

Manco Inca 

Nisso que de seu exemplo, se tirem lições, ao invés de só meros louvores incapazes de ver que as maiores vitórias nem sempre veem pelo uso da força. Mas também do ceder (que não se confunda com o se submeter) e do diálogo.

Desde que dosados no equilíbrio certo. Coragem e temperança. Ousadia e cautela. Como o salgado que se completa com o doce. Uma reflexão a muitos futuros líderes que acreditem poder forjar a sua própria história. 

Guias determinados, mas não líderes raivosos a ponto de se cegarem com o seu inflamar. Entendendo que a luta é muito mais do que a hostilidade a um inimigo. 

Lição esta que podemos aprender com Manco Yupangui, dito Manco Capac II. Logo, diante de tudo isso, ele não merece uma melhor atenção nos livros escolares?


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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