MARÍA BARZOLA um nome sem história, dentro da história que sempre se repete

É comum às pessoas se indignarem com a brutalidade, mas do mesmo modo é natural que elas nada façam para evitar que um dado horror se repita. Independente de quanto ela seja marcante, traumatizante. Tendo como solução então, como uma forma de exorcizar este trauma, a criação de uma homenagem sobre a(s) vítima(s) de tais selvagerias. 


Pode ser por meio de um monumento, pode ser por meio de seu nome em algum local público ou uma data a ser festejada. E assim ficando tudo certo após ser feito isso, pelo menos para a maioria das pessoas. E a história assim continua seu rumo. Algo bom e ruim ao mesmo tempo. Mas como assim?


Para entender isso, temos que pegar um exemplo. Hum... Que tal a comemoração do dia do Trabalho? Um dia que até ter havido um ocorrido a terminar de modo vergonhoso, lá no ano de 1896 na cidade de Chicago, nos EUA, era apenas um dia como qualquer outro. 


Um dia, como vários outros, ao longo de anos e anos, a se fazer de luta constante para que os trabalhadores tivessem melhor valorização. E assim houvesse menos exploração que era algo, aliás, algo aberrante. Basta conferir em qualquer livro didático sobre tudo a que eram sujeitados os operários, artesãos e outros empregados mais humildes.


Algo que muitos nas sociedades destes momentos aqui comentados, achavam ser normal, aceitável, crendo que os trabalhadores deveriam se conformar. Não aceitando ações como esta mobilização que começou em 1º. de maio de 1896, pedindo somente que suas cargas horárias diárias fossem fixadas em 08 horas. Sim, oito horas, o que hoje para nós é algo normal. 

Mas não para as mentes pequenas destas épocas que então nada fizeram para que o protesto iniciado nesta data, não fosse massacrado com o correr dos dias que se seguiram. E em resposta os movimentos trabalhistas na França comovidos com isso, três anos depois tornaram esta data, dia 1º. de maio um símbolo de luta dos trabalhadores, inclusive contra brutalidades como essa. Desejando que elas não mais se repetissem. 

Se tornando deste modo um simbolo para lembrar as pessoas sobre tais absurdos, selvagerias, então não tornassem a se repetir. Data que, por isso, passou a vigorar gradativamente em quase todo o mundo, inclusive na Bolivia, onde em 21 de dezembro de 1942, um episódio semelhante aconteceu: o massacre da localidade de Catavi (na província de Potosi) nos campos de Maria Barzola. 

Tanto que esta data de 21 de dezembro se tornou o dia dos trabalhadores da mineração na Bolivia. E o local deste massacre assim ganhou o nome de sua mais destacada mártir: Maria Barzola. Percebem como a história que não se reflete, tende a se repetir? Pensemos nisso enquanto voltemos a esta grande personagem, a índia Maria Barzola.

A mesma era uma mulher viúva de um operário da mineração, da qual infelizmente, quase nada se sabe, além da sua resistência à repressão do governo contra o movimento de 08 mil mineiros, onde ela ficou de frente ao grupo envolta na bandeira tricolor da Bolivia. Figurando ela entre o número de mortos que para uns foi de 19 pessoas (segundo o governo) e para outros de 400 (segundo os manifestantes). 

María Barzola era uma palliri, ou seja, uma mulher que trabalha nas minas de estanho, mas não no seu interior. E sim nas zonas externas. Pois é um velho costume que as mulheres não entrem nos túneis das minas.

Logo, as palliris, ficam com o fardo um pouco mais leve (mas nem tanto assim) de coletar o mineral que ainda pode estar entre o lixo retirado para a superfície. María trabalhou no complexo mineiro Cataví em Potosí, de propriedade do bilionário Simón Patiño, o “barão da lata”.

Fora isso, tudo que sabe sobre ela se confunde com os eventos de 21 de dezembro de 1942. Quando ainda se vivia a Segunda Guerra Mundial, e o governo do general Enrique Peñaranda (1940-1943), apoiado por Patiño e os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, estava empenhado em fornecer lata barata para as forças aliadas. E como ele conseguiria isso? Fácil responder: à custa dos mineiros bolivianos.

Piorando a exploração que já era tão elevada que a vida média deles não excedia aos 40 anos. Foi assim que em setembro deste ano tudo começou. O sindicato dos mineiros pedia aumento nos salários e a manutenção dos preços das mercadorias dos armazéns que os patrões tinham para atender aos seus trabalhadores (ou seja, sem sofrerem aumentos).

A petição era justa expondo que a situação dos mineiros era miserável, enquanto a empresa obteve lucros extraordinários devido ao aumento do preço da lata no mercado mundial. Simón Patiño rejeitou o pedido e, simultaneamente, solicitou ao governo que agisse severamente contra os grevistas. 

María Barzola

O desfecho em 21 de dezembro reuniu homens, mulheres e crianças. Maria foi à frente levantando a bandeira da Bolívia. Daí que as primeiras balas das metralhadoras montadas pelo exército rapidamente derrubaram o corpo da idosa minera. 

O massacre, por certo, terminou sim com centenas de trabalhadores mortos, incluindo crianças e mulheres. Restando então para o governo, após a repercussão de tal selvageria se fazer sentir, a saída mais cômoda, obviamente de minimizar a extensão do horror que promoveu, ante toda a comoção que se seguiu a ela.

Horror tamanho que, aliás, tornou unanime a decisão de que tal ocorrido fosse relembrado com esse dia se tornando desde então o dia do Minerador e o local sendo chamado Campo de Maria Barzola. Logo, algo de certo modo, muito mais trágico que o ocorrido de 1896 em Chicago, nisso ficando em aberto uma questão: até quando horrores como esse tendem a se repetir?

Tanto que Simón Patiño morreu tranquilamente em 1947, sem nada ter respondido por este episódio vergonhoso. Já o presidente Peñaranda foi um derrubado por um golpe de Estado, em dezembro de 1943, que os sindicatos o apoiaram por não terem outro caminho. O qual, apesar de alguns benefícios vindos com o governo progressista de Gualberto Villarroel a violência aos trabalhadores não terminaria ali.

Nem a instabilidade politica, pois Villarroel é morto em 1946. Encerrando assim a continuação de reformas como a criação de uma assembleia indígena (a primeira na história da América Latina) e a extinção de mecanismos de servidão (escravidão) ainda existentes. 

Claro que em 1952, governos apoiados pelos trabalhadores chegam ao poder e promovem novas reformas, como a nacionalização do estanho boliviano. Contudo, em 1964 eles acabam também derrubados pelos mesmos grupos reacionários por trás de horrores como o de Catavi.

Ocorrendo que nisso também há a responsabilidade dos que apenas acompanham tais fatos sem nada fazer, tal como dos que preferem ignorar. Inclusive como a omissão que se faz o que mais favorece aos velhos prevalecidos sempre se manterem ou voltarem. Dizendo isso, pois a derrubada destes progressistas também contou com o apoio de grandes milionários, dentre os quais estava o filho de Simón, Antenor Patiño enquanto a opinião publica nada faz além de olhar, quando não ignorar essa história a se repetir e repetir como vimos agora. 

Omissões, que assim, também permitem a outras vergonhas se repetirem então em San Juan (1967) e Todos os Santos (1979). Este último tendo deixado pelo menos 100 mortos.

E mesmo com a democratização horrores parecidos aconteceram com os massacres de El Alto (em 2002) e de Porvenir (2008). Por mais que o prefeito desta cidade tenha sido condenado em seguida e, agora recentemente, em 2017, o governador do estado tenha sido igualmente punido, será o suficiente para inibir ações semelhantes no futuro? 

Ou por acaso, não havia mais outros grandes interessados em calar com a brutalidade os mais fracos revoltados pela sua exploração? Outros coadjuvantes como Simón e seu filho Anteno Patiño, por exemplo, nisso seguros para instigar novas covardias como estas aqui relatadas.

Sobre isso então muitos podem se perguntar: o que fazer? E assim lhes digo: a cada horror como esse que acontece, não apenas indignação e comoção seguidas de homenagens. Não que o reconhecimento seja mal, mas que também não tarde a mobilização e conscientização exigindo a punição de tais responsáveis. De todos eles. 

Punições sérias que somente podem acontecer se as pessoas em geral tiverem memória para evitar a indulgência por meio das ações passadas que convenientemente para uns caem no esquecimento.

Portanto, que Maria Barzola não seja somente um nome numa história que sempre se repete. Pois grandes vultos como essa velha viúva merecem mais, merecem justiça para que novos prevalecidos não sacrifiquem a novas Barzolas que nada mais pedem do que um pouco mais de dignidade ante toda a torpe exploração que lhes é imposta. Seria demais pedir isso?



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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