A REVOLUÇÃO BRASILEIRA DEVERÁ SER QUILOMBOLA

No Brasil, a conceituação de esquerda não segue os mesmos padrões postos pelo modelo eurocêntrico da Revolução Francesa de 1789. Senão, vejamos o que nos mostra a História da Humanidade. Protestos contra as desigualdades sociais estão documentados no Velho Testamento, passando também pelos Evangelhos, na Bíblia Cristã. E, quanto a ações, na Roma Antiga, os irmãos Tibério e Caio Graco, no século II de nossa era, fizeram distribuição de terras aos pobres, sendo, por essa razão, assassinados.


Antes da Revolução Francesa, Jean Jacques Rousseau criticava “a desigualdade das fortunas, o uso e o abuso das riquezas”. Um dos primeiros a organizar ações coletivas contra as injustiças sociais foi François Noel, que adotou o nome de Graco Babeuf e fundou uma organização clandestina, liderando uma conspiração, que passou para a História como a Conspiração dos Iguais. Para ele, “A propriedade é, sobre a terra, a causa de todos os males”.


Graco Babeuf, liderança da Conspiração dos Iguais

Enquanto a cultura europeia vivia o auge do romantismo, floresciam as utopias de esquerda criadas principalmente por franceses e ingleses. A Conspiração dos Iguais influenciou o francês Auguste Blanqui, criador das ideias de “revolucionário profissional” e “ditadura do proletariado”. Fourier criou o princípio de “a cada um segundo as suas necessidades”, e defendia que as transformações sociais deveriam acontecer através do exemplo. A Comuna de Paris aconteceu entre 18 de março de 1871 e 28 de maio do mesmo ano. Terminou em uma “semana sangrenta”, com um banho de sangue.

Por volta da metade do século XIX, o movimento operário europeu vivia uma nova época, quando as fantasias românticas davam lugar para propostas políticas de esquerda com maior eficácia. Culminando no surgimento do socialismo científico, cujo maior expoente foi o alemão Karl Marx, com influências originadas dos pensamentos de Blanqui, Fourier, das ações dos revolucionários da Comuna de Paris, entre outros.

Vimos que, ao longo dos séculos, cada movimento de esquerda tinha suas lutas. Por exemplo, no período colonial brasileiro, de 1492 até cerca de 1825, podemos dizer que esquerda eram aqueles movimentos que se colocavam contra o sistema colonial e em defesa de justiça entre as classes. E aonde hoje estão os nossos Hermanos, os indígenas de Caonabó, e os criollos que lideraram os levantes mais radicais contra o sistema colonial eram de esquerda. Ao mesmo tempo, aqueles que queriam romper com o sistema colonial e não colocar em prática a justiça entre as classes subalternas, eram de direita. No Brasil, o exemplo mais claro é a Conjuração Mineira de 1789 que defendia romper com Portugal, mas manter a escravidão. Diferente da Insurreição Pernambucana de 1817, movimento republicano e popular, que deu origem a nossa primeira lei abolicionista. Também podemos mencionar a Revolta Praieira, que aconteceu no Recife entre 1848 e 1852, liberal e nacionalista, que previa a libertação dos negros do jugo da escravidão. Essa rebelião, ao nosso ver, pode ser considerada de esquerda.

José Bonifácio de Andrada e Silva em gravura
de José Bonifácio
Ainda no século XIX temos a ambígua figura de José Bonifácio de Andrada e Silva. Ao mesmo tempo que defendia a monarquia constitucional, também era um anti-imperialista, defendia a reforma agrária e o fim da escravidão (com a distribuição de terras para os negros libertos!).

Os primeiros intelectuais brasileiros simpáticos a ideias de esquerda foram Antônio Pedro de Figueiredo – defendia que a aspiração dos socialistas era promover o aperfeiçoamento moral e material da humanidade, assim como pensava o revolucionário russo Trotski; e José Inacio de Abreu e Lima – um militar romântico, companheiro nas campanhas anticoloniais de Simón Rodriguez, autor de um livro chamado “O socialismo”, aonde procurava explicá-lo como uma manifestação da tendência do gênero humano para tornar-se uma só e imensa família.

O século XX, no Brasil, definiu novas causas para a esquerda. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, a esquerda passou a gestar um pensamento de defesa nacional: direitos aos trabalhadores, defesa dos recursos naturais brasileiros e justiça social. O trabalhismo alimentou as mentes da esquerda, chegando a definir-se como socialista, no caso do Partido Democrático Trabalhista de Leonel Brizola, tão importante em nossa história para a educação escolar e para a resistência a ditadura, que ele pôde atrasar alguns anos, chegando no fatídico primeiro de abril de 1964.

Mas por qual razão, afinal, a nossa conceituação de esquerda não poderia seguir os mesmos padrões franceses do final do século XVIII? Ora, o Brasil é um país marcado por uma profunda associação da exploração com a opressão, aonde há uma poderosa ferramenta de divisão entre as pessoas, inclusive dentro da classe trabalhadora, entre brancos e negros. De diversas formas o racismo se expressa, contra as negras e os negros: seja por meio dos piores salários, em ser a maioria dentro dos cárceres, sistematicamente serem alvo das polícias, terem as piores condições de moradias, serem a menor parte entre os universitários, além de serem vítimas de um “imaginário negativo”, que inferioriza as suas histórias, suas culturas e seus costumes, bem como a opressão psicológica tão estudada pelo Frantz Fanon.

Representação da quilombola Maria Felipa Aranha

No Brasil, a indignação e ódio ao racismo são combustíveis que correm nas veias de todos os que lutam contra as injustiças sociais, todas formas de exploração e opressão do homem contra o homem. Sem luta contra o racismo, seja nas palavras ou nas ações, não há esquerda possível no Brasil. Algo impensado pelos revolucionários de 1789, cujos valores de “Liberté, Egalité, Fraternité” valia somente para os homens brancos da Europa, e a sua esquerda estiveram os revolucionários haitianos. No Brasil, falta aprofundar a contra revolucionária Lei Áurea, para fazermos a revolução brasileira, que deverá ser quilombola, trazendo de volta a inspiração dos quilombos de Palmares, de Vassouras e de Mola! Esse quilombo tão notável, aonde Maria Felipa Aranha liderou mocambos às margens do Rio Tocantins, no Pará, criando a Confederação do Itapocu que se estruturava como uma cidade-estado republicana através da representação direta.



REFERÊNCIAS

JAMES, CLR; TROTSKI, Leon; BREITMAN, George. A revolução e o negro. Textos do trotskismo
sobre a Questão Negra. São Paulo: Edições Iskra, 2015.

KONDER, Leandro. História das ideias socialistas no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na  rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.

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