REPÚBLICA DA ESPADA NO BRASIL (verbete)

Com a proclamação da república em 1889, iniciou a república velha nos Estados Unidos do Brasil. Chamada dessa maneira, por que muitos problemas que tivemos acumulados da fase colonial e do império, prosseguiram atormentando os brasileiros. Nas palavras do Mário Schmidt, a república velha é “a república que nasce idosa”: continuávamos um país dos latifúndios, que priorizava o café. A população ainda era rural, dependente dos fazendeiros. Não tínhamos ainda algo que pudesse ser chamado de democracia, já que o voto era o de cabresto, por que as oligarquias estaduais eram quem mandavam nos nossos rumos. Tivemos novidades, como a indústria automobilística, as fábricas, os sambas, as greves, as ideias positivistas, socialistas e comunistas, o modernismo, mas muito longe de ser um novo Brasil. Masjunto as inovações da época, a república mantinha signos da monarquia em sua bandeira nacional, ainda era verde e amarela, as cores das casas dos habsburgos e dos bragantinos. 

Artistas do modernismo, algo novo na república velha


Durante nossa História, havíamos passado por diversas revoltas, que continham intentos republicanos, alguns deles fundaram repúblicas, como a Revolta Pernambucana de 1817 e a Revolta Farroupilha, que fizera a República Juliana e a Rio-Grandense. Isso quer dizer então, que a república expressava uma demanda popular, já que tivemos experiências republicanas no passado? Se formos pensar como Nelson Werneck Sodré, para quem “só é nacional o que é popular”, não. O golpe que foi dado pelo exército, um dos primeiros dos muitos que vitimaram o povo do Brasil, depôs Dom Pedro II, demonstrou que a república não tem uma origem democrática, nem popular.

O dia do golpe foi 15 de novembro de 1889. O marechal Deodoro da Fonseca liderava a ocupação do Quartel-General do Rio de Janeiro, para depor todo o gabinete imperial de Ouro Preto e Cândido de Oliveira, enquanto Dom Pedro era convidado a retirar-se do Brasil com a sua família. Então, tivemos a formação de um governo provisório. Hoje esse golpe militar, transformou-se em uma data de feriado nacional.

Os nossos dois primeiros governantes eram militares, e eram autoritários, por vezes tentavam restabelecer o Poder Moderador, fechando Congresso, perseguindo opositores. Estamos falando na república da espada.

Alerta! Nas provas de vestibulares os dois presidentes da república da espada foram Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, mas a realidade não foi bem assim.

Durante a república da espada, os presidentes se esforçavam para fortalecer o poder executivo, e pretendiam provavelmente estabelecer desde já um regime ditatorial militar. A república da espada tradicionalmente é datada de 1889 até 1894, quando tivemos como presidentes de 1889 a 1891, o marechal Manuel Deodoro da Fonseca; bem como entre 1891 e 1894, o Floriano Vieira Peixoto. Porém, tivemos uma república da espada no meio da república velha, com o governo entre 1910 e 1914 de Hermes da Fonseca.

Na primeira votação para presidência da república, tivemos o marechal Deodoro da Fonseca com 129 Votos e Prudente de Moraes com 97 Votos. Para a vice presidência, Eduardo Wandenkolkcom 57 Votos e o marechal Floriano Peixoto obtendo 153 Votos. Foi uma votação indireta. Sem participação dos eleitores, do povo, que não participou do 15 de novembro, nem da primeira eleição para presidente.

Os três estados mais fortes durante a república velha e a da espada foram São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que diferenciava-se dos demais. Seu ultra-federalismo, proposto pelos positivistas, foi combatido por liberais e pelos militares que foram presidentes durante a primeira república.

A febre de negócios e de especulação financeira foram as marcas deste período, as fortes emissões de dinheiro, e a facilidade de crédito, resultaram na formação de muitas empresas. Até, em 1891, termos uma crise, que ganhou o nome de crise do encilhamento, e caracterizava-se pela derrubada do preço das ações, falência dos bancos e empresas, despencando o valor da moeda brasileira. A crise econômica e social, foi também política, quando Deodoro fechou o congresso, para reforçar o poder executivo, tendo como modelo o poder moderador, sendo posteriormente atacado por uma oposição crescente e formada pelos florianistas, civis e setores da marinha.

Deodoro da Fonseca liderou o banimento da família real, mas acabou ele mesmo quase sendo banido. Algumas de suas medidas, ainda durante o governo provisório, desinstalação de instituições imperiais, a separação do estado da religião, o famoso “estado laico”, mas a política econômica de Rui Barbosa quase colocou tudo a perder. O favorecimento desorganizado para a abertura de novas empresas, com emissão excessiva de moedas

A promulgação da nossa primeira constituição republicana data de 1891, contendo o federalismo, a divisão do estado brasileiro em três poderes (executivo, legislativo e judiciário), definindo voto universal masculino, mas não concedendo cidadania para mulheres, analfabetos, mendigos, padres e menores de 21 anos. O governo constitucional iniciado em 1891, foi todo ele em estado de sítio, com o congresso fechado e com perseguição de opositores.

Os sindicatos, eram na prática proibidos, mesmo assim durante o governo do Deodoro da Fonseca, aconteceu uma greve muito potente dos ferroviários, e os marinheiros fizeram a sua revolta da armada do Almirante Custódio de Melo, que foi acusada de monarquista pelos florianistas. O conservadorismo de Deodoro era antigo, chegou a participar da repressão a Revolta Praieira e da Guerra do Paraguai, que aniquilou a sua população masculina. Esses movimentos sociais, mostram que o período de Deodoro da Fonseca no poder, não foram apenas encilhamento e inflação. O nosso primeiro presidente muitas vezes foi acusado de ser um restaurador da monarquia, sobraram denúncias de favorecimento de amigos, encomendas de obras públicas sem licitação, e nomeação de ministros em generais de brigada. A corrupção é velha conhecida de nossa república.

Uma lei de responsabilidade fiscal, criada para limitar os poderes do poder executivo da União, foi por ele enfrentada com fechamento do Congresso, todo formado por latifundiários, a perseguição de oposição parlamentar e estado de sítio, devem sempre serem ligados ao nome do Deodoro da Fonseca, que nomeava os presidentes, hoje chamados de governadores, nos estados. O primeiro presidente da república da espada renunciou em 23/11/1891.

O segundo presidente da república da espada foi Floriano Peixoto, que obteve apoio financeiro de SP, dos seus cafeicultores, e em grande medida, a influência dos militares no governo foi diminuindo.

No seu Ministério da Fazenda estava Rodrigues Alves, político oriundo de uma família paulista do Vale do Paraíba, um antigo conselheiro do império recém convertido a república. O presidente da câmara e do senado eram do Partido Republicano Paulista. Enquanto a republicanismo jacobino estava concentrado no Rio de Janeiro. Portanto, a base de Floriano era bem maior do que de Deodoro.

A marca desse governo era do estímulo à industrialização (facilidade na importação de equipamentos, financiamento a empresários). O congresso era reaberto, dando apenas uma aparência de democracia, porque logo mais ele era fechado, e novamente estávamos em estado de sítio. Era um golpe, segundo os partidários de Deodoro. Mas eles não tinham também ações muito livres na política, e não poderiam nem reclamar.

Uma medida importante foi a Reforma Bancária, a emissão de papel moeda ficava somente a cargo do Governo Federal, não mais de qualquer empresa. Outras medidas que merecem ser lembradas, foram populares, baixou o preço da carne e dos aluguéis, aprovou a Lei de Construção de Casas Populares. Enfrentou a segunda Revolta da Armada que se relacionou com a Revolta Federalista, após fuga dos federalistas gaúchos para Santa Catarina.

A base social de apoio ao governo eram os Batalhões Populares Florianistas, com participação de estudantes e de operários. Com Floriano Peixoto, tivemos o primeiro fenômeno político centrado na figura de uma liderança republicana. O florianismo, era dividido em dois tipos. Havia o florianismo de governo, formado basicamente pela oligarquia cafeeira de São Paulo. E havia o florianismo de rua, que surgiu da afinidade dos populares com o Marechal Vermelho, Marechal de Ferro ou Robespierre brasileiro: alusões que partiam dos segmentos mais radicalizados do florianismo, o dos jacobinos. Os jacobinos provinham da classe média, do operariado, da juventude civil ou militar, do funcionalismo, dos positivistas e dos quadros do Exército. Seus integrantes se concentravam no Rio de Janeiro e em São Paulo. Defendiam uma república forte em oposição ao liberalismo. Aliás, todos os presidentes da república da espada eram contra o liberalismo. Mas os florianistas mais radicais, viam ameaças monarquistas nas agitações do período, estendendo sua atividade até o governo civil de Prudente de Moraes.

Para o historiador Nelson Werneck Sodré, Floriano teve o papel de consolidador da república, “exerceu uma função progressista”, popularizando o novo regime, criando um “culto apaixonado” por ele. Dizia o autor de “História militar do Brasil”, que “a história vulgar, hoje, esqueceu-o- mais uma prova de que ele foi importante”.

As vitórias do presidente sobre os rebeldes da segunda Revolta da Armada e da Revolta Federalista, despertaram a admiração dos jacobinos, que defendiam apenas Floriano ou outro militar no poder. Para eles, não estávamos divididos em classes sociais, mas em militares e em civis.

Segunda Revolta da Armada, a que Floriano Peixoto enfrentou e venceu.

O terceiro e último presidente da república da espada foi Hermes da Fonseca foi eleito pelo voto popular, e era natural de São Gabriel/RS, mostrando que a república velha não foi apenas o café com leite. A república da espada era uma anomalia dentro da república velha.os dois primeiros presidentes eram de Alagoas, e não representavam os interesses das oligarquias mineiras ou paulistas. Ele era sobrinho do ex presidente marechal Deodoro da Fonseca e aluno de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que além de professor, foi um militar e engenheiro brasileiro que ajudou a articular a república.O presidente enfrentou revoltas populares, a chamada Revolta da Chibata de 1910 e a Guerra do Contestado (entre 1912 e 1916), que ocorreu devido as empresas Brasil Railway e Southern BrazilLumber&Colonization. Nesse conflito, Hermes da Fonseca enviou oito expedições do exército, obtendo sete derrotas, com um saldo total de aproximadamente vinte mil mortos. Mas essas duas não foram as únicas. 

Em seu mandato, o presidente Hermes da Fonseca julgou ser possível governar junto com as oligarquias mais fracas que as paulistas, mineiras e rio-grandenses. Contando com apoio inconteste das forças militares, implantou uma ditadura salvacionista, baseada em intervenções militares nos estados. A justificativa era acabar com a corrupção, mas sem a vassourinha de Jânio Quadros.

Hermes da Fonseca, portanto, governada fora da lei, e sem praticar os valores republicanos, como o de visar o bem social, e não o seu próprio, como todos os presidentes da república da espada fizeram.

A região que mais sofreu com a ditadura de Hermes da Fonseca foi a nordestina, foi onde aconteceu, devido uma intervenção federal, a Revolta de Juazeiro, porque o presidente da república nomeou o coronel Franco Rabelo, no lugar do presidente do estado, que era ligado a família Acioly. A revolta teve como protagonista o padre Cícero, e foi tão exitosa que o presidente Hermes da Fonseca retirou o interventor do Ceará. Hermes não era Deodoro, nem Floriano, nem fugiu, nem era de ferro. Perdeu essa parada.

Vimos que a república da espada foi o período da república velha, quando militares foram presidentes. Eles foram Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca, que fizeram de seus governos verdadeiras ditaduras militares, com intervenção nos estados e com fechamento do congresso, os opositores eram sempre perseguidos, e não tivemos, ainda, uma democracia.



REFERÊNCIAS
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
SCHMIDT, Mário. Nova história crítica do Brasil. 500 anos de História malcontada. São Paulo: Nova Geração, 1997.
SODRÉ, Nelson Werneck. A república (uma revisão histórica). Porto Alegre: Editora da Universidade, 1989.

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.

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