No site da mineradora brasileira privatizada Vale há uma seção com o seguinte título: “Estrada de Ferro Carajás: o caminho onde passa nossa riqueza”1. A Estrada de Ferro Carajás (EFC) transporta milhões de toneladas de minério (ferro, zinco, manganês, cobre etc.). Para transportar essa enorme quantidade só mesmo o maior trem do mundo, com seus 330 vagões que somam cerca de 3,3 quilômetros de extensão! A EFC foi inaugurada em 1985 pelo então presidente José Sarney, na época em que a mineradora Vale ainda era estatal.
É bem interessante o título que a Vale colocou em seu site, “o caminho onde passa a nossa riqueza”. Esse título entrega a natureza privatista da Vale e de seus acionistas: as riquezas do Brasil passam por nosso território, e logo são exportadas. As riquezas produzidas aqui não são distribuídas aqui; são divididas entre uma centena de acionistas da empresa, privatizada na década de 1990 – graças a agenda neoliberal do PSDB/Fernando Henrique Cardoso.
Ainda no site temos mais informações sobre a EFC: “Ela tem 892 quilômetros de extensão, ligando a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo, em Carajás, no sudeste do Pará, ao Porto de Ponta da Madeira, em São Luís (MA). Por seus trilhos, são transportados 120 milhões de toneladas de carga e 350 mil passageiros por ano. Circulam cerca de 35 composições simultaneamente, entre os quais um dos maiores trens de carga em operação regular do mundo, [...]. Inaugurada em 1985, a Estrada de Ferro Carajás não é só grande: ela também lidera o ranking das ferrovias mais eficientes do Brasil graças ao nosso constante investimento em tecnologia.”
1.
Um dado que não está disponível na página sobre a Estrada de Ferro Carajás, no site da Vale, é o grande número de acidentes ocorridos em seus mais de 800 quilômetros. “No período de novembro de 2004 a maio de 2016, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) registrou 124 acidentes, entre colisões e atropelamentos, não sendo contabilizados por exemplo, os descarrilamentos. Acidentes esses que ocasionaram a morte de 26 pessoas e deixaram 70 feridos. A maioria dos casos foram de atropelamentos: 73. Desses acidentes, 45 ocorreram em passagens de nível, com 21 feridos e oito óbitos.”2
A EFC faz parte do grande complexo minerador de Carajás, o maior do mundo em minério de ferro. As iniciativas para a exploração da área, como sempre, iniciaram graças ao Estado (a iniciativa privada jamais faria isso) com o Projeto Carajás, ainda na década de 1960, durante a ditadura militar. Na década de 1970 houve uma associação entre a então estatal Vale e a estadunidense U.S. Steel para a exploração da área. Um pequeno núcleo urbano, começou a se desenvolver com a expansão das atividades mineradoras, a cidade de Parauapebas (Pará). A região era habitada originalmente pelo povo Xikrin. A oportunidade de trabalhar na mineração levou milhares de pessoas à região. Segundo o IBGE o pequeno núcleo urbano, que não passava de uma vila, foi projetada para 5 mil habitantes, mas na década de 1980 já contava com mais de 20 mil!3
2.
Como diz a Vale, a riqueza passa pela região, deixando um rastro de miséria e segregação. E passa longe de Parauapebas. “A Vale retira boa parte de sua riqueza de Parauapebas, mas não retribui com investimentos em saúde, educação e saneamento para a maioria do povo. Ela paga seus impostos, porém isso é muito pouco perto dos problemas que a mineração gera”4, comenta um político local. A empresa Vale privatizada têm um histórico recente de insanidades (como atestam os rompimentos das barragens de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019 – desastres que até agora, 2021, permanecem sem responsabilidades e culpados).
Não muito longe da cidade de Parauapebas foi criado o Núcleo Urbano de Carajás, “um verdadeiro enclave de Primeiro Mundo no meio da Amazônia, com clube poliesportivo, restaurantes refinados e cinema onde é possível assistir aos mais recentes lançamentos do mercado. No vilarejo de 5 mil moradores, as 1.274 casas não têm muro e foram construídas seguindo o mesmo padrão arquitetônico, à semelhança de um subúrbio norte-americano”6. A arquitetura a serviço do capital. Parauapebas é o núcleo de trabalhadores pobres, precarizados, usados como simples ferramentas pela mineradora Vale. Para esses a cidade cresce sem o mínimo de planejamento, em condições precárias – isso seria um “custo” para a multinacional Vale. Enquanto o Núcleo Urbano de Carajás foi planejado para ser o reduto da elite burocrática da empresa.
A Vale parasitou a vida dos cidadãos de Parauapebas. A empresa conseguiu penetrar em cada poro dos habitantes da cidade. O sonho de muitos parauapebenses é trabalhar na Vale. O capitalismo tem essa contradição. Essa lógica facilita a “reposição” de trabalhadores mortos nos “acidentes de trabalho”.
A Estrada de Ferro Carajás e todo complexo minerador a qual ela serve é um exemplo do paradoxo ao qual o Brasil foi posto por governantes desde sua formação. A EFC leva nossas riquezas para fora do país, deixando, como já dito, um rastro de miséria e deterioração, humana, social e ecológica. Esse processo tem se radicalizado com a agenda neoliberal hardcore de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Essas duas bestas, bem que poderiam ser os condutores da locomotiva: só se preocupam em levar as riquezas para fora do Brasil, enquanto nosso povo sofre com a com a falta de habitações adequadas, sem bons salários, com a precarização do trabalho, com as mortes da pandemia e com a fome.
2 https://www.brasildefato.com.br/2017/06/09/entre-violacoes-e-mortes-maior-trem-do-mundo-circula-do-para-ao-maranhao
6 https://reporterbrasil.org.br/2007/01/parauapebas-entre-o-ceu-e-o-inferno/
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