ENEDINA ALVES MARQUES

Uma personagem que por certo não a encontrará em nenhum livro escolar, a despeito do quanto a sua trajetória tem a ensinar. Então que a conheçamos agora! Pois é indiscutível o quanto a sua referência é importante para o empoderamento da identidade negra e feminina no Brasil. Uma vez que esta mulher, filha de uma lavadeira, que por causa da violenta exclusão sócio econômica de seu tempo somente se alfabetizou a partir dos 15 anos, se fez a primeira mulher negra engenheira da história do Brasil, assim como a primeira mulher engenheira de seu estado natal, o Paraná.

Nascida em 1910, em Curitiba, Enedina iniciou uma grande mudança em sua vida, quando, em 1925, ela finalmente começou sua alfabetização por causa do patrão de sua mãe, um delegado de polícia que bancou os seus estudos em uma escola particular. O tendo feito por causa da admiração que ele desenvolveu pela inteligência desta moça que era amiga de sua filha inclusive. Uma oportunidade que se fez então início de uma longa jornada que esta jovem percorreu até seu ingresso no curso de engenharia em1940 pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná (atual Universidade Federal do Paraná) em 1940, onde ela se formou cinco anos depois.

Disciplinada e inteligente, é fato que enfrentou todos os obstáculos que uma sociedade no início do século XX apresentava a uma mulher negra e pobre. Tanto mais que nessa época, as opções para as mulheres em geral (brancas ou negras) eram limitadas quando além das atividades domesticas, seja como dona de casa, doméstica, lavadeira, etc. Nisso, as perspectivas no mercado de trabalho além do ambiente do lar costumavam a ser meramente a de se trabalhar como professora ou a empregos em fábricas (e o pior, com salários abaixo das remunerações destinadas aos homens). Sendo que, inclusive para se sustentar, até alcançar a profissão que de fato queria, Enedina atuou como professora por consideráveis anos. 


Contudo, como seu sonho sempre foi a engenharia, ela lutou imensamente para se formar, tal como o faria até o fim de sua vida para se impor neste meio tão excludente. Foi assim que Enedina se tornou a primeira mulher a obter um curso superior no Estado do Paraná, e a primeira mulher a ser engenheira no Brasil quando em 1946 ela ingressa na Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas do Paraná. Talvez observando que até então, em todo o território nacional, somente quatro mulheres já tinham se graduado em engenharia (tendo todas elas o feito pela Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro), então sua conquista se faz ainda mais significativa.




E tem mais: Não tendo parado por aí. Sendo que no ano seguinte, em meio a sua grande capacidade, ela foi deslocada para trabalhar no Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica, após conhecer o então governador Moisés Lupion. Onde como engenheira, participou de diversas obras importantes no Estado, como a Usina Capivari-Cachoeira (atual Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país) e a construção do Colégio Estadual do Paraná. Tal qual da mesma maneira, ela também colaborou na construção de pontes e no levantamento topográfico de rios, cabendo a ela melhoramentos no aproveitamento hídrico das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu.

“Há de endurecer, sem perder a ternura jamais”, frase atribuída a um famoso revolucionário argentino, que bem se aplica a esta guerreira. Não tenham dúvida. Pois, apesar de vaidosa, Enedina era acima de tudo profissional, o que nunca a impediu nos seus momentos privados de aflorar toda a sua feminilidade. Nisso, quando em trabalho, usava macacão nas obras da usina. Decidida, não se deixava intimidar, nem esperar que a defendessem, por sua condição de mulher e negra numa sociedade machista, racista e hipócrita. Por isso ela levava uma arma na cintura para se fazer respeitar entre os homens da construção, já que era a única mulher neste meio.

Estabelecida no governo E tem mais: Não tendo parado por aí. Sendo que no ano seguinte, em meio a sua grande capacidade, ela foi deslocada para trabalhar no Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica, após conhecer o então governador Moisés Lupion. Onde como engenheira, participou de diversas obras importantes no Estado, como a Usina Capivari-Cachoeira (atual Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país) e a construção do Colégio Estadual do Paraná. Tal qual da mesma maneira, ela também colaborou na construção de pontes e no levantamento topográfico de rios, cabendo a ela melhoramentos no aproveitamento hídrico das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu.

“Há de endurecer, e com carreira estruturada, a profissional também se alterna com uma alma sedenta por viver intensamente. Logo, entre os anos 1950 e 1960 Enedina dedicou-se a conhecer o mundo e outras culturas, viajando para outros países, tal qual Impôs-se entre os ricos por sua cultura, 12 perucas e casacos de pele. De gênio forte, ela não fazia questão de ser amável, mas sim admirada e principalmente respeitada. Assim tendo marcado uma grande trajetória, todavia, ofuscada por todo o preconceito que nunca a abandonou e assim ela sempre teve de enfrentar. O que se torna mais evidente ao vermos que a notícia nos jornais da época sobre a sua morte em 1981 em nada mencionou suas realizações.

Nisso, toda a saga de Enedina, sem quaisquer dúvidas impressionante, mostra mais do que o seu exemplo que não foi pouco, importantes reflexões. Uma delas sobre a necessidade de maiores oportunidades para o fim das desigualdades, onde vemos que toda a capacidade e fibra desta mulher imensamente determinada, não teria sido suficiente se não fosse a chance de estudar oferecida por alguém que viu nela grande capacidade. A auxiliando não por piedade, mas o contrário. Uma questão, talvez, polêmica, mas em meio a um sistema de ensino público cada vez mais sucateado, será que a mera existência de cotas para negros e categorias, então se faz uma solução ou, pelo contrário? Talvez assim uma mera cortina de fumaça ou não?

Ou seja, às minorias em termos de direitos sociais (assim o colocando porque, por exemplo, em termos demográficos, a população negra e mestiça compõe 54% de nosso país) em geral se reserva uma educação bem mais inferior, se comparada ao ensino que é acessível às classes mais abastadas. O que ocorre não somente por causa das condições materiais e financeiras das escolas em si, quando também por fatores outros como desestruturação familiar, desinteresse de pais e mães em incentivar o aprendizado de seus filhos, etc.

Logo, as oportunidades de ascensão com as cotas se fazem possíveis até um ponto somente, não por culpa dos beneficiados por elas, mas sim pela ilusão que facilitar o acesso em algumas etapas basta na competição que, infelizmente é ainda uma realidade em nossa sociedade capitalista e seletiva. Nisso, seria absurdo cogitar que a opção mais simples, pelas cotas, destacada como o bálsamo que tudo poder curar, tenha sua maior motivação por ela ser mais barata em termos financeiros?

De modo que falta coragem a iniciativas de ação mais profunda como a do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola (1922-2004), com seus Centros Integrais de Educação Pública (CIEP’s) que não só visavam educação integral, como também era voltada em todas as áreas e dimensões, não estando reduzida apenas à ideia do horário integral. Projeto que, lamentavelmente, devido ao custo financeiro, sem preocupação com o retorno social por parte dos sucessores de Brizola, acabou lentamente caindo no mais completo abandono.

Por mais que, comumente, estatísticas dizem que, por si só, as cotas tem reduzido enormemente as desigualdades, contudo, sobre isso é interessante lembrar uma frase de um primeiro ministro britânico da Era Vitoriana, chamado Benjamin Disraeli: “Há três tipos de mentira: as mentiras, as mentiras deslavadas e as estatísticas”. Não a desfazer de conquistas reais sobre esse assunto, mas sim para olharmos com maior profundidade para uma questão de solução muito mais complexa do que muitos nos fazem querer pensar.

Pois, do contrário, de pouco valeria aqui se falar de Enedina Marques se não o fosse para refletirmos com a sua incrível trajetória. Uma vez que seu nome já é muito exaltado atualmente em diversos espaços (inclusive no chamado Memorial à Mulher Pioneira no Paraná, em Curitiba, em logradouros diversos, etc.) que, todavia, muito mais ufanam um símbolo em vez de inspirarem um exemplo. Logo, não seria uma homenagem mais justa buscando fazer a sua trajetória ser repetida, principalmente quanto a mais oportunidades e não tão só comoções e piedades, exaltações e discursos à outras Enedinas em potencial, apenas aguardando elas a uma chance para brilhar?

Sobre o autor:

 

LUIS MARCELO SANTOS: Professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Mestrando em História. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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