FERNANDO BOTERO ÂNGULO

Por ora nenhum pintor latino-americano tem destaque a nível mundial como alguns nomes da arte na Europa. Não como, por exemplo, Leonardo da Vinci, Van Gogh, Pablo Picasso, que mesmo leigos no assunto de artes já ouviram ao menos falar destes. Nem que o seja de forma muito superficial. Fato este que ao ser comentado pode criar uma falsa ideia de que a América Latina não tenha produzido nada que se iguale ao legado dos grandes mestres europeus, seja em termos de originalidade, técnica, etc.

Contudo, lentamente esse cenário começa a mudar conseguindo o mundo afora conhecer um pouco mais do que a América Latina tem produzido neste sentido. Sendo um bom exemplo disso, a mexicana Frida Kalho (1907-1954) cuja vida e obra, em 2002, chamou à atenção inclusive de Hollywood que assim lançou por meio da cineasta Julie Taymor um filme estrelado por Salma Hayeck intitulado “Frida”. Fato que, aliás, não é um fenômeno recente, podendo sobre isso ser citado então o caso do brasileiro Candido Portinari (1903-1962) que teve ao longo da carreira sua obra exposta em grandes exposições e eventos dos EUA, Bélgica, Israel, etc.



 

Porém, ainda há muito que se mostrar para aprendermos e até mesmo nos surpreendermos com os diferentes estilos que incontáveis artistas latino-americanos já idealizaram. Inclusive quanto a controvérsias variadas que tornam ainda mais interessantes dadas criações, independente de apreciarmos ou não suas estéticas. Já que o impacto de uma obra de arte vai além da beleza que encontramos nela.

Como é o caso d a vasta produção de quadros, esculturas e desenhos realizada por Fernando Botero Angulo, colombiano de Medellín, nascido em 1932, cujo estilo é tão original que não raro se referem a ele como Boterismo. Que em vista das discussões que seu estilo levanta se faz um ótimo exemplo sobre como a arte visual na América Latina tem muito do que se dizer.

Não tendo como deixar de falar primeiramente da sua marca mais característica que é o uso de figuras rotundas, gorduchas, que podem suscitar inúmeras interpretações, tais como a estaticidade da humanidade e a ganância. Ocorrendo que a maioria de seus trabalhos envolve retratos, porém, não se restringindo a eles, uma vez que naturezas-mortas e paisagens, além de esculturas igualmente compõem seu acervo em torno de três mil pinturas e mais de duzentas esculturas, assim como inúmeros desenhos e aquarelas.

Tendo este seu estilo próprio, o de pintar todas as coisas volumosas, não apenas restrito às pessoas retratadas em suas telas, como também esta forma de reprodução da realidade aplica igualmente aos animais e objetos Dentre as quais que encontram maior destaque entre a crítica de arte suas as releituras como, por exemplo, da “Mona Lisa”, obra clássica de Leonardo da Vinci (atualmente exposta no Museu Botero em Bogotá, na Colômbia, cuja imagem da mesma se segue abaixo); ou então de “O Casal Arnolfini, de Jan van Eyck. Botero”.

Contudo, seria simplismo em demasia se ater apenas à essa sua característica em retratar formas volumosas. Portanto, vejamos um pouco além. Primeiramente pelo fato que Botero não se utiliza muito do contraste (tendência de uso de uma dada cor para induzir o seu oposto na tonalidade) tal qual ele evita a marca do pincel nas pinturas com o intuito de ajudar a construir uma aura esfumaçada, quase inerte para o observador.

Seguido de seu conteúdo voltado a um ativismo político, onde inclusive satiriza personalidades, políticos, militares, religiosos, músicos e até a realeza, evidenciando um posicionamento político crítico em que observa os movimentos da sociedade em geral. Sobre o qual vale citar como exemplo, uma série de pinturas inspirada nas torturas da prisão de Abu Ghraib (uma prisão no Iraque onde as forças de ocupação dos EUA promoveram diversas formas de violência extremamente brutais aos seus presos políticos por se opõem à intervenção estrangeira em seu país), no ano de 2005.

Também sendo válido sobre este aspecto de sua arte, igualmente citar como exemplo “A Morte de Pablo Escobar” que retrata o momento da morte do chefe do tráfico de drogas colombiano ao reagir à ordem de prisão (e que pode ser observada abaixo). Se devendo esta menção para destacar a preocupação em sua arte para igualmente despertar novos olhares da sociedade e não deixar cair no esquecimento episódios violentos que, assim talvez, não voltem a repetir tão facilmente.

Ao se resumir, numa definição mais precisa, o que é um estilo boterista, pode ser entendido então como uma mistura de influências modernistas mexicanas (principalmente Diego de Rivera), renascentistas e barrocas, em que Botero exprime esta estética, para muitos, polêmica com suas proporções exageradas que primeiro se notam, sejam em seus quadros ou esculturas. Nas quais sempre é possível se encontrar uma disposição de suas imagens bastante teatral, denotando um dado romantismo (sob o aspecto do heroísmo, da emotividade e/ou da sensualização) assim como um cunho bastante popular e emocional, além da polêmica que sempre se insurge por vezes.

Como, por exemplo, no próprio quadro que citamos “A morte de Pablo Escobar” (cuja imagem se nota acima) onde se percebe que o traficante colombiano é retratado como sendo de tamanho muito superior ao das casas abaixo dele. Também se percebendo um céu nublado, com nuvens densas e uma expressão serena (apesar da dor evidente), por parte do personagem retratado, ante a morte. Características que conferem a esta obra brechas para se interpretar como uma cena heroica, o que pode talvez ter sido ou não a intenção de Botero. Uma vez que o artista tinha compreensão de como era grande o imaginário entre a população colombiana a ver Pablo Escobar como um Robin Hood local, não cabendo aqui se discutir a construção dessa visão em torno desse traficante colombiano em questão. Mas sim, se atermos ao fato que o trabalho de Botero vai muito além de suas figuras em formas volumosas.

Portanto, um conjunto de apresentações que suscita incontáveis discussões, seja pelas controvérsias de sua estética, seja por dados temas que retrata. Cumprindo assim uma contribuição em se levar a criação artística além do mero ideal da arte pela arte, não precisando para isso ser um apreciador do Boterismo. O qual, aliás, tem muito de seu destaque inclusive em função das críticas negativas que recebe. Ou seja, uma obra que mesmo aos que não apreciem seu estilo, o legado artístico de Fernando Botero não consegue passar despercebido, ser ignorado.

Tanto que muitos críticos e especialistas de arte que não simpatizam com a sua forma de pintar, esculpir, desenhar; ainda lhe dedicam bastante atenção ao conceituar seu estilo de kitsh (vulgar, cafona) e populista, isso quando não lhe imputam a conotação de apelativo e retrógrado. Polêmicas que, contudo, repito que só destacam ainda mais a valorização de seu trabalho. O qual, aliás, atualmente faz de Fernando Botero o artista plástico, ainda vivo, mais caro da América Latina, tendo obras suas sido vendidas já pelo valor de 2 milhões de reais. Ou seja, um artista que, independente de como vemos à qualidade de sua arte, gera discussões, provoca debates e opiniões, configurando um trabalho que mexe com as pessoas.

Em alguns, meramente admiração pelo seu exotismo, em outros, discussões pelo que entendem um caráter apelativo, enquanto também há aqueles em que surge a dúvida se haveria uma fixação por personagens obesos e disso uma polemica sobre ela configurar uma apologia à obesidade. Logo, por tudo isso que desperta de ideias, discussões, temas e estéticas, um trabalho que vale a pena falarmos sobre ele como o fizemos agora. Afinal, a arte é muito mais do que somente o estético. Ela é tudo o que desperta os mais diversos sentimentos, sensibilidades, emoções. A arte é aquilo que também mexe com nossas zonas de conforto, nos levando a crescer um pouco mais. A arte é também aquilo ousa e que rompe com os padrões consagrados para assim irmos a novas experiências. Então porque não conhecer um pouco mais sobre Fernando Botero?

Sobre o autor:


LUIS MARCELO SANTOS: Professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia e mestrando em História pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.


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