APONTAMENTOS SOBRE A MANIFESTAÇÃO DE 29 DE MAIO EM PORTO ALEGRE

O Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata sempre que é possível está presente em atos e demais mobilizações. Na manifestação do dia 29 de maio, não foi diferente. Em Porto Alegre, milhares de manifestantes tomaram as ruas do centro da cidade, exigindo o impeachment de Jair Bolsonaro, vacina para a população, auxílio digno de no mínimo 600 reais.


Porém, alguns apontamentos precisam ser feitos. Primeiramente, faltou dar mais destaque para as pautas econômicas ou de luta contra o governo como um todo. Vimos apenas uma faixa mencionando a PEC 32, ou “reforma administrativa”, que prevê o fim dos serviços públicos gratuitos oferecidos à população. Essa "reforma" é na verdade um desmonte e irá atingir a toda a classe trabalhadora. Vimos outra faixa citando os "cortes, reformas e privatizações", mas de modo muito genérico. E não verificamos muitas faixas ou cartazes defendendo a construção de uma grande greve geral no Brasil de vários dias de duração para derrubar o governo Bolsonaro/Mourão. Pensamos que grandes protestos de massa, como esses do dia 29 de maio, não podem deixar de lado a pauta econômica, correndo o risco da multidão ser apenas uma “massa manobrável” que não perceberá que tanto Jair Bolsonaro como João Dória, Eduardo Leite ou Luciano Huck defendem a mesma agenda econômica neoliberal.

A luta contra o governo precisa ser clara. O Impeachment não pode servir para tirar um neoliberal e colocar outro em seu lugar.

 

Única faixa contendo citação da PEC 32. Parabéns para as professoras!

 

Em 2013 já tivemos a experiência concreta deste perigo. Naquela ocasião, milhares saíram às ruas contra a corrupção, contra o mau governo, contra os gastos com a copa do mundo ao invés de investimentos na educação e saúde pública. O “fora PT” acabou absorvendo parte da população mais jovem, que estava experimentando pela primeira vez manifestações daquele porte. Parte da esquerda acabou jogada para escanteio, e o resultado foi que 2013 deu força para think tanks neoliberais (como o MBL) e pavimentando o caminho da direita conservadora obscurantista; que elegeu uma forte base nos legislativos, em 2014. De 2014 para cá, já sabemos o roteiro: golpe na presidenta Dilma, destruição da CLT, eleição do presidente genocida Bolsonaro e demolição da previdência pública em 2019.

 

Ao centro, uma faixa do MRT mencionando "cortes, reformas e privatizações", contribuindo para a politização do grande ato. Foto tirada por Sul21.
 


Esse é o erro de não levar em conta a agenda econômica neoliberal, e de despolitizar grandes manifestações que tenham a tendência a aumentar em número de pessoas e de realizações. Se essa pauta contra o neoliberalismo fosse levada em conta em 2013, e os movimentos populares progressistas e revolucionários continuassem hegemônicos nas manifestações (poderiam ter até o apoio dos partidos de esquerda nos parlamentos, mas isso ocorreu esporadicamente, afinal, era um partido de “esquerda” que estava no poder naquela época: o PT), talvez a presidenta Dilma não tentasse resolver a crise econômica se abraçando ao próprio neoliberalismo de Joaquim Levy que é da mesma escola econômica de Paulo Guedes.


Única faixa que verificamos mencionando a construção de uma greve geral, durante o ato 29M em Porto Alegre, do PCB.


O mesmo vale para as manifestações do dia 29 de maio de 2021 e para as próximas que venham a ser organizadas com a segurança sanitária possível: NÃO SE PODE ABRIR MÃO DA QUESTÃO ECONÔMICA E DO ENFRENTAMENTO AO GOVERNO FEDERAL INTEIRO! Caso contrário, corremos o risco da história se repetir como farsa – tirarmos Bolsonaro para que? Para colocar em seu lugar Luciano Huck, João Dória ou até mesmo o Lula amigo dos bancos?

 

Vídeo enviado pelo membro do GEACB, Pablo. Tão importante quanto gritar "Fora Bolsonaro" é gritar contra as medidas neo liberais desse governo.
 

As recentes manifestações na Colômbia e, principalmente, no Chile estão dando aulas para nós brasileiros. No caso específico do Chile, que vem sofrendo com o neoliberalismo desde a ditadura de Pinochet, nos anos 1970-1980, o processo se ampliou: das ruas tomaram os parlamentos e dai para a mudança constitucional. Mas a pauta principal sempre foi muito clara para os chilenos: repúdio total as políticas neoliberais que afetam a economia, a vida e a sociedade daquele país. O Brasil precisa olhar mais para a América do Sul e esquecer um pouco as pautas liberais importadas dos Estados Unidos.

Sair às ruas e gritar “Fora Bolsonaro” sem também gritar “Fora Neoliberalismo” é vazio e perigoso. Não podemos cair em mais um erro, no lugar de aprender com eles!

 

Sobre os autores:



Rafael Freitas: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e apresentador do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Colunista no Jornal de Opinião (do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alvorada- SIMA) e no Jornal de Viamão.


 

 

Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História e Geografia. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.

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