LEVANTE POPULAR DOS PERIQUITOS

Algo que pouco se sabe, e uma das atualidades de Cipriano Barata, foi seu combate contra a militarização do Estado brasileiro, preconizando muitas vezes uma defesa do poder civil sobre o poder militar. Mas tivemos fatos históricos, onde esses dois grupos estiveram juntos.

 

                                                       Cipriano Barata

 

Nos jornais do gazeteiro bahiano, havia uma farta disseminação de informações referentes as disputas políticas de seu tempo, enfatizando as Guerras de Independência no Brasil. Os conflitos abrangeram as províncias do Pará, Piauí, Maranhão e Bahia, durando até o final do ano 1823, sendo que milhares morreram. Esses conflitos eram defendidos criticamente em discursos ou na escrita combativa de Barata, um dos elementos que indicam a preocupação com o Brasil como um todo. Como nos mostra o trecho do livro “Sentinela da Liberdade e outros escritos”, de Marco Morel (2008):

 

[...] É importante destacar que este jornal Sentinela da Liberdade redigido por Cipriano [Barata] foi o primeiro de uma série de periódicos de outros redatores que, pelo título, palavras de ordem ou ideário, vinculavam-se explicitamente às mesmas posições, em vários pontos do Brasil dos anos 1820-30. Se acrescentarmos a estas publicações aquelas que, mesmo sem o título de Sentinela da Liberdade, também associavam-se, de um modo geral e com algumas variantes, ao mesmo conjunto de proposições, temos os traços de uma significativa e ainda mal dimensionada rede de organização política quem mesmo sem ser um partido na contemporânea concepção do termo, significava uma forma palpável de articulação e pertencimento político a nível nacional, que se ligava a outros mecanismos de participação, como as eleições e atuação parlamentar, as mobilizações de ruas, recursos à luta armada, vínculos pessoais e coletivos a partir de fidelidades  intelectuais, regionais, familiares, profissionais, de trabalho, de atividade econômica, entre outras dimensões.” (págs.  163-164)

 

Por isso que a leitura atenta de Cipriano Barata, poderá mostrar o processo de Independência brasileira como também diversas batalhas regionais, não se encerrando com o “grito do Ipiranga”. Após a Guerras de Independência na Bahia, tivemos uma grande crise econômica, com aumento da pobreza e miséria nessa província, como nas demais onde tropas portuguesas tiveram que ser expulsas por não aceitarem a perda de sua colônia americana.

 

Pierre Labatut foi um dos principais líderes da Guerra de Independência na Bahia, um general francês que construiu batalhões com trabalhadores escravizados dos engenhos para o Exército, abalando o regime escravista e horrorizando a classe proprietária de gente e de terra local. A vitória do Exército de Labatut na Batalha do Pirajá, em 8 de novembro de 1822, foi um dos mais marcantes momentos dessa Guerra. 

 

Labatut participou de guerras ao lado de Napoleão Bonaparte, Simón Bolivar, da repressão às revoltas de Pinto Madeira e dos farroupilhas, mas foi personagem destacado da Guerra de Independência na Bahia. Para alguns foi herói, para outros um mercenário aventureiro, mas para Cipriano Barata ele merecia todas as críticas, pois estimulava “intrigas e rivalidades entre as províncias, o que certamente não pode ser vantajoso nestes lances perigosos e tempos de revoluções, quando é preciso mais harmonia e fraternidade”- conforme ele afirmou na edição 18 do jornal “Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco Alerta!” (BARATA, 2008, pág. 265).   Não satisfeito, escreveu na edição 20 da mesma gazeta:

 

Agora nos chegam da Bahia notícias mui satisfatória, pois coincidem com as que havíamos adiantado a respeito do malvado Labatut que, sendo eleito General do Exército contra o Madeira, teve o audacioso comportamento de querer sopear aquela rica Província. Sua animosidade foi tão excessiva e o despotismo tão temerário e arrojado, que chegou a empreender a prisão da Junta Provisória da Cachoeira, para ficar ele só governando como Brachá. E o mais é que se diz que isto era efeito de ordens particulares que o Governo do Rio de Janeiro tinha dado secretamente ao dito Labatut para se assenhorear do Governo da Província, e ficar ele só constituindo Capitão-General, que é manobra do Rio à imitação das manobras das Cortes de Lisboa [...]. (pág. 275)

 

E mais ainda, na edição 25:

 

                                          [...] viria um Francês ignorante, Labatut, grosseiro, de coração cruel e feroz, e que pouco entende de [ilegível] comandos, elevado ao grandioso posto de General da Bahia, [...] conluio dos que maquinaram a favor do Despotismo. Homem sem lei, sem humanidade, que fez fuzilar 53 Negros Escravos com peças de artilharia, sem forma alguma de justiça e sem motivo plausível, veria o Senhor Deputado que Labatut de nada que era teve a promoção e foi de salto a General, e fez de tudo quanto quis de salto e sem ter oposição, enquanto se não combinou o brio, a honra e o patriotismo dos valentes Oficiais do exército que o prenderam e derrubaram da altura em que se achava. (pág. 296)

 

O fuzilamento de negros aquilombados, foi um ato assumido pelo general francês em ofício, matando 51 homens e surrando 29 mulheres negras, com a justificativa que estariam armados pelos portugueses para combater a independência brasileira. A violência de Labatut foi tamanha, que seu nome se tornou um monstro do folclore do sertão nordestino. O sangrento e infame general francês liderou os batalhões e tropas brasileiros na Bahia, para enfrentar a reação a Independência do Brasil, liderada pelo português Inácio Luis Madeira de Melo.

 

                                                       Pierre Labatut

 

Esses acontecimentos acima referidos, ajudam-nos a contextualizar o Levante dos Periquitos. Por que logo após o término da  Guerra de Independência na Bahia, os soldados negros que participaram dos conflitos em seus batalhões, continuariam em Salvador. Um deles era o Terceiro Batalhão de Caçadores ou Batalhão dos Periquitos, devido a cor verde oliva nos colarinhos e nos punhos dos uniformes. Os chamados periquitos eram  muito temidos, havia desconfiança de que eram integrados por republicanos defensores da Confederação do Equador (feita por Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e que foi derrotada pelos imperiais em 1824). Segundo alguns autores, havia líderes da Revolta com um discurso favorável à Confederação  mesmo e com a repressão aos confederados pernambucanos, os periquitos ficaram cada vez mais hostis a tudo que viesse do Rio de Janeiro. Outra circunstância presente às vésperas do Levante era o desespero dos senhores de engenho diante da possibilidade de uma revolução análoga à haitiana, com apoio dos periquitos.

 

Em 21 de outubro de 1824 o Batalhão dos Periquitos recebeu três notícias: seriam tirados de Salvador, uma parte removida para Pernambuco; seriam reescravizados; e o Major Antônio da Silva Castro (o “Periquitão”), uma de suas principais lideranças, iria servir no Rio de Janeiro. A indignação aumentava ao não receberem gratificações por expulsarem os portugueses, apenas obtinham castigos físicos e soldos pagos geralmente com atrasos.

 

O levante foi resultado além desses fatores, pela miséria social crescente, e foi caracterizado por um mês de conflitos, durando até o início de dezembro. Os revoltosos tomaram a cidade de Salvador, apoiados por outros batalhões formados por negros, e tudo começou quando assassinaram o Governador de Armas Coronel Felisberto Gomes Caldeira. O início avassalador do levante assustou  o Presidente da Província e grande parte da classe dominante, que se  refugiaram no interior baiano. Salvador durante esse curto período foi um campo de guerra entre portugueses e os periquitos, aliados a outros batalhões e a população trabalhadora pobre. A ideia subversiva naquele tempo de república foi exaltada em meio ao levante popular e militar.

 

Foram alvos de ataques: portugueses, monarquistas e comerciantes. os soldados negros e a população pobre se juntaram para saquear estabelecimentos e fazendas. Era a luta de classe nua e crua! 

 

                      Leitura obrigatória para compreender a História do Brasil
 

Em meio a revolta, por outro lado, grandes proprietários bahianos se aliaram aos portugueses para financiar a retomada de Salvador. Após conflitos e negociações, os revoltosos se renderam. O Batalhão dos Periquitos foi finalmente enviado para Pernambuco, enquanto alguns soldados foram expulsos do Batalhão. Processos com condenações penais verbais, com julgamento realizado por um conselho militar, resultou na morte de dois líderes do Levante: Major Joaquim Sátiro da Cunha e Tenente do Quarto Batalhão (também conhecido como Batalhão das Pitangas) Gaspar Lopes Vilas Boas, ambos  foram sentenciados à morte e fuzilados em 1825.

 

A derrota da Revolta dos Periquitos ao mesmo tempo que a Confederação do Equador se enfraquecia, fortaleceu a monarquia escravista brasileira. Mas esses fracassos ocorridos durante o Primeiro Reinado ajudaram a moldar o pensamento do revolucionário Cipriano Barata, que solidificava o ideal de rebelião popular nos corações e mentes em seu tempo. 

 

As análises sobre esses acontecimentos, envolvendo Labatut e os negros que resistiam à escravidão, ajudaram a politizar Cipriano Barata, ao ponto de a partir de 1831 ele jamais publicar anúncios de compra venda ou fuga de trabalhadores negros escravizados em seus jornais. Enquanto hoje a esquerda mais radical propõe construir uma greve geral, por meio dos Atos pelo Fora Bolsonaro, Mourão, Guedes e seus Cúmplices, era isso que defendia Cipriano Barata, na sua “Gazeta Pernambucana”, em 14 de agosto de 1823: “Espero que a minha Morte produza uma revolução geral no Brasil”.

 

Referências:

 

BARATA, Cipriano.  Sentinela da Liberdade e outros escritos (1821-1835). Organização e edição Marco Morel. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

 

REIS, Arthur Ferreira. OS CORCUNDAS E OS PERIQUITOS: a visão áulica sobre a Revolta dos Periquitos na Bahia. 

 

REIS, Arthur Ferreira. A Revolta dos Periquitos. insatisfeitos com imposições de uma elite assustada, o "batalhão dos periquitos" uniu-se com parte da população baiana e iniciou uma rebelião popular que abalaria a história de Salvador. 

 

KRAAY, Hendrik. Em outra coisa não falavam os pardos, cabras e crioulos: o "recrutamento" de escravos na guerra da Independência na Bahia. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.43, 2002
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Sobre o autor:

 
Rafael Freitas: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e apresentador do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Colunista no Jornal de Opinião (do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alvorada- SIMA) e no Jornal de Viamão.

 

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