Não entendam como um trocadilho sem graça. Pois não há como não dizer que Manuel Raimundo Querino é um personagem simplesmente querido, esplendido em vista de toda a sua trajetória e legado. Não tanto por suas realizações, mas principalmente pela superação de todas as adversidades que o permitiram uma existência de incontáveis concretizações. Ou seja, como sempre adoramos destacar: mais um exemplo às atuais e futuras gerações.
Então que comecemos pelo começo. Quando sua vida parecia, como a de tantos oprimidos pela brutal e cínica exclusão social, sem grandes perspectivas. Órfão desde os 04 anos de idade. Negro nascido numa sociedade ainda escravocrata, em 1851, ou seja, muito mais restritiva do que agora. Dono de saúde frágil a ponto de não ter podido ser mandado à Guerra do Paraguai. Apenas parte dos muitos caminhos tortuosos que percorreu. Mas que apesar disso, ele conseguiu se impor.
Pois este baiano de Santo Amaro ao fim se fez uma referência incontestável à história baiana, um exemplo de empoderamento à identidade negra, uma inspiração, por meio de todo este seu percurso, que muito resumidamente comentamos, a outros que a exclusão social igualmente continua a castigar despudoradamente. Artista plástico, cujos desenhos de inigualável maestria vieram a compor dois livros sobre o desenho geométrico. Formado em arquitetura, além de ter sido premiado em vários concursos pela Escola de Belas Artes e o Liceu de Artes em Salvador, capital da Bahia. Espaços onde ele também brilhou em exposições em que igualmente seu trabalho foi amplamente reconhecido.
Intelectual de grande capacidade que pelo próprio esforço se dedicou ao estudo do francês e do Português. Professor de desenho geométrico no mesmo Liceu em que se formou. Por si só uma referencia de superação impressionante. Se não fosse que há ainda mais a se falar sobre as suas realizações.
Principalmente porque a sua biografia carrega intensos debates intelectuais contra a ciência racista, eugenista e elitista de sua época. Ideias preconceituosas, sob um verniz de cientificidade, encabeçadas pelo renomado intelectual e cientista Raimundo Nina Rodrigues. Onde enquanto Nina, com seus trabalhos (inclusive sua obra póstuma, publicada somente em 1932, “Os africanos no Brasil") defendia a necessidade de branqueamento da sociedade brasileira a fim de lhe tornar mais “civilizada”, Querino consegue refutar com grande maestria a estes argumentos.
Essa ideia do "branqueamento" levantada por grande parte dos intelectuais brasileiros da época (Nina Rodrigues, Belisario Penna, Miguel Couto, João Baptista de Lacerda, dentre outros) é habilmente desconstruída por Manuel Querino com o entendimento de que os africanos já tinham civilizado o Brasil. Assim como também expõe que os negros eram sim extremamente capazes de realizar trabalhos sofisticados, ao contrário do que se pensava sob a lógica preconceituosa da época. Nesse sentido, Querino antecipou as ideias de Gilberto Freyre, que também foi uma voz intelectual que defendeu o valor da cultura negra no Brasil. Contudo, suas contribuições não eram atraentes a uma elite preconceituosa que, inclusive via na imigração de europeus, maior oferta de mão de obra a ser explorada.
O colono preto como fator da civilização brasileira, Salvador, 1918 (apresentado no VI Congresso Brasileiro de Geografia em Belo Horizonte em 1919)
Interesses políticos e econômicos conduzidos por uma elite reacionária aos quais Querino não quis combater apenas em debates intelectuais. Nisso tanto na política partidária como por meio da impressa ele se fez um republicano, liberal e abolicionista fortemente atuante. Fundou os periódicos “A Província” e “O Trabalho”, onde defendeu os seus ideais republicanos e abolicionistas, além ter produzido para a “Gazeta da Tarde” uma série de artigos sobre a extinção do trabalho escravizado. Anos depois ele foi um dos fundadores do Partido Operário e da Liga Operária Baiana.
E olha que isso é só parte de sua incrível biografia... Como não dizer simplesmente querido, empolgante o vulto deste baiano Manuel Raimundo? Em que como eu disse não exaltando a um símbolo, mas como sempre fazemos ao longo dos mais diversos textos que já produzimos, a um exemplo. Somente isso.
Apesar de todas as injustiças que sofreu. Ofuscado por intelectuais mais reacionários. Preterido em promoções no serviço público em favor de outros menos capacitados, contudo, com maior “pistolão” como se diz no jargão popular.
Nada disso o fez se sentir diminuído. Nada disso impediu que ele levasse adiante seu pioneirismo no estudo com afinco sobre as mais variadas contribuições do negro para a história e o desenvolvimento do Brasil. Inclusive afirmando que o negro era muito mais capacitado que o imigrante estrangeiro para enfrentar aos vários problemas do país.
Assim o fazendo em publicações como a de 1906, um artigo intitulado “Os artistas Baianos” dentro da Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, que também teve outros trabalhos deste intelectual publicados nela nos anos de 1908 a 1914. Uma vasta produção que vale ainda destacar no ano de 1909, agora no Rio de Janeiro, “Artistas baianos”, trabalho que trouxe visibilidade ainda maior aos artistas negros da Bahia. Um trabalho tão amplo sobre as artes, artistas e artesões da Bahia que, dificilmente alguém pode efetuar uma pesquisa de qualidade sobre esses assuntos sem consultar suas publicações.
Sendo sobre estas suas produções importante citar “As artes na Bahia” em que ele dedicou muitos trechos de biografias de trabalhadores, artesãos e mecânicos, ou seja, pessoas qualificadas como “gente comum”, “sem importância”; até que esta sua contribuição veio a mostrar bem o contrário. Permitindo se conhecer manifestações artísticas fascinantes que somente não se perdem com o tempo pela sua visão muito mais ampla que a da maioria de seus contemporâneos. Como, aliás, Querino fez em toda a sua produção revelando muitas informações que vinham diretamente de negros, pretos, afro-brasileiros idosos que conversavam com ele sem inibição, pois o viam como um amigo.
Uma pequena amostra de todo um trabalho que fez dele o primeiro brasileiro da história, isso mesmo, o primeiro brasileiro da história, a trazer para dentro dos meios acadêmicos todo o mérito das contribuições africanas ao Brasil, mostrando como elas em nada ficavam a dever às contribuição de matrizes europeias. E como era de esperar, sua coragem também abraçou a defesa às religiões afro-baianas que se até hoje sofrem muito preconceito, imaginemos então o quanto maior era a perseguição que sofriam nesta época. Sua contribuição neste sentido se fosse resumida em poucas palavras, poderíamos afirmar simplesmente que ele criou uma ponte entre culturas e classes sociais diferentes.
Por tudo isso que somente dissemos um breve resumo que sem exagero repetimos Querino, simplesmente querido, importante lhe darmos toda a atenção que seu legado merece. Ou seja, darmos reconhecimento a alguém que muito fez e, indiretamente, ainda pode fazer, inspirando outros com a sua história.
Sendo sobre estas suas produções importante citar “As artes na Bahia” em que ele dedicou muitos trechos de biografias de trabalhadores, artesãos e mecânicos, ou seja, pessoas qualificadas como “gente comum”, “sem importância”; até que esta sua contribuição veio a mostrar bem o contrário. Permitindo se conhecer manifestações artísticas fascinantes que somente não se perdem com o tempo pela sua visão muito mais ampla que a da maioria de seus contemporâneos. Como, aliás, Querino fez em toda a sua produção revelando muitas informações que vinham diretamente de negros, pretos, afro-brasileiros idosos que conversavam com ele sem inibição, pois o viam como um amigo.
Uma pequena amostra de todo um trabalho que fez dele o primeiro brasileiro da história, isso mesmo, o primeiro brasileiro da história, a trazer para dentro dos meios acadêmicos todo o mérito das contribuições africanas ao Brasil, mostrando como elas em nada ficavam a dever às contribuição de matrizes europeias. E como era de esperar, sua coragem também abraçou a defesa às religiões afro-baianas que se até hoje sofrem muito preconceito, imaginemos então o quanto maior era a perseguição que sofriam nesta época. Sua contribuição neste sentido se fosse resumida em poucas palavras, poderíamos afirmar simplesmente que ele criou uma ponte entre culturas e classes sociais diferentes.
Por tudo isso que somente dissemos um breve resumo que sem exagero repetimos Querino, simplesmente querido, importante lhe darmos toda a atenção que seu legado merece. Ou seja, darmos reconhecimento a alguém que muito fez e, indiretamente, ainda pode fazer, inspirando outros com a sua história.
Sabrina Gledhill - Manoel Querino, Um Intelectual Negro no Século XIX.
Sobre o autor:
LUIS MARCELO SANTOS: É professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia e mestrando em História pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.
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