DE ESTÁTUA EM ESTÁTUA...

 


O antigo linguista soviético Volochínov já dizia que a luta de classes se dá também no campo dos signos. A queda ou a queima de uma estátua, portanto, não é um fato fortuito, mas um acontecimento que expressa determinado conflito. Mas, de antemão, gostaria de dizer que lamentavelmente a estátua de Borba Gato, incendiada na semana passada em São Paulo, pode ser restaurada, assim como muita barbárie pode ser e está sendo restaurada no Brasil (depois de escrever esse texto, descobri que um empresário irá custear a restauração). Minhas reflexões aqui serão bem limitadas, visto que não entrarei no campo da arte.

A polêmica da estátua de Borba Gato é só mais um capítulo na míope polêmica dos que insistem na aproximação de ações “radicalizadas” da esquerda com ações da direita (e, sim, a direita também derruba estátuas). Não quero discutir se ela deveria ser queimada ou posta em um museu. Nem entrar em uma discussão elitista sobre o “bom-gosto” da obra: há quem use isso para tangenciar a discussão, como se dissessem: se possui valor estético fica, a despeito do que representa, ou, então, sai.

 

Parece mesmo que precisamos pensar sobre “quem somos nós, afinal?” Muita gente, até mesmo do campo político progressista, tem um tique nervoso em procurar aproximação entre as ações mais "contundentes" da esquerda com as ações da direita.

 

Sejamos bem realistas: os capitalistas têm a vantagem da hegemonia e do modo de produção dominante na maior parte do mundo. Vejamos a dialética: só existimos, enquanto pólo oposto, por causa deles, e não a despeito deles: princípio de identidade dos contrários. Então, seria bom pararmos de pensar que estamos em um lugar privilegiado da realidade, dotado de pureza, quase místico. Só existem os socialistas porque existem os capitalistas, não somos uma criação à parte, fruto do verbo de algum deus específico. Retiremos, de vez, a narrativa sagrada de nossa consciência. Isso quer dizer: podemos derrubar estátuas, sim. E não estamos em uma relação de equilíbrio com a direita: para eles manterem o seu sistema, basta usar de sua força econômica, política, militar e ideológica; para os combatermos, precisamos de muitíssimos sacrifícios e esforços.

 


Grandes transformações, revoluções ou mesmo a luta anticolonial no século XX não se deram com rosas, ou com povos eleitos, mas, sim, com homens e mulheres que assumiram seu lugar nas relações de antagonismo, e lutaram da forma que foi possível. Isso é um ponto a favor da queima da estátua? Sim. A destruição de estátuas é algo essencialmente bom ou mau? Não. Cada estátua, uma sentença.

 

Os reacionários na Ucrânia derrubaram, em 2014, uma das maiores estátuas de Lênin da Europa: a direita delira de êxtase e certa esquerda autofóbica comemora o aniversário dos mesmos feitos. É bom lembrar que a direita e parte da esquerda aplaude até hoje a derrubada das estátuas de Stálin na antiga URSS, no chamado processo de desestalinização. Inclusive daquelas que foram construídas no contexto da Segunda Guerra, quando da derrota do nazismo, para a qual a luta de Stálin foi imprescindível.

 

Enfim, em pleno governo Bolsonaro, com mais de meio milhão de mortos, a polemica da queda da estátua nem deveria existir entre nós da esquerda, tampouco se tem ou não validade como forma eficaz de luta. Deveria ser apenas mais uma postagem do tiozão do whatsapp ou do grupo da Igreja


Sobre o autor: 




Pedro Amaral: Militante do PCB (Célula de Alegrete), membro do Comitê Regional do PCB-RS. Mestre em Ensino de Línguas pela Universidade Federal do Pampa.

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