A HISTÓRIA TÓXICA DO BAIRRO LOVE CANAL

 

William T. Love: rico empresário, acionista nas crescentes e lucrativas ferrovias estadunidenses. Fez fortuna na década de 1890. Love tinha planos de construir uma área urbana planejada nas margens do lago Ontário, em Niagara Falls, região próxima às cataratas, no estado de Nova York. A rápida industrialização da região daria a William T. Love muito dinheiro com a construção de fábricas e de um canal para navegação. Este canal não foi concluído, restando apenas uma grande vala com metros de comprimento. O canal inconcluso acabou dando seu nome ao local – que passou a se chamar “Love Canal” (Canal do Love ou “Canal do Amor”, como diriam alguns de seus primeiros moradores).

Anos mais tarde, na década de 1940, uma grande empresa química, a Hooker Chemical Company (hoje Oxy – Occidental Petroleum Corporation), comprou a grande área em torno do Love Canal e a usou o buraco do canal inacabado como depósito químico! Isso só foi possível com o aval de alguns políticos, claro. Centenas de barris foram jogados no canal, sem qualquer preocupação com o meio ambiente. A empresa Hooker produzia cada vez mais por causa do envolvimento dos Estados Unidos na 2 Guerra Mundial. E quanto maios sua produção, mais lixo era deslocado no Love Canal.

Em 1953, a Hooker começou as tratativas para vender o terreno. Antes, porém, tratou de “esconder” os barris de material químico com uma camada de terra. O conselho educacional de Niagara Falls (uma espécie de agência governamental) comprou as terras da empresa Hooker, com intuito de construir uma escola. A escola foi construída, e as partes que sobraram do terreno foram vendidas para empresas de construção civil, que construíram residências no local – e isso pressupõe uma rede de saneamento que passaria pelas camadas de terra que cobriam o lixo tóxico.

Ao longo dos próximos anos, lentamente, os produtos tóxicos contaminavam o solo e as residências. Os moradores de Love Canal sofreram com a infiltração tóxica em suas casas.



Em 1977, chuvas torrenciais acabaram desencadeando um processo químico que fez os produtos tóxicos emergirem nas poças de água. As pessoas, desavisadas, caminhavam pelas poças e se contaminavam com os desejos tóxicos. As solas de sapatos queimaram em contato com o líquido tóxico. Cães que tiveram contato com a água adoeceram e morreram. A situação ficou crítica após a morte de algumas pessoas. Autoridades foram alertadas.

No dia 02 de agosto de 1978 houve o primeiro aviso de evacuação da área. 239 casas estavam construídas sobre o canal.

Ocorre que, apesar dos alertas de evacuação e da construção de cercas em torno da área crítica, as casas em volta do Love Canal também sentiam os efeitos da contaminação. Porém, órgãos governamentais insistiam que essas residências, fora do perímetro crítico, eram seguras. Então foi criada a Associação dos Proprietários de Love Canal, que reivindicava um posicionamento sério das agências governamentais, frente aos crescentes casos de intoxicação e mortes. Além disso, as famílias não tinham condições de arcarem sozinhas com a compra de novas residências para morar – precisavam do auxílio do governo. As mais ativas militantes da Associação eram mulheres donas de casa. 



Após estudos da Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency – EPA) concluírem que os produtos químicos em contato com as pessoas causariam danos genéticos irreversíveis, o presidente Jimmy Carter resolveu se pronunciar sobre o tema. Em 1980, Carter resolver financiar a evacuação das famílias, comprando as residências, das quase 720 famílias que viviam na área afetada pela intoxicação.

A história tóxica de Love Canal e seus danos permanentes na vida dos moradores do bairro, refletem as intrincadas e nefastas relações entre políticos, capital, governo, meio ambiente e qualidade de vida. O caso só teve um desfecho definitivo em 2004, quando a região foi definitivamente interditada.


Love Canal hoje. Imagem do Google Maps.


Steve Hicks, filósofo militante do liberalismo, em seu artigo O desastre ambiental do Love Canal — quatro décadas depois” tenta buscar os culpados pelo desastre de Love Canal. Para ele, a explicação é maniqueísta, como todo liberal desonesto: a culpa é do governo! Claro, como se o governo num país capitalista, como são os Estados Unidos, não estivesse a serviço dos empresários capitalistas… Hicks seria mais honesto ao dizer que a culpa é do próprio capitalismo, mas claro, como defensor do liberalismo, ele culpa o governo por praticar o “lado ruim” do capitalismo que ele próprio defende. 




Referências:


HERCULANO, Selene. Justiça Ambiental: De Love Canal À Cidade Dos Meninos, Em Uma Perspectiva Comparada. Justiça e Sociedade: temas e perspectivas. Marcelo Pereira de Mello (org.) São Paulo: LTr, 2001, pp. 215 – 238. Disponível em: https://professores.uff.br/seleneherculano/wp-content/uploads/sites/149/2017/09/JUSTIÇA_AMBIENTAL_de_Love_Canal__v5_à_Cidade_dos_Meninos.pdf


HICKS, Stepehn. O desastre ambiental do Love Canal — quatro décadas depois. Disponível em: https://www.stephenhicks.org/2015/01/04/o-desastre-ambiental-do-love-canal-quatro-decadas-depois


BBC News Brasil. Canal do Amor, o bairro construído sobre 20 mil toneladas de lixo tóxico. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uUoFbRq29mk


SILVA, Marcel da. A "insustentável" história do "Love Canal". Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/organic/2014/06/a-insustentavel-historia-do-love-canal.html



Sobre o autor:

 
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História e Geografia. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.

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