Uma passagem pouco lembrada da história do Caribe por boa parte das pessoas é o seu passado indígena. Compreensível diante da combinação de genocídio (assassinato em massa) e etnocídio (destruição de uma cultura) que a colonização espanhola lentamente triunfou sobre todo este arquipélago. Violência a qual as populações indígenas não a assistiram de forma passiva.
Representação de Caonabo
Sendo um exemplo desta afirmação um personagem chamado Caonabo. Um dos principais caciques de Hispaniola (ilha que abriga hoje os países Haiti e República Dominicana) na época da chegada de Cristóvão Colombo. Até onde se sabe esta ilha estava dividida em cinco cacicazgos (chefias). Os domínios de Caonabo, por sua vez, seriam onde hoje é a região de San Juan de la Maguana, na República Dominicana.
Representação de Anacaona e Caonabo
Para ser mais preciso, ele governou a chefia de Maguana na parte centro-sul da ilha, junto com sua esposa, Anacaona, outra figura de grande destaque neste período da história desta ilha. Seu nome significa “Senhor da Casa de Ouro”. Para alguns historiadores este líder nativo se faz, sem exagero, "o primeiro libertador americano" pela sua resistência aos espanhóis que chegam junto com Colombo em 1492.
Representação de Anacaona
Isso mesmo: já no ano da dita “descoberta” da América, quando Colombo funda perto de onde a cidade de Santo Domingo foi fundada mais tarde, um forte militar com os restos do navio “Santa Maria” que naufragou na costa norte. Como o naufrágio ocorreu no dia de Natal, o forte ficou conhecido como La Navidad. Como guarnição da fortaleza, Colombo nomeou 39 homens a cargo do escriba real Diego de Arana.
Local de onde os espanhóis, em pouco tempo de estadia, já começam a se prevalecer sobre a população local. Como quando prenderam dois índios e atacaram maltratando suas mulheres. Por essa brutalidade crescente por parte destes recém-chegados, Caonabo, em resposta, liderou um ataque ao forte em 1493, derrotando todos os espanhóis que lá permaneceram (pois Cristóvão Colombo havia retornado à Espanha).
Sua esposa, Anacaona explicaria mais tarde que, indignado principalmente com o tratamento abusivo dado às mulheres nativas pelos espanhóis, que Caonabo decidiu agir de modo drástico. A começar pelos líderes do forte militar que se faziam coniventes com tais abusos. Por isso Caonabo matou primeiramente a Rodrigo de Escobedo, assim como Pedro Gutiérrez e vários de seus homens. Em seguida, sem mais ter o que temer, ele atacou ao próprio forte de La Navidad à noite, destruindo-o e dando fim aos demais espanhóis que, sob o comando de Diego de Arana, permaneceram sob sua guarda.
Quando Colombo voltou para Hispaniola e encontrou La Navidad destruída, Caonabo rapidamente passou a ser considerado um dos líderes mais fortes da ilha. O cacique Guacanagaríx de Marién, que tinha firmado uma forte relação de amizade com Colombo, informou aos espanhóis que Caonabo era o responsável pelo ataque. Sendo que este não foi o único, de modo que o controle dos espanhóis sobre a ilha estava em sério risco, diante das vitórias de Caonabo.
Então em 1494, Bartolomeu Colombo, irmão do navegador, recebeu a notícia de que Caonabo estava planejando um ataque agora ao forte espanhol estabelecido em Santo Tomás. Acontecimento que veio a durar um mês, o cerco levantado por Caonabo, quase matando de fome toda a guarnição inimiga. A despeito de que as armas de fogo haviam conseguido em boa parte intimidar esses atacantes. Em resposta, Cristóvão Colombo enviou um grupo de quatrocentos homens liderados por Alonso de Ojeda para marchar para o interior da ilha a fim de instigar o medo e subjugar os nativos.
Foi assim que Caonabo foi capturado por Ojeda e feito prisioneiro logo depois. Todavia, não por causa do uso da força, segundo a versão mais conhecida da história. A qual se faz provavelmente uma invenção embelezada e romantizada pelos espanhóis, bastante questionável ao atribuir a derrota deste líder local de forma tola, exageradamente ingênua. No caso esta versão se deve ao frei Bartolomeu de las Casas ao escrever que Ojeda enganou Caonabo com um truque pré-arranjado. Sobre isso Bartolomeu de Las Casas conta em sua obra “História Geral dos Indios” que Ojeda se ajoelhou e beijou as mãos deste líder nativo, e disse aos companheiros: "façam todos como eu". Segundo esta versão o ardil somente deu certo, porque os nativos não sabiam o que era o uso da mentira, dizendo eles somente a verdade. Isso segundo Bartolomeu de Las Casas.
Portanto, ele, Ojeda, o fez entender que trazia adereços, algemas muito lúcidas e prateadas, e, por sinais e algumas palavras que Ojeda já entendia, fez com que ele entendesse que esses adereços vieram do céu e tinham grande virtude secreta, e que os reis de Castela a usavam como uma grande joia. Assim ele disse “(...) peço-lhe que vá ao rio para relaxar e se lavar, que era algo que eles usavam muito, e que ele faria colocava-os onde os trouxesse, e que mais tarde viria cavaleiro a cavalo, e apareceria aos seus vassalos como os reis ou guamiquinas de Castela (...)”.
Depois de se lavar e se refrescar, ele teria vestido as algemas e subido ao cavalo de Ojeda que aos poucos se afasta para longe, o levando para a prisão. Contudo, é incerto poder se afirmar que um líder que tão eficiente resistência criou aos invasores espanhóis tivesse caído num ardil como este. Mas, infelizmente não há uma versão dos nativos sobre este fato que tenha sobrevivido até nós.
Mas enfim, importa dizer mais que mesmo submetido, Caonabo continuou ainda assim igualmente impondo medo e respeito aos seus captores. Uma vez que mesmo após ser capturado e entregue a Cristóvão Colombo, posto em cativeiro algemado em uma sala da casa deste comandante na comunidade de La Isabela, onde estava este orgulhoso Cristóvão de seu feito agora, a quem ele foi apresentado e informado de que o mesmo era o líder dos "brancos", Caonabo orgulhosamente recusou-se a reconhecer a este como um líder ali.
Tanto que Caonobo diante deste seu captor o olhou com desdém, se restringindo a responder a todas as suas perguntas com total silêncio de forma altiva, orgulhosa, mesmo quando ameaçado, então sorrindo com ainda mais sarcasmo. Em nada se intimidando. Tanto que para enfurecer ao seu captor ele se orgulhou pelo massacre do Forte Navidad, dizendo que se não fosse a astucia do ao seu verdadeiro captor, Ojeda, teria massacrado a todos os brancos de lá.
Pintura do momento de captura de Caonabo
Tanto que a questão estava longe de ser dada por encerrada. Pois a captura de Caonabo despertou o sentimento generalizado das tribos Taíno (nome dado em geral aos habitantes dessas ilhas), levando ao primeiro levante americano nativo contra os espanhóis. O irmão de Caonabo, Manicatex, reuniu cerca de 7.000 nativos para atacar os espanhóis e resgatar Caonabo. No entanto, os Taínos foram facilmente derrotados, em grande parte devido ao uso da cavalaria pelos espanhóis. Manicatex e outros líderes nativos foram feitos prisioneiros. Contudo, as tensões não cessam. O que leva os espanhóis a decidirem retirar Caonabo da ilha de Hispaniola para evitar futuras revoltas, então ele e seu irmão foram enviados para a Espanha.
Mas Caonabo promoveu uma rebelião que apesar de tomar o navio, causou seu naufrágio e assim ele morreu durante a viagem. Ainda que outra versão diz que foi um furacão a causa do naufrágio. Tendo ainda uma terceira explicação de que ele teria se suicidado para dar não ao inimigo a satisfação de lhe manter como um troféu de guerra. Importando dizer que somente com o desaparecimento de Coanabo que os espanhóis passaram de fato a se impor sobre os nativos da ilha. Isso a despeito da resistência que agora continuou com sua esposa Anacoana e outras lideranças que se seguiram.
Video com breve biografia de Canabo
Sobre o autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia e mestrando em História pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.
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