Revolta de Vila Rica

A História Popular do Brasil tem fatos importantes e injustamente ignorados, como a Revolta de Vila Rica de 1720. Uma sedição que teve somente um executado, o português Felipe dos Santos Freire. O líder popular foi morto e esquartejado a pedido do governador da província de São Paulo e Minas do Ouro.

Antecederam a Revolta de Vila Rica, dezenas de motins contestando a autoridade real. Havia excesso de impostos, falta de alimentos, descontentamentos crescentes com o governador Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, também conhecido como Conde de Assumar, por poderosos locais e populares.



Gravura dá rosto ao revolucionário Felipe dos Santos. Fonte: Estado de Minas


Documentos mostram que as autoridades acusavam os rebeldes de terem como objetivo extinguir o domínio real e formar uma república. E de fato, os rebeldes elegeram um novo ouvidor geral e governador, durante uma assembleia em um exercício de autogestão. Outra acusação foi de estarem entre os rebeldes, dezenas de negros armados, e realmente os trabalhadores negros escravizados estavam participando ativamente deste motim. Eles eram os mascarados.

A participação daqueles trabalhadores que moravam nas senzalas, foi mencionada na obra clássica “Rebeliões da Senzala. Quilombos, insurreições, guerrilhas”, do sociólogo Clóvis Moura:

Na malograda revolta de Felipe dos Santos, em Minas Gerais, temos notícias da participação no movimento de “portugueses com os seus negros”, que foram presos. No dia 28 de junho de 1720, sete mascarados, juntamente com muitos pretos, armados, derivaram do morro onde se encontravam, invadindo e depredando diversas casas. Em seguida, intimaram o governador a não abrir novas casas de fundição. (1988, p. 74)

Na Revolta de Vila Rica, os "elementos cativos" participaram como aliados de outras frações de classe, sendo elementos destacados e decisivos nesta luta. À vista disso, a participação de trabalhadores negros entre os mascarados é atestada por documento assinado pelo Conde de Assumar “autorizando e recompensando a morte de mascarados”. 

Os mascarados, junto a outros rebeldes, fizeram a rebelião por diversas causas: contra a instalação das casas de fundição- que alterava a forma de cobrança do imposto do quinto, para abolir impostos cobrados para calçamento das ruas e para o sustento da Companhia dos Dragões, entre outras razões.

Mas como aconteceu a Revolta de Vila Rica? A população mascarada, armada, vinda do morro, percorre as ruas da Vila e saqueia a casa do ouvidor geral da comarca, destruindo todos os documentos e livros existentes no local. Enquanto o ouvidor Martinho Vieira Freitas fugia. Após, os rebeldes elaboram um termo com as reivindicações, na praça de Vila Rica. A petição com seis ítens é levada ao Conde de Assumar por dois representantes.

Diante da má vontade do governador, os rebeldes prendem todos os oficiais da câmara e marcham até o Conde de Assumar. Na marcha, ocorrida em 2 de julho, mais de mil pessoas, entre mineradores, artesãos, agricultores e escravizados, caminharam unidos. Eles levavam uma nova petição com mais itens e todos os oficiais presos, diretamente no palácio do governador, em Ribeirão do Carmo. A quantidade de manifestantes ia aumentando, pois muitos moradores foram aderindo ao movimento.


Julgamento de Filipe do Santos. Antônio Parreiras. Óleo sobre tela,1923. Coleção: Museu Antônio Parreiras (Juiz de Fora, Minas Gerais). Fonte: Impressões Rebeldes


Acuado, o governo oficializa um documento, chamado “Termo que se faz sobre a proposta do povo de Vila Rica na ocasião em que veio amotinado a Vila do Carmo”, contendo vinte e sete assinaturas e acatando todas as reivindicações. O povo, entusiasmado, decide nomear Mosqueira da Rosa o novo ouvidor geral da comarca, e determinam que o governador não é mais o Conde de Assumar, sim Sebastião da Veiga Cabral. Nos próximos dias, há prisões, e quebra quebras. Mas no dia 16 de julho, acaba a Revolta de Vila Rica, com a prisão de 1500 rebeldes e com a execução de Felipe dos Santos.

Anos após a execução de Felipe dos Santos, por meio de pedido da viúva dele, se verificou os “bens”, deixados pelo principal nome da Revolta de Vila Rica. Entre os pertences, há roupas femininas e cinco pessoas escravizadas: João Benguela, José Embu, Manoel Mina, Tomé Crioulo e Francisca Mina. Terá sido ela a companheira de Felipe dos Santos e a liderança que inseriu os escravizados nesta luta?

Sobre essa hipótese, falta ainda comprovação, para além de somente indícios. Desse modo, a Revolta de Vila Rica nos demonstra que progressivamente os trabalhadores negros escravizados foram se tornando a negação do sistema escravista vigente no Brasil Colonial e Império. Esta revolta considerada nativista, por visar avanços sociais -  mas sem objetivar a separação de Portugal, foi uma das inúmeras vezes que eles estiveram presentes na História Popular do Brasil, ora nos movimentos políticos  (aproveitando os tumultos para contribuir com a crise do modo de produção escravista); ora lutando sozinhos em revoltas, isolados, ou nos quilombos. Dizia Clóvis Moura que "A ação revolucionária prosseguia a sua marcha, enquanto os intelectuais na sua maioria discutiam teoria política ou aguardavam que a França viesse em socorro do Brasil" (1988, p. 80). 


Referências:

FIGUEIREDO, Luciano. Vila Rica dos motins: a revolta de 1720 e a construção da política no espaço urbano. In: Poderes e Lugares de Minas Gerais: um quadro urbano no interior brasileiro - séculos XVIII-XX.1 ed. Belo Horizonte: Grupo Editorial Scortecci, 2013, p. 63-78.

MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala. Quilombos, insurreições, guerrilhas. 4ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

Gravura dá rosto ao revolucionário Felipe dos Santos. https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2020/09/26/interna_cultura,1189067/gravura-da-rosto-ao-revolucionario-filipe-dos-santos.shtml

Revolta de Vila Rica. https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/revolta-de-vila-rica/

Sobre o autor:

Rafael Freitas: Professor de História.

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