A Semana de Arte Moderna foi realizada num momento histórico de transformações não apenas culturais, mas também, urbanísticos, políticos e sociais. Nesse momento o país estava num processo de reformulação com influências vindas da Europa (França) e dos Estados Unidos.
A Semana de Arte Moderna foi realizada numa São Paulo de 500 mil habitantes, tendo quase metade de sua população sendo representada por imigrantes de italianos e seus descendentes. Havia nesse momento, uma grande desigualdade social, bairros destinados à aristocracia e a burguesia local da época, se viam grandes e imponentes casarões. Enquanto nos bairros mais pobres, o que se via era miséria, pessoas desempregadas - ou quando tinham emprego trabalhavam dez horas por dia para suprir suas necessidades diárias - vivendo em cortiços e casebres que eram destinados de moradia para grande parte da população, que era também, composta em sua maioria, por analfabetos.
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A São Paulo dessa época, ainda estava num lento processo de crescimento, serviço público era deficiente e não havia pavimentação em suas ruas. Mas com a euforia pelo progresso e pela modernidade, novas tecnologias chegavam do exterior como: telefone, eletricidade, automóveis, bondes, e a construção dos primeiros arranha-céus. Esse crescimento urbano se deve principalmente pela industrialização na região que vai trazer para os centros urbanos um pouco da riqueza que até então se encontrava no interior dentro das fazendas de café que logo acabou sofrendo com a crise em 1920
Com a chegada de imigrantes vindos da Europa, em sua grande maioria italianos e junto deles vinham: árabes, alemães, judeus e espanhóis, assim modificando a vida social da cidade de São Paulo no inicio do século XX, podia se escutar pela cidade pessoas falando em seus dialetos pátrios. A cidade acabou ganhando uma arquitetura influenciada por esses imigrantes, com o passar do tempo podia enxergar cada vez mais moradias aos estilos dos povos europeus. Foi nesse clima europeizado que nasceu o circuito cultural paulistano.
A vida social da elite paulistana se resumia nos bailes de dança, corridas automobilísticas e partidas de futebol, tudo com a formalidade de uma aristocracia formada pela exportação do café.
Quem foram os realizadores da Semana de Arte Moderna:
A Semana de Arte Moderna teve como protagonistas artistas das mais diversas áreas sendo em sua maioria composta por jovens da classe média e da aristocracia com seus 20 e 30 anos. Esse grupo de artistas era vinculado aos extratos mais afortunados e cultos das grandes cidades emergentes do Brasil, na sua grande maioria vindos de família ricas ou influentes tendo convivido com artistas “passadistas”. Muito terminaram seus estudos na Europa ou Estados Unidos. Liam diversas revistas estrangeiras e falavam diversas línguas.
Esses jovens artistas pretendiam através do evento atiçar os padrões culturais impostos por uma aristocracia europeizada e ultrapassada, que tinha no parnasianismo como referência de arte. Buscavam o nacionalismo e acusando os extratos políticos daquela época, caso de Euclides da Cunha com a sua obra: “Os Sertões”, que acusa o descaso do governo perante da desigualdade social sofrida pelo povo do nordeste brasileiro.
Esses artistas queriam chocar a sociedade brasileira com a sua arte voltada para o modernismo, tendência que estava em constante crescimento na cena internacional de arte. Essa tendência apresentava o homem moderno, dos tempos atuais, não aquele homem ou individuo vindo das classes elitizadas, mas sim, o pobre, e com isso buscando uma identidade para uma arte genuinamente brasileira.
Entre os participantes da semana se encontravam grandes nomes representantes da literatura brasileira como: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Sergio Milliett, Guilherme de Almeida e representando a música e artes plásticas se encontravam nomes como Villa Lobos, Anita Malfatti e Di Cavalcanti.
Entre esses nomes podemos destacar o de Anita Malfatti que em 1917 já havia conseguido balançar a cena artística paulistana com sua exposição, onde recebeu uma boa aceitação pela sua pintura de vanguarda, mas as criticas feitas por Monteiro Lobato contra a arte moderna fez com que a aceitação da elite paulistana mudasse, havendo um repudio contra as obras da autora que teve sua exposição fechada antes do tempo.
Esse contratempo acabou servindo como força para uma união dos jovens artistas da época que até então estavam isolados em suas próprias exposições.
Os artistas Oswald de Andrade e Mario de Andrade acabaram ficando responsável pela mobilização e andamento da Semana de Arte Moderna, sendo Oswald de Andrade como um dos poucos a defender a artista Anita Malfatti na imprensa logo após as criticas de Monteiro Lobato, embora ele tenha feito isso de uma maneira cautelosa publicando no Jornal do Comércio seu artigo defendendo as obras da artista focando no pioneirismo e originalidade de Anita.
Com aproximação do evento, Oswald e Mario passaram a fazer duras criticas ao “passadismo” da arte que era extremamente conceituada até aquele momento. Faltando cinco dias para o inicio do evento, Oswald utilizou o Jornal do Comércio mais uma vez para fazer novas criticas aos monumentos da cultura oficial. De acordo com Oswald a arte que até então era realizada no Brasil não passava de uma copia da realidade se utilizando de termos como “analfabetos letrados” para criticar os artistas que eram contra ao modernismo. O teor das palavras de Oswald mostrava exatamente o pensamento desses artistas que se viam numa luta para mostrar e ter o reconhecimento da sua arte.
Os artigos publicados não eram apenas focados nas artes, muito da escrita servia de “indireta” para instigar uma possível rivalidade entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, os jovens artistas modernistas compreendiam que a cidade de São Paulo estava a frente da cidade do Rio de Janeiro, sem a hegemonia da corte o Rio perdia muito da sua influencia, São Paulo caminhava na frente nos mais diversos campos culturais como o futebol, no comércio e nas riquezas. Eles viam São Paulo como sendo uma terra prometida para o modernismo se apegando no enorme crescimento dos últimos anos na cidade, com suas chaminés, seus “conjuntos de palácio americano” e seus bairros em veloz expansão.
Essa competição imposta pelos artistas modernista pode se compreender como sendo um produto da época em que eles viviam consequência da mentalidade industrial e da competição que vigorava na cidade de São Paulo.
Sociedade em qual estavam inserida a Semana de arte moderna:
Na época da realização da Semana de Arte Moderna tínhamos uma população de operários formada pela sua grande maioria de analfabetos, os meio de comunicação se resumia praticamente a imprensa escrita e ao cinema, o radio só viria ser implementado no final do ano de 1922, fator esse que víamos uma impressa voltada apenas para a elite paulistana que era bastante conservadora e com matérias destacando os acontecimentos internacionais.
Com a divulgação sendo feita através dos jornais e folhetins a grande massa da população ficou totalmente a parte dos acontecimentos e da repercussão do evento. O público do evento foi composto pelo Governador, secretário, senhores e senhoras das mais “distintas famílias”, além de artistas intelectuais, profissionais liberais e estudantes.
A impressa da época acabou tendo visões diferentes sobre o movimento, um grupo apoiava a semana de arte, pois eles compreendiam a necessidade de uma independência cultural nas artes do Brasil, já o grupo mais conservador tinha uma visão negativa principalmente pela falta de compreensão da manifestação cultural rotulando logo de cara como algo ruim o terceiro grupo se manteve sem opinião não dando nenhuma importância para o que estava acontecendo.
Uma artista que chocou:
Anita Malfatti foi uma artista que causou reações fortes, ao expor seu trabalho logo após retornar de seu segundo período de estudos realizados nos Estados Unidos.
Os estudos de Anita foram realizados na Alemanha e logo após um breve retorno nos Estados Unidos. Esta etapa de aprendizado possibilitou a jovem artista contato com diferentes formas de elaboração da arte da pintura o que marcou definitivamente a vida de Anita.
Usando os conhecimentos adquiridos no exterior e aplicando em suas obras, Anita expõe seus trabalhos em um salão cedido pelo Conde de Lara, abrindo a exposição à 12 de dezembro de 1917.
As criticas que foram escritas estavam dentro do esperado para uma forma de pintura que diferia do que era conhecido pela sociedade paulistana daquela época. Porém quem fez as mais veementes críticas aos trabalhos de Malfatti foi Monteiro Lobato.
As críticas de Lobato representavam uma parte da sociedade que era reacionária e muito ligada ao tradicional, e assim sendo repudiou as obras de Anita. Este repudio impactou na vida da artista, mas por outro lado gerou a solidariedade de outros artistas como os irmãos Andrade e Menotti del Picchia, que a respeito de Monteiro Lobato escreveu: “Lobato é um grande contista com fama de mau pintor” (BRITO, 1964 apud PICCHIA, 1920).
Conclusão:
A Semana de Arte Moderna foi um divisor de águas para sua época, com a ousadia da juventude que pretendia romper os padrões artísticos de um país que até então estava apegado no passado tentando trazer uma identidade genuína brasileira. Essa mudança de mentalidade artística veio junto de uma mudança social baseada no crescimento da industrialização paulistana que via na modernidade a prosperidade da sociedade, juntamente com a grande imigração de povos vindos de todas as partes do mundo transformando aos poucos a cidade de São Paulo numa cidade cosmopolita
Não foi mero acaso a semana de arte ter acontecido em São Paulo que embora tivesse metade da população do Rio de Janeiro começava a ganhar grande destaque não apenas pela exportação do café, mas a partir do século XX pelos seus arranha-céus e vida urbana movimentada.
Devemos compreender que a grande parte da população ficou totalmente alienada a respeito do evento, sem meios de comunicação voltados para essa parcela da população que mal sabia ler e escrever. Até mesmo para a época a Semana de Arte Moderna não teve sua importância tão exaltada, porém sua importância ao longo dos anos foi compreendida como marco para a arte nacional trazendo grandes melhorias para compreensão artística. Podemos destacar principalmente as revistas especializadas que nasceram a partir da Semana de Arte Moderna como a Revista Klaxon e Revista Antropofágica.
Referências:
BASTOS, Eliana. Entre o escandalo e o sucesso : a Semana de 22 e o Armory Show.
Campinas: Unicamp, 1991. 198 p.
BRITO,
Mário da Silva. História do modernismo
brasileiro: antecedentes da semana de arte moderna. São Paulo: Saraiva,
1958. 287, [35] p.
DURHAN,
Eunice R. A caminho da cidade: a vida
rural e a migracao para Sao Paulo. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1978. 247
p
REZENDE,
Neide. A semana de arte moderna. Sao
Paulo : Nova Cultural, 1988: Ática, 1993. 80 p.
Exercício sobre o texto
Felipe Carreira. Historiador e técnico em informática. Especialista em uso de mídias e tecnologias em educação. Estuda sobre a pirataria no Atlântico com ênfase no século XVII e XVIII. Criador deste espaço virtual para o GEACB. Produz vídeos e documentários sobre a História da América,.
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