EMPIRISMO E HISTÓRIA: Algumas relações

Qual o ponto de partida para analisar, por exemplo, a história da América em 2013? Devemos escolher a priori uma teoria de história? Uma metodologia de pesquisa? Optar por um autor pelo qual somos apaixonados, por exemplo, Karl Marx, e escolher fatos que aqui ou ali se encaixam às categorias pensadas a partir da história da sociedade europeia? Vamos então mostrar que Marx serve para tudo e é infalível, o autor cujas ideias foram o máximo que a humanidade poderá alcançar? A nossa opção é a ciência, e esta ciência é a História. E a História com “H” maiúsculo é, por natureza, empírica; e por isso revolucionária. Esse é o nosso ponto de partida! Nós vamos, portanto, na mesma direção apontada pelo falecido historiador Ciro Flamarion Cardoso, que em entrevista a Revista de História, afirmou:

O historiador é profundamente empirista. Ele tem a preocupação com a fonte, com o dado, com o fato, com o processo. Quando vocês pergunta a alguém o que está estudando em História, recebe uma resposta do tipo: “Ah, eu estou estudando a Revolta da Vacina”. Uma coisa bastante definida no tempo, um processo delimitado.[...] Um historiador só se sente seguro se o que ele disser for apoiado em grande quantidade de documentação.

A partir dos documentos que tivermos acesso, poderemos fazer as escolhas. Como poderíamos analisar a história da mentalidade dos tapuias através de fontes europeias, se desta forma detemos em mãos somente as representações das representações das relações sociais que envolviam os tapuias? O fazer histórico é marcado por limitações. Se nem tudo pode ser estudado cientificamente, nem tudo é, por outro lado, História. Mas, voltando ao objeto de estudo apontado acima, a História da América do ano de 2013. Se as nossas fontes fossem as edições de 2013 da revista Carta Capital, que enfatiza muito pouco a América Latina, como um todo, muitas lacunas existiriam. Além das limitações quanto à fonte escolhida, temos como obstáculos as regras do cientificismo, quanto a referências. O fato histórico mais relevante foi a série de protestos em junho, como as revistas que abordavam estes eventos estavam emprestadas, não será citado.

Empirismo e História

Iniciamos nossa análise abordando o Brasil, que tornou-se alvo da guerra estadunidense contra o terror. Vieram a tona as vítimas da espionagem estadunidense: o papa, Dilma, Merkel, Hollande, entre outros, após denúncia de Edward Snowden, que viu-se obrigado a fugir dos Estados Unidos. A guerra ao terror serviu de pretexto. Dilma reagiu cancelando viagem aos Estados Unidos que ocorreria em outubro e na ONU pediu medidas contra esta espionagem. Logo após, em defesa dos interesses estadunidenses no Brasil, a grande mídia nacional representada pelo jornal Folha de São Paulo, denunciou a espionagem brasileira dentro do território brasileiro.

Foi criado o “Bom Senso Futebol Clube”, liderado pelos jogadores Alex do Palmeiras e Paulo André do Corinthians, por mudanças no calendário do futebol, para preservação da saúde dos atletas e qualidade técnica do esporte. A copa, no entanto, parece ser o maior projeto dos quatro anos de governo Dilma: passando alguns recursos públicos à iniciativa privada para agradar os agentes da FIFA. Embora os índices de pobreza tenha diminuído, é bem relativa a ascensão de “classes” (que a mídia costuma chamar de “C” e “D”).

No Brasil não foram construídas novas universidades e, na educação, a ênfase foi o ensino técnico. Reforma agrária pouco se discutiu no Planalto. Além do nosso petróleo, que serve mais ao estrangeiro do que aos interesses nacionais. Para piorar, muitos países investiram cada vez mais em energias alternativas, o que pode colocar o valor do petróleo em risco no mercado mundial a longo prazo; e o Brasil, com seu (des)governo, pareceu nem perceber isto. Esta é a faceta mais explícita do atual governo federal, a saber: o neoliberalismo.

Protesto ocorrido em2013

O policial militar Luciano Pinheiro Bispo assassinou o jovem Douglas Rodrigues que passeava com seu irmão de 11 anos na vila Medeiros em São Paulo. Pouca atenção foi dada pela mídia tradicional e pela presidente Dilma. A mídia ligou o protesto que se seguiu ao PCC, legitimando a nova onda de violência policial.

Haddad, prefeito petista de São Paulo, e Alckmin, governador tucano do Estado de mesmo nome, decidiram usar o transporte público para ir trabalhar em uma campanha pelo uso do trem e do metrô. Foi descoberta uma quadrilha de auditores fiscais envolvendo o coordenador de campanha do prefeito eleito Fernando Haddad, este que passou a usar transporte público, o petista Antônio Donato que entregou o cargo. Pelo menos o prefeito usa transporte público!

Os artistas Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Djavan, Erasmo e Roberto Carlos fundaram o “Procure Saber”, por uma porcentagem dos lucros das vendas de biografias aos biografados e seus herdeiros. Capitalismo para eles é a solução! Ainda nos referindo aos capitalistas... Foi confirmada a aliança entre Eduardo Campos de Marina Silva para a disputa presidencial de 2014. Que tipo de esquerda é esta? Se é que são esquerda? Aliás, há uma esquerda no Brasil, nestes tempos de acomodações ao neoliberalismo? Mas será mesmo que o PT continuou o neoliberalismo trazido ao Brasil por Collor? Aconteceram 18 leilões de infraestrutura, incluindo rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. Talvez tenha aprofundado.

A Rede Globo, através do jornal “O Globo”, publicou um editorial indicando arrependimento por ter apoiado o golpe civil e militar de 1º de abril de 1964. Mas seu discurso “golpista” permanece idêntico; do que adiantou o editorial?

O empresário Eike Batista vendeu ações da OGX, tornando-se “ex-milionário”. Seria ele uma espécie de “Mauá do século XXI”? O Brasil, onde o Estado sempre deu seu “pitaco” na economia, não soube lidar com um capitalista ao estilo “magnata de Wall Street” como Eike. É preciso que o empresariado brasileiro pare de tentar copiar modelos extranacionais.

Através de Medida Provisória o senado proibiu a vitaliciedade em cargos no esporte brasileiro, o senado também aprovou o fim do voto secreto dos parlamentares em processos de cassação de seus pares e na análise de vetos presidenciais e reconheceu direitos trabalhistas aos vaqueiros. E a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou reserva de 20% das vagas em concursos públicos e cargos comissionados para negros.

E o que aconteceu em 2013 referente a copa do mundo mais cara da história das copas? Parte da cobertura da Arena do Corinthians desabou, matando dois operários. O que será da família destes homens? Serão indenizadas? O secretário geral da FIFA, Jerome Valcke reclamou do excesso de democracia que prejudicava a organização da Copa do Mundo no Brasil. Talvez ele não saiba o que quer dizer democracia, pois não há democracia na FIFA, ou há?

Houve suspeita de participação da embaixada brasileira em uma conspiração contra o presidente da Bolívia Evo Morales. E a professora de direito internacional, Maristela Basso da USP, chamou a Bolívia de “insignificante em todos os sentidos”. Isto refletiu o conservadorismo, elitismo e preconceito de certos acadêmicos brasileiros.

Houve recepção hostil com vaias aos médicos negros cubanos por médicos brasileiros. O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul alegou que tem mais faculdades de medicina no Brasil do que na China. Aonde estão tantos médicos formados todos os anos? Falta de estrutura não é desculpa para não atender pessoas. Há cerca de 100 anos, médicos iam de casa em casa apenas com uma maleta na mão para atender pacientes. Não é preciso de estrutura para isso, ou é? Junto a falta de sensatez destes médicos, o governo federal não teve ações para ampliar a saúde e estruturar o SUS de maneira adequada. Gasta-se mais com um deputado do que com a saúde por mês no Brasil.

Destacamos, na área da história, o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, que lançou o livro “A segunda guerra fria”.

Seca no nordeste, a maior dos últimos 60 anos. Onde esteve o governo quando mais se precisou dele? Resposta: financiando a copa do mundo mais cara da história das copas, não nos importamos em repetir. Financiando compra de caças supersônicos. Não importava ao governo federal a seca no nordeste. O governo do Brasil comprou caças supersônicos, jatos Gripen, fabricados pela SAAB na Suécia, para vigiar áreas petrolíferas. Ponto positivo: o Brasil não dependerá mais de tecnologia estrangeira para fabricar aviões de caça. Mas cresceu 50% a população favelada no Distrito Federal. Em plenos anos 2000, os governos não pensam em planejamento urbano. Ainda bem que temos os caças supersônicos!

Mais suspeitas de irregularidades, desta vez no gabinete do ministro da fazenda, Guido Mantega, enquanto Paulo Maluf foi condenado por superfaturamento e foram apreendidas 445 kg de cocaína em helicóptero pertencente ao parlamentar Gustavo Perrella, deputado estadual mineiro. Jair Bolsonaro, do Partido Progressista, foi denunciado por crime ambiental pela Procuradoria Geral da República. Mas o Partido Progressista não deveria ter em seus quadros progressistas?

Cumprimento entre lideres de Estado.

E qual foi a experiência acumulada no restante da América? No funeral de Nelson Mandela, Barack Obama e Raúl Castro cumprimentaram-se. Houve legalização do aborto, casamento gay e da maconha no Uruguai. O presidente uruguaio, José Mujica, discursou na ONU, denunciando o consumismo e os males do mundo contemporâneo. Foi eleito no Paraguai conservador Horacio Cortes, suspeito por lavagem de dinheiro. O papa argentino buscou diálogo com ateus. A lei de mídia na Argentina foi legalizada. Na Venezuela morreu Hugo Chávez e eleições democráticas fizeram de Nicolas Maduro o 57º presidente da Venezuela, pelo partido PSUV. A Assembleia da Venezuela aprovou poderes excepcionais para Nicolas Maduro, que poderá governar através de decretos por um ano. No Chile a socialista Michelle Bachelet obteve vitória eleitoral e a líder estudantil Camila Vallejo tornou-se a deputada mais votada.

Nossa análise e problematizações dos fatos acima não seriam possíveis sem termos buscado dados empíricos em diversas revistas. Muitos pensam que ser empírico é ser conservador, é apenas trazer fatos e mais fatos. Não! A empiria é o núcleo central da História, sem empiria não há história humana: é na empiria que está a práxis. O materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, por exemplo, é uma teoria empírica, como observou William H. Shaw no verbete “materialismo histórico” do “Dicionário do pensamento marxista” editado por Tom Bottomore (2012):

Rigorosamente falando, o materialismo histórico não é uma filosofia; parece melhor considera-lo antes como uma teoria empírica (ou, talvez mais exatamente, como uma coleção de teses empíricas). Assim, Marx e Engels com frequência enfatizaram o caráter científico de seu trabalho teórico, e A ideologia alemã pretende fundar seu enfoque não em abstrações ou dogmas deduzidos abstratamente, mas em observações reais: em premissas que “podem ser verificadas de maneira puramente empírica (p. 384).

Realmente, as relações entre a História e o empirismo são muito fortes! Sejamos empíricos, pois somos historiadores!

Sobre o Autor:

Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.

Sobre o Autor:

Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w.