O ESTADO E O NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA

A História da América deve ser entendida a partir de suas dinâmicas próprias. Neste sentido, a introdução do neoliberalismo como sistema econômico em escala mundial tem na América, um desenvolvimento peculiar.

O neoliberalismo é uma uma doutrina política-econômica surgida como oposição ao Welfare-State[1], em vigor nos países capitalistas avançados (Estados Unidos e Europa principalmente) que se mantinha desde a segunda guerra mundial. Com o fim do conflito, alguns economistas sustentavam a hipótese que o modelo implantado do Welfare-State seria muito caro aos Estados, ao mesmo tempo que este mesmo modelo impedia uma maior liberdade aos investimentos privados. 

Um dos principais defensores do que veio a ser chamado neoliberalismo era o economista austríaco Friedrich von Hayek, que escreveu uma obra sobre o assunto O Caminho da Servidão (publicado em 1944). Tal obra, condenava, igualmente, a socialdemocracia dos países capitalistas, como a planificação econômica dos países ditos socialistas; ambas posturas econômicas seriam o caminho da servidão. Note que, para Hayek e seus seguidores, uma relativa igualdade social – expressa nos regimes socialistas e socialdemocratas de bem-estar – seria prejudicial, pois impediriam a “liberdade” de comércio e de iniciativa.


Adam Smith

O liberalismo clássico, que tinha como principal teórico Adam Smith, ainda no século XVIII, em pleno início da Revolução Industrial, parecia ter fracassado após o ano de 1929. A partir daí os governos afetados passaram a investir fortemente nas suas economias, principalmente em setores estratégicos como energia e construção civil; além de trazer reforma e ampliações no que se refere a previdência social (como no New Deal de F. D Roosevelt). Para alguns liberais extremistas, isto feria os direitos clássicos de livre-mercado e investimento privado. Era preciso ter liberdade o suficiente para investir no mercado e deixar a economia se regular sozinha; caso contrário não restaria outra alternativa se não a servidão imposta pelo governo que tomara conta da economia.

O retorno ao liberalismo proposto por Heyek e seus seguidores, como Friedman e Popper, já era debatida em 1947, ano em que estes se reuniram na famigerada Sociedade Mont Saint-Pelerin, na Suíça. Mas a política (neo)liberal só irá entrar em vigor nos anos 1970 devido a alguns fatos bem peculiares: um deles é a crise do petróleo de 1973. Além disto, o neoliberalismo se dará em proporções totalmente diferentes nos países da América onde passa a vigorar. Por exemplo no Chile. 

O governo progressista do chileno Salvador Allende foi derrubado por um golpe militar do General Augusto Pinochet. Este, logo após se apoderar do governo, tratou de implantar uma política neoliberal, influenciado pelos economistas de Chicago – os Chicago boys – que estudavam as teorias de Friedman. O Chile foi o primeiro país a implantar este sistema econômico de liberalismo com roupa nova, o neoliberalismo. Setores estratégicos, como a mineração de cobre que Allende estatizou, foram entregues a iniciativa privada – nacional e internacional.

A partir do Chile, que pode ser considerado uma espécie de “ensaio-geral” de uma implantação global do projeto neoliberal, houve as sucessivas eleições de Margareth Thatcher, na Grã-Bretanha e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos. Ambos foram vitoriosos com um projeto neoliberal; e finalmente nos anos 1980 este modelo passaria a sua aplicação em outros países, por influência dos blocos hegemônicos, seja E.U.A, seja União Européia.

É neste ponto que há um dado interessante: a política neoliberal que prega o fim do intervencionismo estatal utiliza tanto os Estados organizados com seu aparelhos quanto organismos paraestatais (como F.M.I. e Banco Mundial) para ser aplicado. No caso chileno, o modelo neoliberal foi implantado através de um violento golpe militar, o exército é um aparelho de estado; o sistema que prega o “estado mínimo” precisa de um “estado máximo” - uma ditadura - para ser implantado. Nos E.U.A a situação foi outra, uma eleição deu a Reagan o poder para por em prática o modelo neoliberal.

Neoliberalismo

Ainda na região da América Latina, podemos destacar outros países, que de maneira diversa, adotaram o sistema neoliberal, na carona da “nova onda mundial”.

Na Nicarágua, por exemplo, o sistema neoliberal foi adotado após um período de governo de esquerda. Neste país o governo da Frente Sandinista de Libertação Nacional chegou ao poder através de uma revolução social em 1979, após décadas da ditadura da família Somoza. O governo da FSLN não cerceou a iniciativa privada, mas manteve o Estado como promotor de amplas reformas. 

Nos EUA, a eleição de Reagan, em 1980, marcou, como dito acima, a aplicação do neoliberalismo na pauta econômica do país. Sendo assim, a expansão do modelo na “área de influência” estadunidense (a América Central) era um dos objetivos na política externa do governo Reagan. Com a FSLN no poder, esta inserção do neoliberalismo na Nicarágua se deu de forma mais difícil. Ao longo de toda década de 1980 os sandinistas tiveram que enfrentar uma oposição armada ao novo regime – os chamados “contras” financiados diretamente pelo governo dos EUA. Esta situação de conflito acabou levando o governo a uma crise. Em 1991, os sandinistas, perderam as eleições para Violeta Chomorro, uma candidata da direita liberal. O eleição de Chomorro teve duas repercussões imediatas: a fim da guerra civil entre a FSLN e os “contras” e a adoção do neoliberalismo; alinhando diretamente o país a nova política dos 
EUA.

No Brasil o neoliberalismo foi adotado, de fato, após o período da ditadura. Embora, no nosso país, negociações entre o último governo militar, do gen. Figueiredo, e o presidente Reagan tenham acontecido no início dos anos 1980, foi somente ao longo dos governos de Sarney, Collor e principalmente FHC, que o modelo alcançou maior abrangência, com as privatizações.

Na vizinha Argentina o governo do peronista Menem, adotou uma postura neoliberal em relação a economia, privatizando estatais. Neste país, é interessante lembrar o fracasso da guerra das Malvinas/Falkland, que colocou a Argentina em guerra contra a Inglaterra; e pôs em xeque a ditadura de Videla. Menem veio a ser eleito em 1989, com uma plataforma diversa de seu antecessor Alfonsín da UCR.

O interessante contraste que existe na implementação do neoliberalismo nos Estados Unidos e nos países da América Latina, acima elencados, é que nestes últimos não haviam sistemas estatais que proporcionassem um “bem estar social” como existia nos EUA. Nos países da América Latina, o que ocorria, de fato, era uma ampla participação dos governos em setores estratégicos da economia; sem que isso representasse amplos benefícios para os setores mais pobres da população. 

As contradições deste sistema neoliberal, em pouco tempo, mostraram suas contradições. Um relatório do Banco Mundial de 1993 para a América Latina e Caribe aponta que é dever dos Estados sanar com políticas sociais, a miséria e desigualdade das suas populações (segundo o documento: “programas sociais específicos que forneçam assistência aos mais necessitados”). Como o “Estado mínimo”, desregulamentado e “enxugado” a partir dos preceitos neoliberais pode, com seu poder diminuído pelas privatizações, fornecer esta assistência aos mais necessitados?


Notas:
[1]Estado de bem-estar social: o Estado intervém na economia, regulando-a no sentido de “frear” alguns 
aspectos e práticas do liberalismo. Convém notar que o liberalismo sempre dependeu do Estado para seu 
funcionamento, entretanto – seguindo os pressupostos de Adam Smith – este Estado não deveria intervir, ou regular qualquer atividade particular e individual da economia e da produção. É a teoria da “mão invisível”, 
que pressupõe que a economia se regula por si só; esta teoria, como se sabe, mostrou-se falha: as crises 
capitalistas dos anos 1870, 1890 e a de 1929 – a mais fulminante de todas – mostram que o liberalismo é 
completamente dependente do Estado.


REFERÊNCIAS
DABENE, Olivier. América Latina no século XX. Porto Alegre: EdiPUCRS. Porto Alegre, 
2003.
HARVEY, David. A Brief History of Neo-Liberalism. Oxford: Oxford University Press, 2005.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
KARNAL, Leandro (et al.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São 
Paulo: Contexto, 2010.
SCHMIDT, Mário Furley. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 1999.



Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

3 comentários:

  1. O artigo faz um inventário de aplicações de teorias "neo-liberais" mas não se aprofunda na análise. De qualquer maneira, faz afirmações que merecem comentários.

    Ao dizer que o Chile que pode ser considerado uma espécie de “ensaio-geral” de uma implantação global do projeto neoliberal, faz um elogio indireto do sistema a que pretende criticar, uma vez que mesmo após a volta da democracia ao Chile e alternância de poder entre esquerda e direita, o projeto econômico foi mantido e o Chile apresenta uma das economias mais saudáveis do continente, bem como melhores índices de IDH e outros indicadores de qualidade de vida.

    Outro ponto questionável é quendo afirma que "a política neoliberal que prega o fim do intervencionismo estatal utiliza tanto os Estados organizados com seu aparelhos quanto organismos paraestatais (como F.M.I. e Banco Mundial) para ser aplicado. No caso chileno, o modelo neoliberal foi implantado através de um violento golpe militar, o exército é um aparelho de estado; o sistema que prega o “estado mínimo” precisa de um “estado máximo” - uma ditadura - para ser implantado."
    Apeser de espirituoso, o comentário é oco e demonstra desconhecimento das teorias econômicas. Mesmo em Adam Smith há o reconhecimento da necessidade e impotância do estado, mas não como um "estado Empresário", que tende a ser ineficiente, mas como forneceror de serviços através do uso racional dos impostos gerados pelo funcionamento da economia. Além disso, nos países de "estado máximo" como União Soviética, Cuba, Corea do Norte etc, a economia fracassou de maneira cabal, e não fpi por conta nem do liberalismo e muito menos do neo-liberalismo. A China saiu do marasmo ao lançar mão de um modelo perverso que pode ser chamado de "Capitalismo de Estado", em que a produção está a cargo da iniciativa privada em parceria com um governo totalitário.

    Deixo aqui, como uma sugestão de leitura, um artigo que, no tópico sobre o liberalismo, faz uma berve mas bem fundamentada análise do período Thatcher: ESQUERDA x DIREITA: A TEORIA DAS GAVETAS OU COMO NÃO CHAMAR URUBU DE “MEU LÔRO”.
    http://questoesrelevantes.wordpress.com/2013/12/12/esquerda-x-direita-a-teoria-das-gavetas-ou-como-nao-chamar-urubu-de-meu-loro/

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  2. Caro Serapiao, grato pelos comentários críticos e discordantes, isso é muito bem vindo! Continue assim! Chile vive ainda uma crise educacional, fruto deste alinhamento ao neoliberalismo, e a atual presidente planeja nacionalizar a água, devido a sua escassez. Não concordo em fazer elogios a este país que não é dono nem de sua água. A vitória de Bachelet com tão pouca participação dos cidadãos chilenos nas urnas denuncia uma crise da democracia deste país. Por estas e outras razões eu afirmaria o contrário do comentado por ti, ao afirmar que o Chile deu o ponta pé inicial do uso pelo Estado do neoliberalismo (não entendi as aspas... consideras errôneo este termo?) pelo Chile é uma crítica direta ao neoliberalismo!
    A minha crítica a este texto do camarada Fábio é a ausência do PT como continuador da utilização do neoliberalismo no Brasil. Afirmaria inclusive que a ditadura de 1964 teve também elementos neoliberais. Abraço!

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  3. Continuando... o texto do camarada Fabio mostra que não é determinismo econômico criticar o neoliberalismo, pois é uma teoria situada na História, trata-se de um conjunto de ideias. Quando digitei acima "Não concordo em fazer elogios a este país que não é dono nem de sua água.", me referia ao neoliberalismo chileno, é muito difícil apontar pontos positivos neste sistema de ideias. O texto que indicaste é de um autor que não conhece Marx nem Engels, nem os cita, tão válido quanto uma crítica ao construtivismo sem citar Piaget! Apesar de tudo considero teus apontamentos, como o texto do link, muito válidos, por optar por uma posição, pelo capitalismo, pelo neo liberalismo, por Thatcher, parabéns para vocês.

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