Um pouco da história da rádio Integração Comunitária 101.7, através de entrevista com Luis Egídio Tavares e Noeli Lúcia Piloneta.

Um pouco da história da rádio Integração Comunitária 101.7, “A voz de quem só ouvia, porque rádio comunitária é legal”, através de entrevista com Luis Egídio Tavares e Noeli Lúcia Piloneta. A metodologia utilizada foi a História Oral, gravando a conversa em um walkman com microfone embutido, segue o que desta entrevista não se perdeu.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Hoje é dia 23 de outubro de 2006. Qual o teu nome completo?

Egídio- É Luis Egídio Tavares.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- A data e local do teu nascimento?

Egídio- Eu nasci em 19 de setembro de 1962, lá no coração do Rio Grande do Sul, Santa Maria.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Meu conterrâneo, então (risos). Como foi que tu conheceu a existência de rádio comunitária?

Egídio- Na verdade o seguinte, Rafael, esse movimento, na verdade eu conheci, quando eu vim pra Porto Alegre, especificamente pra Canoas, em 1986, quando eu não encontrei mais trabalho na área que eu atuo, na metalurgia, na minha cidade, Santa Maria. Então eu vim arriscar a sorte na Grande Porto Alegre, vim pra Canoas, aonde eu conheci, através do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas, com um grupo de pessoas que atuava dentro do Movimento Popular e Sindical, o Fórum pela Democratização dos Meios de Comunicação, que na época era coordenado pelo jornalista Daniel Hertz, hoje falecido. Foi presidente do sindicato dos jornalistas do Estado do Rio Grande do Sul. Conheci esse grupo de pessoas onde a gente começou a fazer uma discussão sobre essa questão dos meios de comunicação. Hoje o sistema de comunicação, de rádio, de televisão, de telefonia, é tudo é concessão pública. Então, portanto, as rádios e TVs, é um bem público. Aonde as pessoas comuns, principalmente as periferias aqui, como Alvorada, não têm acesso. Não têm acesso porque não conseguem propor uma pauta, só conseguem passar alguma coisa quando é de interesse do editor, quando vai dar IBOPE, vai manter a audiência. Se acontecer uma chacina em Alvorada, todos os grandes veículos de comunicação vêm fazer a cobertura. Agora, se tiver uma escola, municipal, estadual, premiada, como foi aqui o caso da Escola Estadual Castro Alves, que recebeu um prêmio por o menor índice da evasão escolar, esses índices, esses dados, a imprensa não divulga. Alvorada mesmo, ela é massacrada pelos veículos de comunicação, como uma cidade violenta, os índices de violência são altos, mas também não é só aqui em Alvorada. Na Grande Porto Alegre, Canoas, os índices são muito maiores. Mas os patrocinadores dos grandes veículos de comunicação estão naquelas cidades, são grandes empresas, grandes empreendimentos, que sustentam esses veículos de comunicação. Alvorada não tem nenhuma grande empresa que sustente esses veículos de comunicação, portanto é colocada como uma cidade violenta. Então, aonde tu for, em qualquer lugar do Estado do Rio Grande do Sul, quando tu fala que é de Alvorada, as pessoas meio que se apavoram. E não é bem assim, tu é daqui de Alvorada, tu conhece a realidade, tu sabe como é que é. E isso muitas vezes em função dos meios de comunicação. Bom, mas a gente então conheceu esse Movimento pela Democratização dos Meios de Comunicação, aonde a gente passa a atuar, passa a atuar e passa a cobrar uma legislação que abrisse. Hoje a gente sabe que as rádios e TVs estão concentradas em meia dúzia de famílias. No Rio Grande do Sul, família Sirodski, na Santa Catarina, família Sirodski, se a gente for pro Maranhão, família Sarney, Alagoas, família Collor, Bahia, família Antônio Carlos Magalhães. Então os veículos de comunicação estão concentrados em meia dúzia de famílias. A família Roberto Marinho recebeu um presente do Estado, e controla, tem o monopólio nacional. Então são meia dúzia de famílias que controlam todos os veículos de comunicação. A partir disso a gente começou a questionar, mas, as periferias têm que ter os seus meios de comunicação. E aí se começou uma luta pela democratização do meio de comunicação, de se criar uma legislação que atendesse as periferias. E a gente nesse momento lutava pelas rádios livres. Então, foi um primeiro momento, pelas rádios livres. Que surgem, naquele eixo Rio- São Paulo, principalmente São Paulo ali com o Tomas Léo, com jornalista de São Paulo, que até hoje preside a Associação das Rádios Livres de São Paulo, aonde se iniciou essa luta, e alguns grupos organizados, principalmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, iniciaram um processo de construção dos seus equipamentos, e construir os seus transmissores pra poder transmitir e dar voz pra periferia. Aí começa nesse movimento, começa uma enxurrada de veículos de comunicação livres, na mão de grupos religiosos, principalmente da igreja evangélica, as igrejas evangélicas se apoderam dessa tecnologia e começam a fazer os seus cultos radiofônicos. Além do sermão diário e constante dentro das igrejas, passam a ocupar o espectro. E no bojo dessa discussão, no Rio de Janeiro principalmente, surge o movimento então, pelas rádios comunitárias, isso já na década de 80, inicia nessa discussão, puxada em Queimados, que é um município ali da Grande Rio, aonde surge lá, um jornalista chamado Sebastião Santos, e que puxa essa discussão de rádios comunitárias. Porque as rádios livres eram livres, enfim, então eram basicamente de segmentos, ou religiosos, ou hard core, ou caipira, enfim, então tinha seguimentos populares de música, religiosos que trabalhavam naquela questão livre ali, mas não permitiam acesso de outros pensamentos dentro dessas emissoras. Então surge uma discussão das rádios comunitárias aonde se trabalha a idéia de que as rádios têm que ser construídas através de conselhos comunitários. Que tenha participação de setores organizados daquela comunidade e aí entra a igreja, a associação de moradores, sindicatos, clubes de mães, enfim, a sociedade organizada daquele bairro. Então com esse movimento, se consegue avançar, no final do governo Fernando Henrique, aprovação de uma lei, a lei 9612, que ficou muito aquém do que o movimento vinha propondo. O movimento vinha propondo uma legislação muito mais aberta, a gente propunha vim 250 WATS. Eles cortaram o último zero ali e aprovaram 25 WATS. Pra entender 25 WATS, ele dá um raio de no máximo 3 km, dependendo topografia. Se nós tiver a felicidade de estar lá na fronteira, aonde é campo aberto, isso vai longe. Agora se nós instalarmos uma rádio comunitária no centro de Porto Alegre ela não avança 1 km, em função dos prédios, a não ser que a gente ache o prédio mais alto da cidade. Aonde tiver o primeiro morro acaba a onda ali, entende? Que a onda modulada é diferente, a modulada que é AM, ela vai assim, uma espécie de W, ela avança, vai numa camada lá do espectro, e volta, bate no solo e vai andando, então vai muito longe. A FM é como se fosse um código de barra. Ela vai indo, vai indo, vai indo, primeiro obstáculo que deu, uma parede de um prédio, ou um morro, acabou, entende. Restringe em um raio de 1 km, a propagação da onda, 25 WATS, não permite comercial. Imagina, Rafael, aonde a padaria da esquina do seu Manoel vai poder anunciar o seu pão numa grande rádio, numa Guaíba, numa Gaúcha ou numa Farroupilha, que se ouve em todo o Estado, até fora do Estado se ouve. Quem é que vai vir lá da fronteira, lá de Uruguaiana, ou de Santa Catarina, vim comprar o pão do seu Manoel na esquina ali, na vila São Pedro, em Alvorada. Ninguém vai vir. Mas pro seu Manoel, anunciar numa rádio comunitária, poderia, porque é uma rádio local, do bairro, aonde o seu vizinho, aquela comunidade está ouvindo. Então, não é permitido, é permitido o “apoio cultural”, que é aonde as rádios comunitárias, as rádios educativas e a as culturais que são mantidas com verbas públicas, essas rádios têm verbas próprias e conseguem se manter. Então a legislação muito ruim. Então a gente surge, no final dessa década de 80, essa questão, esse conceito de rádio comunitária, aonde se culminou com essa legislação muito ruim, que não serviu pra nós.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Sobre a situação legal de rádio comunitária, porque uma rádio comunitária é ilegal, qual é a situação atual da lei, houve mudança desde Fernando Henrique pra cá?

Egídio- Houve pequenas mudanças na legislação, a legislação, como eu falei anteriormente, é muito ruim. E o ministério das comunicações, ele é um ministério importante que sempre teve na mão de grandes grupos econômicos. Sempre teve alguém ligado, ou um lobista, ou alguém ligado a um grupo econômico. Hoje nós temos no ministério das comunicações ministro Hélio Costa, jornalista da Globo, é um agente da Rede Globo, aonde ele trabalha a questão da TV digital, vinha trabalhando, conseguiu convencer o governo, aprovar o modelo japonês, porque sofreu uma pressão uma pressão um loby muito forte das emissoras, aonde tem uma série de vantagem em relação aos outros modelos, o modelo europeu, o modelo americano, que é a questão do hoje o aparelho celular poder captar imagem nesse novo sistema. Só que o Brasil tem diversas universidades federais e universidades privadas que vêm desenvolvendo tecnologia pra TV digital e que está avançando e já tem alguns aspectos muito mais interessantes, muito melhores que o modelo japonês, por exemplo. É, então foi precipitada a decisão, tem todo um loby das emissoras, dos grandes grupos econômicos. Imagina que daqui a pouco, a população inteira vai ter que trocar de aparelho de TV, porque “Ah, o sinal é digital, agora o meu aparelho não dá, eu tenho que comprar um aparelho novo!”. Entende, então são muitos milhões que vão estar girando dentro da economia. E, hoje não existe, a não ser aqueles lugares remotos onde não tem energia ainda, aonde não se tem uma TV, em qualquer casa que tu vá hoje visitar, tem uma, duas ou três televisões, entende? Então imagina uma população inteira do país tendo que mudar os seus equipamentos. Olha o que vai ser gerado na economia, e olha, a programação da TV aberta hoje, o que nós tínhamos que estar discutindo não era se é TV digital ou não. O que nós tínhamos que estar discutindo era a qualidade da programação, porque a programação da TV aberta, das rádios, é só lixo! Não tem nada! Não tem nada de construtivo, não tem nada de construtivo, entende? É só porcaria que se ouve, entende? O que nós tínhamos que estar discutindo, em vez de estar discutindo sistema, era a qualidade da programação. As empresas agora têm concessão por 20 anos, fazem uma programação que é uma porcaria, e a população não tem acesso. Eu não posso interferir lá na programação da Rede Globo, eu não posso dizer, dar o meu pitaco, de como tem que ser trabalhado os temas, isso eu não posso. Eu não posso propor uma matéria pra ser veiculada no Jornal Nacional, no Fantástico, não tem, por que aquilo ali é um troço fechado e eles jogam e a TV é o quarto poder na verdade. O quarto poder é a mídia. E a mídia está na mão dessa meia dúzia de família. Então a legislação, a gente do movimento pela democratização dos meios de comunicação, acha que não serve. Essa lei 9612 é uma droga, a gente já rasgou essa lei. A gente já rasgou essa lei. E a gente vem transmitindo, nós aqui ainda infelizmente estamos fora do ar, mas a gente vem transmitindo e lutando, porque a gente entende que a gente só vai poder mudar essa lei com a nossa resistência. Reforma agrária, só é feita infelizmente nesse país, com pressão, com ocupação de terra. Então nós entendemos que pra fazer a democratização dos meios de comunicação, a gente tem que ocupar o espectro, que não tem dono, isso é uma dádiva de deus. Então a gente tem que ocupar esse espaço, as periferias têm que ocupar esse espaço. E a gente tem que estar construindo transmissores em cada bairro, e veiculando as nossas informações, passando a notícia daquela comunidade, construindo a cultura local através da oralidade, através dos meios de comunicação locais, aonde a população daquele bairro, daquela comunidade, possa ter acesso à informação e aquele slogan da nossa rádio, acho que é muito interessante, o slogan da nossa rádio era assim:“A voz de quem só ouvia” e é isso, eu acho que a periferia só ouve, ela tem que ter voz, ela tem que ter o seu veículo de comunicação. Então essa legislação tem que mudar, ela tem que ser alterada, tem que ser radicalmente mudada. Então nós precisamos fazer com que agora comece também as TVs comunitárias abertas a entrar no ar, a funcionar, pra gente poder garantir uma legislação adequada. A gente entende que a legislação nada mais é do que a regulamentação da prática da sociedade, então se a sociedade começar a ter uma prática, e foi o que aconteceu com a lei 9612, a partir de uma prática de alguns veículos, algumas rádios entrarem no ar, logo em seguida o governo tratou de criar uma lei, mas foi uma lei pra podar, uma lei pra restringir, então nós temos que botar mais e mais rádios no ar e TVs comunitárias em canal aberto, pra se contrapor esse lixo cultural que é mostrado dia a dia pra nós, por uma programação de qualidade, uma programação educativa, uma programação aonde as periferias possam se expressar, que as culturas locais comecem a aparecer, comecem a mostrar a sua cara. E a partir disso a gente construir uma nova legislação, uma legislação adequada, uma legislação livre. Nós só temos legislação pros poderosos, pros grandes e pros pequenos, pras periferias, nada! Era isso, Rafael, acho que a legislação tem que ser mudada.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- E qual é o argumento das pessoas que são contra a rádio comunitária, e quem é contra, quais as instituições?

Egídio- Olha, o principal inimigo das rádios comunitárias chama-se ABERT, Associação Brasileira de Rádio e TV. Aqui no Rio Grande do Sul, a AGERT, Associação Gaúcha de Rádio e TV. São as duas entidades que vêm fazendo pressão pra que as rádios comunitárias sejam fechadas. E olhe! Tem muita rádio comercial ilegal operando nesse país, tem muita TV por aí operando. Imagine, Rafael, em locais remotos, aonde o prefeito da cidade, que é o coronel, que é o dono do poder, determinada família vem se perpetuando no poder em prefeituras pequenas por aí afora, principalmente norte e nordeste, aonde o prefeito vai lá e compra um transmissor de TV, instala uma antena e diz na cidade que ele teve a concessão de uma repetidora, e joga o sinal no ar, pirateia, pirateia o sinal da Globo, do SBT, da Bandeirantes e está acontecendo isso, tem vários municípios, então acontece muito isso, principalmente com a televisão. E, as rádios, a mesma coisa. Tem rádios que têm concessão, que não cumpre legislação, e que estão operando. Então essas rádios comerciais, fazem a sua denúncia porque a gente das rádios comunitária começa a desmistificar. Hoje um minuto, trinta segundos numa rádio comercial é muito caro. É muito caro. Olha, na madrugada, a rádio Ipanema, por exemplo, custa setenta reais o minuto. Aonde uma rádio comunitária poderia estar fazendo inserções aí durante um mês, na ordem de trinta, quarenta minutos, para uma pequena padaria do seu Manoel, com talvez menos do que setenta. Então a gente desmistifica isso, começa a desmistificar, e esse é o grande medo dos veículos de comunicação. Quando se falava há vinte anos atrás em rádio livre, depois em rádio comunitária, as pessoas imaginavam: “Vocês tão loco, imagina, isso deve ser muito caro!”. Não, olha, super barato, com mil reais se monta um transmissor bom. Monta um transmissor de FM bem bonzinho. E com mais mil reais se junta os periféricos, se tem uma mesinha de som, se tem um microfone, se tem um computadorzinho ali, uma CPUzinha, está feita a rádio! Então hoje é muito fácil de a gente montar, e a gente começa a desmistificar isso, e isso é o temor dos poderosos. 


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Quais são as características de uma rádio comunitária, por exemplo, comparando com uma rádio livre, uma rádio comercial?

Egídio- Olhe só, Rafael, uma rádio livre, por exemplo, é uma rádio, por ser livre ela adota algumas linhas. A gente conhece, por exemplo, a rádio MUDA, que é uma das mais fortes de São Paulo, que funciona na UNICAMP, São Paulo, que é mantida por estudantes anarquistas. Então é um grupo de anarquistas, o que mantém a rádio, só as idéias anarquistas que valem. Então essa é uma característica da rádio livre, aonde é um segmento né, ou ela é rádio evangélica, uma rádio de uma religião, de uma seita religiosa, que só aceita, que se fale daquela seita ou daquele entendimento, daquela política deles ali e mais nada, essa é a característica da rádio livre. Característica das rádios comunitárias, ela é mais livre. Aonde ela é construída com conselho comunitário, aonde tem a participação da comunidade e tem espaço pra que aconteça uma programação mais diversificada, garantindo que não haja proselitismo de parte nenhuma, de partido político, de religião, então a nossa rádio por exemplo, não aceitava programas de pregação, porque aí a gente ia estar privilegiando um ou outro, porque senão a gente teria que abrir pras centenas de religiões que existe e aí acontece o que? Acontece que tu vai ter uma rádio só de pregação, então não dá, então eu acho que a rádio comunitária tem que dar espaço pro padre, tem que dar espaço pro babalorixá, ela tem que dar espaço pra que a comunidade se expresse. Mas ela não pode ter programas específicos lá da igreja evangélica, ou da católica ou da adventista, ou do batuqueiro, enfim. Ela tem que ter a participação e garantir a participação ali. As rádios comerciais, o próprio nome já disse: é comércio, é lucro que interessa. É lucro que interessa, a própria notícia veiculada nas rádios comerciais é de acordo com o interesse da emissora. Imagina, agora no Vale dos Sinos, aquele crime ambiental que aconteceu lá. Imaginamos que uma das empresas envolvida lá no episódio, despejou o dejeto, o produto químico que matou aqueles milhares e milhares de peixes lá, que deixou uma comunidade ribeirinha do rio que sobrevive da pesca ali, sem ter o que comer. Ela é patrocinadora de um programa de uma rádio. Essa rádio vai omitir essa informação. Porque? Porque tem um patrocinador ali, entende? Então, a notícia vai de acordo com o interesse. Então, as rádios comunitárias, principalmente a nossa rádio e as rádios que são realmente comunitárias têm esse princípio, é o seguinte. A gente faz comercial, sim. A gente faz comercial, agora empresa que agride o meio ambiente, está fora! Essa a gente vai é denunciar. Empresas que não cumprem com a legislação trabalhista, essas a gente vai é denunciar. Então é isso é que é a questão. As rádios comunitárias, elas têm um interesse coletivo e não visam lucro. E as rádios comerciais visam lucro... (interrupção de um telefonema e visita de duas pessoas da vizinhança que tiveram participação na rádio Integração 101.7 FM, uma delas desde a fundação. Egídio me sugere que a entreviste também. A partir de então ambos respondem às questões, enquanto nos é servido um chimarrão)


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- O nome completo da senhora? 

Noeli- Noeli Lúcia Piloneta. 


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- E a data e o local de nascimento?

Noeli- Eu vim de Passo Fundo. Nasci em 1955!


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- A senhora participou desde o início da rádio Integração, poderia dizer como é que foi o início da rádio?

Noeli- Participei desde o início. Ouvi a idéia do Egídio e me juntei a ele pra começar o movimento. A organização do grupo que participaria, fizemos um chamamento na comunidade, dos vizinhos, todos os conhecidos e passamos a idéia daí. E os que gostaram da idéia participaram da fundação e ficaram juntos, o grupo ficou unido até um bom tempo, até a rádio ser fundada e arrecadar recurso, começamos a fazer jantar na comunidade, na Associação de Moradores e arrecadar fundos. Foi isso.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Como era Alvorada na época do início da rádio Integração, em que ano era?

Noeli- Foi em 97, eu acho? O movimento começou em 97, nós começamos a nos organizar em 97. E, na época era bem sofrida a comunidade. Não, não, as ruas não tinham asfalto, era tudo terra, tudo barro. Era bem sem recurso mesmo. Não era muito diferente de agora, mas era pior. Iluminação, péssima, não tinha. E as Associações de Moradores bem sucateadas, os prédios, principalmente esse aqui da São Francisco, prédio bem sucateado, precisando de reparos. E era assim... O que mais, Egídio?

Egídio- Nessa época, Rafael, quando a gente iniciou aqui o movimento, como é que a gente fazia pra sensibilizar a comunidade. Na verdade, naquela época existiam já duas rádios na cidade. Dizer isso, né? Quais eram? Uma rádio era uma rádio livre, ligada a Igreja Assembléia de Deus, que funciona até hoje, já teve o seu equipamento apreendido, os pastores deram um jeitinho, compraram outro, esses equipamentos foram devolvidos, por força de justiça, né? E, teve... a rádio é nômade, ela vai pra um lado pra outro, está se movimentando pra tudo quanto é lado e se mantém no ar, é a rádio Alvorecer. Se mantém até hoje. E a outra rádio, que era de fato uma rádio comunitária, era rádio Esplanada. A rádio Esplanada surgiu ali na região da Nova Americana, Americana, virou Esplanada, aonde ela transmitia dali. Essa rádio foi construída por um grupo de pessoas ali da comunidade, aonde teve, não lembro o nome da pessoa que é um eletrotécnico, construiu os seus equipamentos. Esses equipamentos foram apreendidos pela Polícia Federal e nesse caso aconteceu um fato interessante, a Polícia, na verdade, a ANATEL lacro... (interrupção ocasionada pelo término do lado A, fita 1)

Egídio- Bom então...rádio Esplanada né, era uma rádio que teve apreendidos os equipamentos e, quando a Polícia Federal solicitou que os responsáveis fossem prestar depoimento e levassem transmissor, a gente conversou, pensou como é que a gente vai fazer e tal, “Bom, entregar o transmissor pra Polícia Federal.” Mas como o lacre foi mal feito, agente retirou de dentro, ajudei a fazer a operação. A gente retirou lá, o equipamento, o transmissorzinho, que era pequeno de baixa potência. Era 4 WATS, 5 WATS aquele equipamento, e colocou uma sucata pra dentro e isso está lá na Polícia Federal ainda, deve estar lá. “E aquele transmissor serviu ainda pra muitas outras transmissões até que a rádio acabou tendo outras apreensões e acabou não se consolidando, e nós iniciamos junto com o Vergara, Luis Carlos Vergara que é presidente, era membro do ABRAÇO da Associação Brasileira das Rádios Comunitárias na época, junto com o Paulo Aquino Roque, negão Roque, já falecido, bem jovem inclusive. A gente começou a fazer uma espécie de Rádio Escola. A gente ia para um bairro da comunidade, e fazia, lá na transmissão, convidava a comunidade, alguns jovens, fazia oficinas, oficinas de rádio e ali a gente transmitia. Nos finais de semana. Então era uma Rádio Escola nômade, então a gente fez várias transmissões, essa rádio se chamou Rádio Passo da Figueira, depois ela teve como Rádio Paz, em função do ano de 2000, aquela questão do ano da paz, a campanha da fraternidade. E a gente então optou por Rádio Paz e começou a fazer essas transmissões, aonde surge, daí a Rádio Integração, a partir destas ações, a gente se organiza na Vila São Francisco, Ferrari, Duas Figueiras, aquela região ali, próximo da Oscar Chik e, funda então a Associação Integração de Rádio Comunitária, mas o movimento pela democratização dos meios de comunicação começa aonde a gente começa a fomentar várias intervenções e surgem diversas rádios, hoje nós temos a Rádio Acácia, nós temos a Rádio Salomé, nós temos a Rádio Cop, nós temos a Rádio o Colibri, nós temos a Rádio Clube Americana, então nós temos praticamente em quase todos os bairros da cidade nós temos uma rádio funcionando, e isso é muito importante, muito interessante, eu acho que a gente começou um movimento muito interessante, e é bom ressaltar isso, que as pessoas que ajudaram a construir isso mesmo, dentro da cidade foi o Luis Carlos Vergara, que era membro da Associação, que ele conseguia emprestado lá da Rádio Obirici, e de outras rádios comunitárias, equipamentos emprestados pra gente poder fazer essas transmissões, junto com o Paulo Aquino Roque, negão Roque que ajudou a construir essas intervenções dentro da cidade. 

Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Como era a programação da Rádio durante sua trajetória?

Noeli- Programação da Rádio era bem dividida, tinha programas pra criança, jovens, adultos, mais coroas, né, Egídio, tinha uma, uma programação dos adolescentes e os radialistas eram todos voluntários. Rapazes da comunidade, moradores que foram colaboradores, essas coisas. Como por exemplo, tem o meu filho. E, não posso deixar de falar, meu filho era um desses radialistas...

Egídio- O Felipe foi na primeira rádio que a gente fez, na casa da mãe do Roque, ali na Rio Grande do Sul, o Felipe e o Amílcar, hoje o Amílcar está em São Paulo, é músico e o Felipe é operador da rádio Guaíba. Fez a primeira oficina ali. Aí se encantou e nunca mais largou, tanto é que hoje ele é, já trabalhou em Rádio em Passo Fundo e agora trabalha na Rádio Guaíba.

Noeli- Ele tinha dez, ele e o Amílcar, tinham 10, 12 anos na época. Agora ele tem 19 e fez o curso de radialista, e como o Egídio falou, trabalhou em Passo Fundo quando nós estivemos trabalhando lá há três anos, ele trabalhou na Rádio, acho que eu não lembro o nome agora. E agora está trabalhando na Guaíba. E quer continuar, fazer ensino superior nessa área. E os coleguinhas dele, os amigos dele, Jardel, André, todos os outros que faziam esse programa dele, de rock, de banda e traziam banda pra se apresentar. Então eles tinham o público deles garantido. Tinha o Egídio que fazia uma programação de música nativista, que era muito bom também o programa dele, tinha bastante audiência, pros mais coroas, pra quem gosta desse tipo de música. Eu fazia um programa de educação infantil, fazia um programa pras crianças, ensinava brincadeiras antigas que já não se fazem mais com as crianças, dava dicas de saúde, de higiene, de educação infantil, como os pais conversarem com os seus filhos sobre vários assuntos e aí a audiência era dos pais e das crianças, porque na Associação de Moradores aonde funcionava a Integração nessa época nós tínhamos também uma creche comunitária e as crianças da creche participavam da rádio também, inclusive eles foram treinados pelo Felipe pra serem repórter comunitário mirim. E quando tinha feira de ciências, a feira do livro, eles iam pra praça, a gente levava eles pra praça. Teve uma ocasião até que eles entrevistaram o secretário de educação, o nosso repórter mirim, e era uma coisa muito linda, um movimento muito, muito lindo, muito educativo. Daí a comunidade se voltava pra aquilo, porque atingia as famílias diretamente. E nessa época a rádio fez bastante sucesso, né Egídio. E um trabalho muito lindo, maravilhoso, as crianças iam pra dentro do estúdio também. Durante a semana eu levava elas, o Felipe ia com elas e lá elas gravavam o programinha delas que ia pro ar no sábado eles estavam lá em casa com a família e estavam ouvindo eles mesmo no rádio, o programa deles, as musiquinhas, as bobagens que eles queriam contar, que aconteceu de diferente durante a semana na creche e, às vezes a gente fazia programa com eles ao vivo, então eles vinham dentro do estúdio com a mãe, com o pai, os familiares traziam, eles no sábado dentro do estúdio, e eles faziam ao vivo o programinha deles. E era mais ou menos isso a programação. Que mais Egídio, que eu esqueci?

Egídio- A programação era bastante diversificada, ela trabalhava com público infantil, com jovens, trabalhava vários segmentos, tinha desde hard core até a música caipira.

Noeli- Ah! Tinha também programas de entrevistas. E tinha programa de entrevistas. E ali a gente entrevistava as pessoas ligadas aos movimentos, autoridades políticas, entrevistava as pessoas. Tinha uma audiência boa também esse programa.

Egídio- Um programa, tinha um programa muito legal, que era o Peixe Vivo. Peixe Vivo era um programa que era comandado pela Michele Cavalcante, produzido e apresentado por ela. Michele Cavalcante hoje estuda música na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, na UERGS. Ela fazia um programa que era muito legal, ela pegava um determinado cantor, músico, compositor, sempre compositores e músicos não muito conhecidos, da cultura popular e trabalhava as suas músicas, a sua discografia, a sua história, fazia um apanhado naquele programa de uma hora e meia, duas horas ali, ela trabalhava a história dessas pessoas, entende, então pra pessoas como você, Rafael, que está fazendo História, era um programa muito interessante. Outro programa que era muito interessante que era feito pela Clarissa, que hoje a Clarissa está em Uruguaiana trabalhando na INFRAERO. Fazia um programa que era, agora fugiu o nome do programa aqui. Mas era um programa que trabalhava a questão da música, do contexto musical, trabalhava, tipo assim, uma música machista, trabalhava aquela música e por que disso? A mensagem que a música trabalhava e trazia sempre convidados estudantes músicos, pra fazer o debate.

Noeli- Participações também.

Egídio- É, com participação do ouvinte, aonde trabalhava: “Olha, o que que esse tema quer dizer?” Era um programa muito interessante, muito interessante, era um programa que fazia esse debate, e fazia o contraponto. O nome do programa era o nome duma música do Caetano se não me engano. Trocando em Miúdos, era o nome do programa. Trocando em miúdos. Então o Trocando em Miúdos, ele trabalhava essa questão do mesmo tema. Do mesmo tema. Uma música machista, uma música que não traz nada, que é um lixo, e uma música que traz uma mensagem, procurando sempre trabalhar o mesmo tema, ou semelhante ao mesmo tema. E abertura do programa foi o primeiro programa foi isso, foi Trocando em Miúdos, que é a questão da separação de um casal e a outra, a outra música era Entre Tapas e Beijos, é um casal que se ama, mas que se agride, que se bate. E a mídia massificava esse tipo de música e Trocando em Miúdos que era uma música com poesia, que trabalhava a questão da relação e da separação e daquela coisa ruim da divisão da roupa, dos livros, dos LP’s, das coisas pessoais. Então é interessante porque a gente conseguia fazer um debate, fazer a comunidade refletir sobre ela também, passava a ouvir o que a indústria cultural passava para ela. Então era uma programa bem interessante também.

Noeli- Outro programa interessante era das músicas clássicas, né Egídio. Que era feito pela esposa do Egídio, a Vera Junqueira. E, também ela contava a história da vida do autor e era bem interessante também, era no fim de noite, uma coisa bem calma, bem tranqüila. Durou bastante tempo o programa dela, era muito bom também, os clássicos. E do Mano, como era o programa dele que eu não me lembro. Também não me lembro o nome do programa do Mano, mas era bem bom também. Era no domingo, meio-dia. 

Egídio- É esse programa de Artes, Artes no Rádio, que a Vera fazia era muito interessante, ele trabalhava com a música clássica, poucas emissoras trabalhavam isso. Era História pura, então ela dava relatos da vida pessoal desses músicos, vários deles tiveram uma vida muito difícil, muito complicada. É, onde a elite, as elites dominavam isso. E ficou a coisa da música clássica e da música erudita, ficou pras elites. E hoje nós temos aqui na periferia de Alvorada, vários jovens de 14 e15 anos que fazem música clássica, que são jovens aqui do bairro Umbú, que é considerado um dos bairros mais violentos da cidade, que é o estigma que a imprensa coloca. “Ah, é do Umbú, deus me livre!”. E tem jovens ali fazendo música clássica. Ah, o Amilcar, o próprio Amilcar, que é um músico hoje que trabalha na orquestra sinfônica de Guarulhos. É de Alvorada, e é filho do Roque, que seguiu a carreira da música erudita e está lá se profissionalizando, lá estudando música em São Paulo. Eu acho que também contribuíram, pra que esses jovens passassem a também refinar o seu ouvido, ouvir outras coisas que as rádios comerciais não mostram. As rádios comerciais elas funcionam na base do jabá. É aonde uma determinada gravadora ou produtor de um determinado músico pega uma determinada música a gente até pode tentar recordar alguns nomes aqui de músicos que surgiram e sumiram em três meses. Aquilo vendeu o que tinha que vender e acabou. Então são músicos aonde a gravadora, os produtores vão lá e contratam um espaço. Determinada rádio vai tocar às 14h em ponto aquela música, aí tu anoja da música, tu muda de rádio, tu entra na outra vai estar começando a mesma música, e aí tu vai trocando, tu ouve num espaço de 15, 20 minutos tu trocando de dial, a mesma música, que são o tal de jabá, onde é contratado, pra que aquela música, comece aquele jingle, comece a entrar na cabeça das pessoas e as pessoas passem a cantarolar, e a coisa boa, a arte pura da música popular, os costumes regionais, o país é muito grande, tem muita coisa boa por aí, do folclore mesmo, no norte, nordeste, isso não chega pra gente, as rádios daqui não tocam, com raras e honrosas exceções. Alguma ou outra programa de rádio, muito raro, tem alguma coisa que trabalha essa coisa mais da cultura nacional e tal. Então nós conseguíamos aqui fazer isso, com bastante dificuldade, eu acho que assim, a gente tinha que eram todos voluntários.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Sobre o programa do senhor Egídio, como era?

Egídio: A gente fazia o programa aos domingos de manhã, que era chamado Alvorada Crioula. Qual é que era a proposta do programa? Era um programa musical, com informações culturais e locais, era uma pequena resenha dos acontecimentos que aconteciam na cidade e na região metropolitana, que a gente passava informações, com muita música, e eu digo música de qualidade. A música regional, música gaúcha de raiz. Aonde a gente trabalhava com músicas clássicas do nosso folclore, a música tradicionalista, regionalista. Então a gente procurava nesse espaço trabalhar com músicas nesse estilo e tinha um bloco a gente trabalhava músicas regionais de outras regiões, do norte, nordeste. Tinha pouco material dessas regiões, mas a gente buscava com amigos e com outras pessoas e com o próprio acervo pessoal da gente. A gente mostrava outras músicas, por exemplo, citar um nome, que é muito pouco conhecido que faz ópera no Brasil, que é o Elomar, muito pouca gente conhece. Elomar, ele tem uma cantoria que é do sertão baiano. O Elomar é um criador de cabras que vive no sertão da Bahia, aonde ele trabalha a música daquele povo sertanejo. Então ele faz ópera, o Elomar deve ter em torno de vinte obras de ópera gravada e que não é reconhecida no país. Ele tem poucos LPs gravados. Então ele já teve aqui duas ou três vezes em Porto Alegre, então ele é pouco conhecido. E faz uma música de altíssima qualidade e que trabalha o dialeto regional do sertão baiano, isso as pessoas não conhecem. Então, então só pra citar um exemplo do que era trabalhado dentro do programa. Mas basicamente era música regional aqui no Rio Grande do Sul, música nativista, que a gente trabalhava que formação local da região aqui de entorno, que a gente fazia. Tinha um programa muito também interessante, que era que Integração Periférica. Integração Periférica era comandado pelo Neni. O Neni também, que é um dos fundadores da rádio também, trabalhava os elementos do hip hop, então fazia um programa muito legal também, que trouxe vários nomes, várias entrevistas foram feitas com nomes aí tipo Racionais. Racionais tiveram em Alvorada na Rádio Integração, o DJ Thaíde, o Thaíde e DJ Hum, tiveram na Rádio Integração Da Guedes. Então, teve vários nomes do hip hop que tiveram na rádio, dando entrevistas. Tinha um outro programa muito legal também que o Sidnei fazia, hoje o Sidnei trabalha de cobrador na empresa de ônibus aqui da cidade, que fazia um programa, que era de reggae, que era muito legal e tal, que trouxe entre outros aí, Produto Nacional, que é uma banda gaúcha aqui de Porto Alegre, que veio aqui na cidade, , então foi bem assim, o tempo que a rádio esteve no ar foi bem legal, tinha uma programação muito interessante.

Noeli- De muita qualidade.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- E sobre os radialistas. Quais eram os radialistas, o que cada um tinha que fazer, quais os requisitos?

Noeli- Os radialistas eram todos apaixonados pela idéia da rádio comunitária. Porque tinha que trabalhar voluntário, arrumar um tempo na sua vida, se organizar de maneira que conseguisse tempo de fazer. Porque era tudo voluntário, a gente até tinha que pagar a mensalidade. Todos nós que participava pagava as mensalidades, e pra manter a rádio. Éramos voluntários. Agora, sobre os critérios eu acho que o Egídio fala melhor, porque era o nosso diretor.

Egídio- A gente adotou alguns critérios pra gente trabalhar. Não entrava ninguém pra fazer um programa na rádio sem passar por uma oficina de rádio. O que era uma oficina? Essa oficina era um momento aonde a gente discutia o histórico do movimento de rádio comunitária, como surgiu, porque que surgiu, o conceito de rádio livre, o conceito de rádio comunitária, o conceito de rádio comercial e se trabalha pras pessoas entender, qual que era o objetivo e a proposta da rádio comunitária, pra não sair produzindo o que as rádios comerciais faziam. Isso não interessava pra nós, não era interessante. Era interessante fazer algo novo, diferente, aonde a comunidade tivesse a participação. Então através dessas discussões, dessas oficinas é que se garantia a qualidade da programação, aonde a gente pedia e organizava, para que as pessoas participassem do movimento de rádio comunitária, quer fossem nos encontros, que participassem de discussões com outros radialistas de outras rádios comunitárias pra trocar experiências, tanto é que a nossa rádio fez aqui dois seminários na cidade sobre comunicação alternativa. Então o primeiro seminário, ele foi muito interessante, a gente teve uma participação aí de umas 150 pessoas, de vários municípios aqui da região. O segundo seminário de comunicação alternativa ele foi melhor, aonde a gente teve mais de 350 participantes. A gente teve participante da fronteira com a Argentina, de Três Passos. Veio pessoas de Horizontina, participar desse seminário. Foi um seminário que durou dois dias, aonde a gente teve participação do Daniel Hertz, falecido agora. O Sebastião Santos, aquele jornalista que trabalhou o conceito de rádio comunitária lá da rádio de Queimados do Rio de Janeiro. A gente fez várias oficinas nesse segundo dia do encontro, aonde a gente trabalhou, além da rádio comunitária, a gente trabalhou TV comunitária com a TV Ovo de Santa Maria, que hoje é um ponto de cultura lá em Santa Maria, que vem formando diversas turmas de jovens. Então, eram jovens lá da periferia de Santa Maria que vieram aqui fazer essa oficina. Fizeram então oficina de TV comunitária, a gente fez oficina de rádio comunitária, a gente fez oficina de jornal mural, oficina de panfletos, de fanzine, de jornal comunitário. Então a gente teve uma série de oficinas, e que foi muito interessante. Então a gente teve uma participação assim muito, muito grande da comunidade, principalmente jovens, aqui da cidade e, e vários municípios, a gente teve mais de 32 municípios que participaram e alguns bem de longe, tipo Horizontina e Três Passos, que vieram pra participar desse segundo seminário de comunicação alternativa. Então era dessa forma que a gente vinha trabalhando com as pessoas pra que as pessoas entendessem qual é que era a proposta. É que não era uma rádio comercial, e que não era uma rádio livre, mas que a gente tinha que ter alguns princípios. E os princípios eram esses, que eu já tinha falado antes, pra gente trabalhar. A sobrevivência da rádio por exemplo, eu sei que tu vai perguntar aí NE, mas vamos se adiantar. Como é que a rádio sobrevivia, daquilo que a Noeli falou. Cada um de nós contribuía com a mensalidade pra gente pagar a água, pagar luz, fazer uma manutençãozinha em um cabo que quebrou, de um microfone novo, de um CD...


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Quanto era a mensalidade?

Egídio- Três reais, cinco depois, entende, assim era muito simbólico, irrisório, e os comerciais a gente cobrava lá, 20 pila, depende se o cara era uma pequena empresa, quem trabalhava ali era a família era 15, 20 reais. Se era já uma grande empresa gente já não fazia o comercial, não. Se era dona Maria que faz pastelzinho, que é aposentada pra poder garantir uma renda maior pra poder sustentar a farmácia e manter a pressão controlada, acaba fazendo aqueles pasteizinhos ali pra festinha e tal. Essa a gente anunciava de graça. A rádio tem que ser isso, ela tem que servir à comunidade, ela tem que estar ali pra prestar informação. A gente sofre uma pressão da ANATEL, que é a agência reguladora dos veículos de comunicação que fiscaliza a rádio, fiscaliza a TV, fiscaliza a telefonia, e que ela tem feito de forma incisiva lacramento, fechamento de rádio, apreensão de equipamento, só que na nossa comunidade, Rafael, aonde a gente vive, se eu te convidar aqui pra gente dar uma volta agora, e tem legislação pra isso, que diz que a cada determinado quantidade de metros do perímetro urbano tem que ter um orelhão. Se a gente der uma volta, aqui, a ANATEL não fiscaliza isso, ela fiscaliza as rádios comunitárias, que estão servindo à comunidade e que muitas vezes está servindo, muito recado a rádio passou de mães e pais que ficavam engatado no trabalho que ligavam pra rádio, porque sabiam que em casa estavam ouvindo a rádio e passavam a informação. Dizendo: “Ó, avisa lá em casa que eu vou chegar mais tarde, fiquei engatado no trabalho, quebrou uma máquina e sou mecânico de manutenção, tenho que ficar aqui senão o patrão no outro dia não deixa eu pegar...”. Então esse tipo de informação era passada. Porque as pessoas não tinham telefone, a telefonia pública, o orelhão não tinha, e aí? Não tem e a ANATEL não fiscaliza. Entende, então as periferias estão abandonadas. (fim lado B, fita 1)

Egídio- Então era isso que acontecia, as pessoas pediam a música, e acabavam levando na rádio o material pra ser rodado, porque a pessoa não tinha ali na hora aquele material, aquela solicitação, e é muito interessante, a gente teve bastante doação de vinil, também que foram doados, então era dessa forma que se trabalhava. Teve casos, por exemplo, de o microfone estourou no meio do programa (Risos). E aí, o que eu faço? Não me lembro quem é que estava, eu acho que era o Libório, o Mano, que fazia um programa ao meio-dia, que era o Almoço na Integração, então ele ficou sem microfone, quebrou o cabo do microfone. E aí o que eu faço? Aí nós tínhamos um fone de ouvido velho, e a gente inverteu, usou aquele fone de ouvido como microfone, então, aquele dia inteiro, a gente trabalhou, com o fone de ouvido no lugar do microfone. Então a gente já fez isso, pra poder transmitir ali, mandar a mensagem pra comunidade.

Noeli- E também teve situações que a gente estava ouvindo lá um programa em casa do companheiro, estava lá na rádio fazendo programa, de repente “puf”, saía do ar! Ah, era aquela correria, corria pra rádio lá avisar, um domingo de manhã eu me lembro que eu fui correndo lá, cheguei lá, o Egídio falando: “Egídio, tu não tá no ar!” (Risos). Saí correndo de casa, “Meu deus, saiu do ar, o que que houve?”. A gente corria por que nem sempre nós tínhamos telefone, como ele falou. Então era interessante essas coisas. Acontecia as coisas lá, e a gente saía todo mundo correndo pra ir lá socorrer? Era muito bom.


Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- E como é que eram as reuniões, quando elas aconteciam, qual freqüência, e também as divisões de tarefas, como é que funciona?

Egídio- É, as reuniões eram mensais. Eram mensais, a gente fazia reunião de avaliação, uma vez por mês. E uma vez por mês a gente fazia uma reunião com os membros da diretoria da rádio. Então nós tínhamos lá algumas pessoas que cuidavam das finanças, que eram responsáveis pela arrecadação, cobrar ali, manter a mensalidade em dia, pra gente fazer aquela pequena manutenção de equipamento, adquirir novos equipamentos, a gente fazia, promovia algumas festas de arrecadação, a gente fez algumas festas bem interessantes. Aonde teve uma muito interessante que a gente fez que foi uma festa da bruxa, foi uma sexta feira, sexta feira treze, então a gente fez inclusive um adesivo e tal que era um morcego. E a gente usou essa coisa do morcego, relacionando à bruxaria, e relacionando um pouco à história do rádio no Rio Grande do Sul, a história do rádio, na verdade. Porque a gente sabe que o cara que trabalhou e que pesquisou e que construiu o rádio foi o padre Landel de Moura, além de padre, era pesquisador, era um cientista e ele que fez a primeira vez sair duma caixinha um som, então ele foi taxado pela igreja como bruxo. Então usou essa “Comunicação é bruxaria”, e a gente fez um morceguinho e tal, e foi uma festa bem legal. Porque naquele dia que a gente fez a festa, Comunidade Ninjitsu tinha um show num clube aqui da cidade, no União, clube antigo, o maior clube da cidade, e foi suspenso o show por falta de público. E a festa das bruxas da Associação Integração não tinha lugar pra se mexer dentro do espaço, era um espaço pequeno, pequeno, tá certo, mas foi uma festa assim, ó, que amanheceu e tal, a galera se divertiu, aonde os programadores da rádio, cada programador tinha o seu espaço de DJ ali, então foi muito legal, bem interessante essa festa. Então tinha algumas pessoas que cuidavam da finança, tinha os rádio-escuta. Nós tínhamos sempre um ouvindo a programação um do outro, e que isso era interessante aonde a gente tinha uma ficha, que a gente fez, que é aonde a gente anotava, anotava o que gostou, o que não gostou dentro da programação, que era pras reuniões de avaliação a gente poder discutir, poder fazer a crítica, receber a crítica, fazer a auto-crítica e a gente buscar melhorar a programação. Então essa coisa do rádio-escuta era legal, um ficava ouvindo o programa do outro, pra ajudar, pra dar um toque: “Ó, tu falou isso, deixou de fazer aqui ou tu podia ter feito assim ou assado”. Então era uma forma que a gente tinha também de ficar se educando e estar aprendendo e estar se organizando. Era basicamente isso, que a gente trabalhava.

Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- E sobre os eventos que a rádio fez, e também outras atuações, por exemplo, camiseta e vocês também divulgaram um CD?

Egídio- É, a história do CD é bem interessante, a história do CD, ela surge dentro de uma campanha, do movimento de rádios comunitárias, aonde a gente trabalha a questão da legalidade, aonde tem uma pressão e uma campanha, naquela época existia uma campanha de rádio e televisão de AGERT e ABERT divulgando, e falando asneiras, sobre as rádios comunitárias. Por exemplo, chegaram ao ponto de dizer que as rádios comunitárias, que os transmissores de baixa freqüência de FM interferiam na aviação, que poderiam derrubar um avião, e que fizeram toda essa campanha de apavoramento, de terrorismo com a comunidade, e a gente sabe que não é verdade isso, porque cada faixa de freqüência funciona numa faixa: a Marinha tem a sua faixa, a Polícia Civil, a Brigada, a TV, as rádios AM, as rádios FM, cada uma tem uma faixa e o espectro é muito amplo e não tem como uma interferir na outra. Não existe isso! E os transmissores têm um filtro que não deixa que isso aconteça. Então isso é uma inverdade que os veículos de comunicação comerciais fizeram essa campanha, então a gente fez uma campanha de “Rádio comunitária é legal”, a gente juntou alguns músicos, entre eles, Bebeto Alves, Nancy Araújo, não lembro todos aqui, então a gente fez com apoio do sindicato dos bancários de Porto Alegre, a gente criou, e o CONRAD, que era o conselho regional de rádio comunitária, aonde a gente propôs então, no caso a Michele Cavalcanti que fazia um programa na rádio, que é música e hoje faz faculdade de música na UERGS e a banda na época, agora trocou o nome, não sei qual é o nome, mas na época era Arawak. Banda Arawak, uma banda que fazia um reggae e tal, então quando a gente propôs isso. (término de lado a fita 2)


Imagens da rádio:






Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no jornal "A Folha" de Alvorada, RS.

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