AGUIRRE: A CÓLERA DOS DEUSES (RESENHA)

O filme Aguirre: A Cólera de Deus, mostra, em certos aspectos, muito bem a primeira fase de invasão da América pelos espanhóis. Tentarei analisar o filme com uma relação Micro/Macro. Ou seja, trazendo algumas cenas e personagens mostrados no longa de Werner Herzog e a partir destes elementos mostrar o contexto geral deste momento da invasão, e alguns de seus atores históricos inseridos no contexto, tanto ficcional (do filme) quanto factual.

A expedição de Lope Aguirre e Don Pedro de Úrsua ocorre no ano de 1560, como é mostrado no filme. Aguirre representa uma primeira leva de “conquistadores/exploradores” que são fragilmente ligados à coroa espanhola. Estes aventureiros são motivados muito mais por escrúpulos pessoais do que por um projeto colonial. A expedição de Aguirre e Úrsua, desliga-se de Cuzco, capital dos Incas, tomada por Pizarro, e segue pelo rio Amazonas na tentativa de encontrar “El Dorado”.

Influenciados por uma política de metalismo (que propunha arrecadar metais precisos como ouro e prata) estes adelantados, munidos de poderes pessoais e militares (caudilhos), arrebanham seguidores e partiram em busca de riquezas na América. Este panorama que move a invasão e a colonização nos anos seguintes.

Durante cerca de 700 anos, os espanhóis travaram uma batalha contra os mouros instalados na península ibérica desde o séc. VII. A retomada de Granada, pelos espanhóis, em 1492 assinalou o fim destes conflitos de duravam 700 anos. Ao mesmo tempo em que a Espanha lutava para expulsar os mouros de seu território, Portugal , com longa tradição marítima, se lançou ao mar e instalou feitoriascomerciais nas ilhas do atlântico (Açores) e nas costas da África. A Espanha entra atrasada na “corrida” para o Oriente e com o auxilio de genoveses passa a utilizar técnicas de navegação para suas expedições de além mar. Assim, os espanhóis, com Colombo, chegam na América. O motivo para a expansão espanhola é, de início, um “prolongamento” do que já haviam feito nas ilhas Canárias, ou seja, produzir açúcar com mão de obra escrava. Com o contato imediato dos espanhóis com as civilizações da América Original, passou a cogitar-se de que em terras “inexploradas” da América podiam haver fabulosas riquezas. Logo, esses aventureiros, que estavam a serviço da coroa espanhola, apenas nominalmente, passaram a “garimpar” as terras americanas em busca de ouro e glória. 

No ano da expedição de Aguirre/Úrsua (1560) os espanhóis já haviam mantido um contato violento com os povos imperiais americanos. Cortéz, com poucos homens em seu comando e com a ajuda de povos tributários, arrasa os Astecas em 1519. Francisco Pizarro se aproveita da disputa entre dois irmãos (Atahualpa e Huascar) para conquistar o império Inca em 1532. Com efeito, estes diferentes contextos foram decisivos para a quedas das sociedades americanas. O próprio contexto entre os dois mundos, América e Europa, com diferentes visões de conquista e guerra, foram fatores decisivos na época para que os ibéricos se impusessem no “Novo Continente”.


Aguirre: Cólera de Deus

Junto a estes fatores, que motivaram a primeira leva de invasores/exploradores a buscar riquezas na América, temos a Igreja. No filme é um padre que narra a história e acompanha a expedição de Aguirre até seu destino derradeiro numa balsa em meio ao rio Amazonas. A Igreja teve um papel importante desde que começou a reconquista espanhola. A Península Ibérica estava dividida entre os mouros, muçulmanos da África, e os próprios espanhóis, herdeiros do reino cristão dos visigodos. A religião serviu de base ideológica para a reconquista e acabou ganhando poderes “semi-estatais” (como a própria Inquisição sob o comando de Torquemada). Assim, o invasor mouro não era apenas o outro politicamente mas era também o infiel e precisava ser banido e derrotado. Com a invasão da América, a Igreja católica espanhola veio ao continente com a “missão” de converter os “índios infiéis” e assim manter uma estabilidade social para uma conquista mais intensificada e organizada. Esta função da Igreja na conquista pode ser notada no filme em questão. Carvajal é o nome do padre que acompanha a expedição Aguirre pelas florestas. Cabe destacar uma cena em que Aguirre e seus companheiros encontram um “índio” e sua “companheira”. O autóctone oferece sua mulher aos espanhóis do grupo de Aguirre (como é de costume de muitas tribos brasilianas em que as mulheres são oferecidas para os visitantes). No entanto, os espanhóis se deslumbram pelo pequeno amuleto de ouro que os indígenas trazem. O próprio padre, Carvajal, parece ceder ao fascínio imediato ao ouro, mas logo retoma em suas palavras a verdadeira missão: converter os “infiéis”.

É claro que essa conversão ao catolicismo parece demasiada ridícula de certa forma. Ao apresentar trechos da Bíblia aos povos originais e não levar em conta que tais povos nem tinham um alfabeto organizado (como os Quíchuas) pode parecer cômico, mas devemos levar em conta o próprio contexto da época. 

Entrando agora com mais profundidade no contexto do filme. Em dado momento é coroado o “Imperador de El Dorado”. Este personagem mostra perfeitamente o que passaram a representar essa primeira leva de invasores/aventureiros na América. O próprio Aguirre rompe com sua expedição inicial para buscar fortuna e glória, inspirado pelos feitos de Cortéz na terra dos Astecas.

Os adelantados vão se tornando um perigo eminente ao poderio espanhol. Isto porque estes aventureiros agiam em nome de Espanha, mas na prática faziam o que bem entendiam no continente americano. Cortéz, por exemplo, abandonou seu posto de burocrata colonizador em Cuba e parte para a Mesoamérica. Assim ele entra em contato com os povos que ali habitavam e por fim temos o massacre em Tenochitlán. Aguirre segue a mesma linha de Cortéz. Pizarro havia conquistado os Incas cerca de 30 anos antes de Aguirre. Na época deviam pensar estes homens que havia muito mais terras e ouro na América do que eles tinham imaginado. Com efeito, essas expedições em busca de riquezas e do “El Dorado” americano são, sem dúvida, motivos de preocupação para o reino espanhol. Se uma burocracia colonial não conseguiu manter Cortéz em Cuba, o que dirá destes homens sedentos por poder, ouro e glórias (tais como Lope Aguirre).

Longe da coroa do outro lado do Atlântico, os primeiros invasores acabariam com um poder maior do que a autoridade real; da qual agiam e pertenciam nominalmente, mesmo que só aparentemente. Desta forma, entendemos o final do filme. Navegando solitário em sua balsa, Aguirre encontra seu “triste fim”. Aparentemente enlouquecido ele ainda sonha em ser o senhor da América, mesmo depois de ter perdido todos seus companheiros. Estes homens que chegaram à América com sede de riqueza e glória “tinham” que desaparecer. O Estado espanhol “tinha” que tomar a frente da conquista antes que um destes aventureiros se tornassem uma ameaça ao recém-unificado reino da Espanha. Cortéz, Pizarro e Aguirre já não eram mais os adelantadosque agiam “em nome da Espanha”, eram “futuros reis” na América.

A coroa espanhola não podia ter rivais neste sentido, uma vez que o próprio continente americano era demasiado vasto e os espanhóis nem ao menos tinha a noção de quantos povos haveriam neste lugar inexplorado. Assim, temos o final do filme e o fim da expedição Aguirre na América.

Toda história pessoal deve ser entendida em seu contexto histórico, sua época. E o filme deixa isso bem evidente. Para além da loucura do protagonista, a expedição de Aguirre (Micro) só pode ser entendida pela sua época contextual (Macro), que delimita possibilidades e insere as ações dos indivíduos no meio em que vivem.




Assista o filme: 




Bibliografia referencial:

SCHWARTZ, Stuart B. & LOCKHART, James. América latina na Época Colonial.

MURRA, John. As Sociedades Andinas Antes de 1532. In: BETHELL, Leslie(org.).História
da América Latina volume I: América Latina Colonial.

ELLIOT,  J.  H..  A  Conquista  Espanhola  e  a  Colonização  da  América.  In:  BETHELL,
Leslie(org.).História da América Latina volume I: América Latina Colonial.

Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

2 comentários:

  1. Muito obrigado. Gracias por volver a tener la oportunidad de ver un clásico de Hertzog.

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  2. Cara valeu, eu preciso fazer um tralho e com certeza isso sera bem melhor do que assistir o filme, em razão de tempo, qualidade, conteúdo.
    Infelizmente só pósso dar um obrigado

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