Karl Marx |
O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) influenciou profundamente o pensamento contemporâneo nas mais diversas áreas: economia, política, história, cultura. É certo, porém, que seu estudo sobre o capitalismo tem como foco a Europa do século XIX. Mesmo assim, não seria possível para Marx analisar o desenvolvimento capitalista europeu sem citar em algum momento as relações América-Europa que se estabeleceram a partir do século XV.
Segue neste texto algumas citações do próprio Marx sobre a América.
A América no Manifesto
“O descobrimento da América, a circunavegação da África, abriram um novo campo de ação à burguesia nascente. Os mercados das Índias orientais e da China, a colonização da América, o comércio com as colonias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias deram ao comércio, à navegação, à indústria, um impulso até então desconhecido, e em consequência, favoreceram um rápido sociedade feudal em decomposição.”[1]
“A grande indústria criou o mercado mundial que o descobrimento da América havia preparado. O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento do comércio, da navegação, das vias de comunicações terrestres. Este desenvolvimento reagiu, por sua vez, sobre a extensão da indústria; e na mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, as ferrovias se desenvolviam, a burguesia também crescia, aumentando os seus capitais e colocando em segundo plano todas as classes legadas da Idade Média.”[2]
Os puritanos da Nova Inglaterra
“Estabeleceram em 1703, por resolução do assembly, um premio de 40 libras esterlinas para cada escalpo indígena e para cada pele-vermelha; em 1720, um premio de 100 libras esterlinas para cada escalpo; em 1744, depois de Massachusetts-Bay ter declarado certa tribo como rebelde, os seguintes preços: para o escalpo masculino de 12 anos para cima, 100 libras esterlinas, para mulheres e crianças aprisionadas 50 libras esterinas! Alguns decênios mais tarde, o sistema colonial vingou-se dos descendentes rebeldes dos piedosos pilgrin father [patriarca peregrinos]. Com incentivo e pagamento inglês, eles foram tomahawked [mortos a machados por índios]. O Parlamento britânico declarou sabujos e escalpeamentos como sendo “meios, que Deus e a Natureza colocaram em suas mãos”.”[3]
Escravidão e acumulação primitiva
“A Inglaterra obteve o direito de fornecer à América espanhola, até 1743, 4 800 negros por ano. Isso proporcionava, ao mesmo tempo, um manto oficial para o contrabando britânico. Liverpool teve grande crescimento com base no comércio de escravos. Ele constitui seu método de acumulação primitiva.”[4]
Jornada de trabalho em Massachusetts
“É natural, portanto, que a prolongação da jornada de trabalho, que o capital procura impor aos trabalhadores adultos por meio da força do Estado, da metade do século XIV ao fim do século XVII, coincida aproximadamente com a limitação do tempo de trabalho que, na segunda metade do século XIX, é imposta pelo Estado, aqui e acolá, à transformação de sangue infantil em capital. O que hoje, por exemplo, no Estado de Massachusetts, até recentemente o Estado mais livre da República Norte-Americana, é proclamado como limite estatal do trabalho de meninos com menos de 12 anos, era a jornada normal de trabalho na Inglaterra, ainda na metade do século XVII, para artesãos em pleno vigor, para robustos servos do campo e para gigantescos ferreiros.”[5]
Centralização do capital nos Estados Unidos
“Por um lado, o imenso e contínuo afluxo de gente, impelido ano a ano para a América, deixa sedimentos estagnados no leste dos Estados Unidos, pelo fato de a onda de emigração da Europa lançar aí no mercado de trabalho mais pessoas do que a onda de emigração para o oeste pôde absorver. Por outro lado, a guerra civil americana teve por conseqüência uma imensa dívida nacional, e com ela, pressão tributária, criação da mais ordinária aristocracia financeira, entrega de presente de imensa parte das terras públicas a sociedades de especulação para a exploração de estradas de ferro, minas etc. — em suma, a mais rápida centralização do capital. A grande República deixou pois de ser a terra prometida para trabalhadores emigrantes. A produção capitalista avança lá a passos de gigante, embora o rebaixamento dos salários e a dependência do trabalhador assalariado ainda não tenham caído, nem de longe, ao nível normal europeu.”[6]
“Senhor,
Felicitamos o povo Americano pela sua reeleição por uma larga maioria. Se a palavra de ordem reservada da sua primeira eleição foi resistência ao Poder dos Escravistas, o grito de guerra triunfante da sua reeleição é Morte à Escravatura.
Desde o começo da titânica contenda americana, os operários da Europa sentiram instintivamente que a bandeira das estrelas [bandeira dos EUA] carregava o destino da sua classe. A luta por territórios que desencadeou a dura epopeia não foi para decidir se o solo virgem de regiões imensas seria desposado pelo trabalho do emigrante ou prostituído pelo passo do capataz de escravos?
Quando uma oligarquia de 300 000 proprietários de escravos ousou inscrever, pela primeira vez nos anais do mundo, “escravatur” na bandeira da Revolta Armada, quando nos precisos lugares onde há quase um século pela primeira vez tinha brotado a ideia de uma grande República Democrática, de onde saiu a primeira Declaração dos Direitos do Homem e de onde foi dado o primeiro impulso para a revolução Europeia do século XVIII; quando, nesses precisos lugares, a contra-revolução, com sistemática pertinácia, se gloriou de prescindir das “ideias vigentes ao tempo da formação da velha constituição” e sustentou que “a escravatura é uma instituição beneficente”, [que], na verdade, [é] a única solução para o grande problema da “relação do capital com o trabalho” e cinicamente proclamou a propriedade sobre o homem como “a pedra angular do novo edifício” — então, as classes operárias da Europa compreenderam imediatamente, mesmo antes da fanática tomada de partido das classes superiores pela fidalguia [gentry] Confederada ter dado o seu funesto aviso, que a rebelião dos proprietários de escravos havia de tocar a rebate para uma santa cruzada geral da propriedade contra o trabalho e que, para os homens de trabalho, [juntamente] com as suas esperanças para o futuro, mesmo as suas conquistas passadas estavam em causa nesse tremendo conflito do outro lado do Atlântico. Por conseguinte, suportaram pacientemente, por toda a parte, as privações que lhes eram impostas pela crise do algodão, opuseram-se entusiasticamente à intervenção pró-escravatura — importuna exigência dos seus superiores — e, na maior parte contribuíram com a sua quota de sangue para a boa causa.
Enquanto os operários, as verdadeiras forças políticas do Norte, permitiram que a escravatura corrompesse a sua própria república, enquanto perante o Negro — dominado e vendido sem o seu consentimento — se gabaram da elevada prerrogativa do trabalhador de pele branca de se vender a si próprio e de escolher o seu próprio amo, foram incapazes de atingir a verdadeira liberdade do trabalho ou de apoiar os seus irmãos Europeus na sua luta pela emancipação; mas esta barreira ao progresso foi varrida pelo mar vermelho da guerra civil.
Os operários da Europa sentem-se seguros de que, assim como a Guerra da Independência Americana iniciou uma nova era de ascendência para a classe média, também a Guerra Americana Contra a Escravatura o fará para as classes operárias. Consideram uma garantia da época que está para vir que tenha caído em sorte a Abraham Lincoln, filho honesto da classe operária, guiar o seu país na luta incomparável pela salvação de uma raça agrilhoada e pela reconstrução de um mundo social.
22 - 29 de Novembro de 1864”[7]
Notas:
[1] Manifesto, p.48.
[2] Manifesto, p.49.
[3] O capital, v. 2, 1988, p. 287
[4] O capital, TOMO 2, p.378.
[5] O capital, TOMO 1, p.384-385.
[6] O capital, TOMO 2, p.392.
[7] http://www.marxists.org/portugues/marx/1864/11/29.htm
REFERENCIAS:
ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Escala,
MARX,Karl. O capital: crítica da economia política, livro primeiro: o processo de produção do capital. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1988.
MARX,Karl. O capital: crítica da economia política, livro primeiro: o processo de produção do capital, TOMOS 1 e 2. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996.
MARXIST INTERNET ARCHIVE: http://www.marxists.org/portugues/marx/index.htm
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.
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