ROBERTO LANDELL DE MOURA (Verbete)

O futuro depende em boa parte das referências que retiramos do passado para nos inspirar em seguir adiante. É a afirmação do que já fomos ou que poderíamos ter sido que muitas vezes nos motiva a nos tornarmos donos de uma suposta “vocação” que muitas vezes tanto nos identifica. De modo que, por exemplo, talvez por nós termos criado (para nós inclusive) a imagem de o país do futebol, que temos tantos jovens investindo nesta atividade e se impondo no mundo da bola dentro e fora do Brasil. Um motivo de orgulho entre nós e entre os outros povos que nos conhecem, uma identidade que forjamos para nós próprios.

Contudo, o Brasil é muito mais amplo do que ser apenas o país do futebol. O Brasil já legou mais contribuições ao mundo e em alguns casos, só não foi além em suas marcas históricas pela incoerência de nossos iguais em outros tempos. Falta de visão, um mal que a história pode ajudar a corrigir mostrando essas falhas, nos advertindo a vermos com maior atenção a outros talentos que precisam apenas de uma oportunidade para se desenvolverem. Talentos que a história de outros países já se tornaram parte da identidade dos mesmos como é o caso dos EUA (Gaham Bell, Benjamin Franklin, Edson, Samuel Morse, Jobs, etc.), da França (irmãos Lumiere, Braile, Daguerre, Pierre Curie, Charles Cros, etc.), entre outros exemplos.

Claro que não há dúvidas sobre o reconhecimento pelo legado de empreendedores como Santos Dumont ou pelos menos o mérito de nosso país com tecnologias como a urna eletrônica (que a quem interessar se deve a um juiz de Santa Catarina de nome Carlos Prudêncio em 1989). Porém, a maioria de grandes inovadores, desbravadores do conhecimento acaba ofuscada em nossa história por causa de nossa própria omissão.

Um exemplo dessa afirmação é a história do padre gaúcho Roberto Landell de Moura (1861-1928) que em 1901 conseguiu patentear nos EUA (patente n° 3.279) a primeira transmissão de voz por ondas de rádio. Recebendo em 1904 o reconhecimento por outros experimentos com a transmissão de sons sem o uso de fio. Ainda assim, se vermos uma reportagem do La Voz de España, (editado em S. Paulo), no dia 16 de dezembro de 1900, o mesmo é explicito em afirmar como Landell não teve qualquer apoio em relação aos seus inventos.

Roberto Landell de Moura
Além das dificuldades de outras naturezas, que se somam a este descaso como aconteceu de ter seu laboratório, quando pároco em Campinas, destruído, em 1893, por pessoas que viam o seu trabalho como obra de um “herege”, “bruxo”, “padre renegado”. Deste modo sendo visto com desprezo por causa do seu vanguardismo. Talvez isso explique porque ficamos sabendo que, em junho de 1900, por meio de uma carta sua, que Landell de Moura pretendeu dar fim aos seus experimentos, ao se propor a doar seus inventos ao governo britânico, como registrou em pesquisa para doutorado na USP, em 1999, o historiador da ciência Francisco Assis de Queiroz.

Objetivo que não sabemos porque não se concretizou. E assim 1905, após três anos nos EUA, ele solicitou ao presidente Francisco Rodrigues Alves dois navios da esquadra de guerra para demonstrar os seus inventos que revolucionariam a comunicação. Apelo que o assistente do presidente interpretou como sendo de um “maluco”, negando o seu pedido. Ironicamente acontecendo que, paralelo a esse fato, um pedido semelhante foi feito por Guglielmo Marconi em seu país, a Itália, tendo toda uma esquadra à disposição por parte do seu governo.

Porém, se o desprezo acontecia aqui por parte de nossos iguais, pessoas de fora não cometeram a mesma falha. Como se pode ver, ainda em 1902, o jornal americano "The New York Herald", em reportagem sobre as experiências desenvolvidas na época, inclusive por cientistas americanos, alemães, ingleses dentre outros, na transmissão de sons sem uso de aparelhos com fio destacar o mérito de Landell de Moura comentando o seguinte:

"Por entre os cientistas, o brasileiro Padre Landell de Moura é muito pouco conhecido. Poucos deles tem dado atenção aos seus títulos para ser o pioneiro nesse ramo de investigações elétricas. Mas antes de Brigton e Ruhmer, o Padre Landell, após anos de experimentação, conseguiu obter uma patente brasileira para sua invenção, que ele chamou de Gouradphone".

Contudo, há mais ainda a se dizer. Sendo que a própria Itália, segundo Hamilton Almeida em 17/02/2015 na edição 838 do informativo Observatório da Imprensa , através de um livro intitulado “Tu piccola scatola La radio: fatti, cose, persone”, de Laura de Luca e Walter Lobina, reconhece os méritos de Landell de Moura, por mais ufanismo que o país tenha com seu conterrâneo Marconi, ao colocar que o padre brasileiro teve o mérito na “primeira transmissão de rádio que se têm noticia”.

Afirmação esta que se faz com base no seu experimento realizado já em 16 de julho de 1899, num domingo, quando realizou uma experiência pública de comunicação na capital paulista, em que se passou uma mensagem do Colégio Santana, em uma colina da rua “Voluntários da Pátria”, na zona norte, até a Ponte das Bandeiras, em uma distância aproximada de 3,8 km com a seguinte ordem: “Toquem o hino nacional”. E em seguida, pode se ouvir o toque do hino.

Sendo que por fim, podemos ousar dizer com base nas próprias cartas patentes do padre Landell, que o mesmo recomendou o emprego das ondas curtas para facilitar as transmissões quando essas ondas não eram sequer cogitadas por outros cientistas. Além de ter projetado a transmissão de imagens (Televisão) e textos (Teletipo) à distância sem fios.

Um currículo extenso de realizações que não impediram que este pioneiro terminasse seus dias no anonimato, num Hospital da Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, desgostoso com a falta de apoio na concretização dos seus sonhos. Uma injustiça hoje corrigida, tanto que em 21 de janeiro de 2011, Roberto Landell de Moura teve seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria (reservado aos maiores nomes da história do país). Assim como uma série de outras homenagens, em especial no seu estado, o Rio Grande do Sul.

Todavia, será que não é tempo de valorizarmos melhor os nossos pensadores? Ou será que devemos continuar nos conformando em sermos apenas uma sombra das grandes potências ricas? O exemplo do “bruxo” das telecomunicações, Roberto Landell de Moura nos convida ou não a pensar muito sobre isso? Quanto este país pode estar a perder não valorizando os incontáveis cérebros que precisam apenas ser motivados, valorizados, amparados para nos retribuir em dobro toda a atenção que por um tempo necessitem?

Sobre o Autor:
Luis Marcelo Santos. O Autor é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba).

2 comentários:

  1. Ora, no Brasil gente de valor não é valorizada. O Instituto de Patentes, para reconhecer invenções, demora tempos para aprovar uma. E há muita gente "famosa" a ser cultuada, contrariando a necessidade de conhecer nossos verdadeiros valores. Além disto, há a feroz intolerância religiosa, política, racial..,

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  2. Os alunos e estagiários de nossas escolas de engenharia são fantásticos. inventam coisas incríveis. Mas não recebem proteção a seus projetos. Muitos os registram nos USA, que não criam tanta complicação para isto. As empresas estrangeiras é que procuram engenheiros brasileiros. O desenvolvimento material resulta de: 1. recursos estratégicos; 2. tecnologias para transformá-los em bens. Recursos temos; o Brasil ´é o país mais galardoado pela natureza no planeta; tecnologias são nosso problema. Não há interesse no crescimento tecnológico de nosso país. Nossas elites dirigentes (os que controlam a terra, o dinheiro e a exportação de nossos recursos) têm vocação para exportadores. E o gigante permanece adormecido, alimentando o poder e a prosperidade dos países ricos.

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