A PRIMEIRA INDEPENDÊNCIA DA VENEZUELA

Na época colonial o contrabando favorecia enormemente a elite criolla venezuelana, os chamados mantuanos. O comércio por vias legais era carregado de impostos, que os criollos não estavam dispostos a pagar. Quanto mais produziam mais tributos tinham que pagar.

As atividades econômicas se baseavam na mão de obra que trabalhava por dívida: os chamados peões (peonajem). Estes peões trabalhavam nas fazendas (haciendas) dos criadores de gado (de onde provinha também o couro), chamados llaneros. Nas propriedades onde se produziam cacau e algodão a mão de obra predominante era de trabalhadores escravizados. Os produtores de cacau e os criadores de gado, eram a elite que dominava Caracas, uma cidade próspera comercialmente; seja pelas vias legais e/ou pelo contrabando.

Com maior projeção econômica que a vizinha Nova Granada (atual Colômbia), não é de se estranhar que os movimentos de independência começassem na Venezuela. O comércio via contrabando trazia, além de lucros para a elite, idéias liberais e republicanas dos Estados Unidos.

Em 1806, o general Francisco Miranda (1750-1816), desembarca na Venezuela com seus camaradas, iniciando um período de lutas pela independência local que vai até 1821. Na verdade, Miranda havia organizado este movimento após participar ativamente de outros episódios significativos da época: a independência das Treze Colonias inglesas na América do Norte e da Revolução Francesa de 1789. Miranda pertencia a elite criolla venezuelana. Durante sua estada na Europa, conheceu a corte da czarina Catarina II, da qual teria sido amante. Na Inglaterra, fundou, com alguns “patriotas”, a sociedade secreta “Grande Reunião Americana”, com o objetivo de disseminar as ideias de emancipação e libertação das colônias. Alguns homens ilustres nos movimentos de independência, tais como Bolívar e O'Higgins, participaram da Grande Reunião Americana. Conseguindo apoio de alguns ingleses, interessados no comércio direto com a elite de Caracas, Miranda vai para Nova York onde planeja sua investida a Venezuela.

Francisco Miranda

O movimento de 1806, liderado por Miranda, não durou muito. Em pouco tempo foi esmagado pela reação e por parte significativa da elite criolla local. Logo que desembarcou Miranda achou que parte da população local iria apoiá-lo em sua causa da independência, o que não ocorreu. As elites locais ainda tinham uma certa desconfiança não só na figura de Miranda, que parecia demasiado radical para o conservadorismo típico dos criollos, mas também por ele ser patrocinado pela Inglaterra (a escolta marítima de Miranda de Nova York até Coro – na costa da Venezuela – foi feita pelo almirante inglês Lord Thomas Cochrane). Embora houvesse um comércio ilegal entre os grandes comerciantes de Caracas com a Inglaterra, não lhes convinha se emancipar da Coroa espanhola para cair nas mãos da Coroa inglesa. Se fosse assim, seria melhor permanecer como está: sem independência, sem rebeliões contra a metrópole.

Com o fracasso de seu movimento, Miranda foi obrigado a se exilar na Inglaterra. Os criollos venezuelanos puderam dormir em paz novamente.

Mas a tranquilidade durou apenas alguns anos. Os acontecimentos na Espanha fizeram com que os criollos da Venezuela tomassem uma atitude. Em 1808, o irmão de Napoleão, José Bonaparte, foi posto no trono da Espanha. Os espanhóis, para resistir ao rei imposto pelo imperador francês, organizaram uma junta para governar em nome do monarca deposto – porém legítimo. Nas colônias o processo foi semelhante: juntas foram organizadas.

Em Caracas, antes mesmo de se formar uma junta de governo, foi enviado um capitão geral francês para governar no lugar dos espanhóis (a Venezuela era uma capitania então seu governador era um capitão e não um vice-rei). Os governantes franceses pensavam: “já que governamos a Espanha, com o rei José, governamos suas colônias”. Quando este capitão, chamado Desmolard, chegou foi recebido por um banquete pelos criollos abastados. Durante o banquete houve hostilidades entre os criollos e entre o capitão francês. Com o vácuo de poder colonial, os colonos usariam sua força para lutar por mais autonomia e não queriam se submeter ao governante francês. Este teve que sair correndo da Venezuela e voltar para a Europa. Um dos criollos que fazia parte do banquete, era um criollo recém chegado da Europa. Seu nome: Simon Bolívar (1783-1830). Diferente dos demais criollos, Bolívar estava disposto a lutar não só por mais autonomia, mas também pela independência.

Bolívar, assim como muitos outros líderes das independências, era oriundo da aristocracia caraquenha produtora de cacau. A fortuna da família Bolívar permitiu ao jovem Simon ter uma educação de alta qualidade. Seu primeiro professor foi o iluminista americano Simon Rodriguez (1771-1854). Rodriguez tinha ideias extremamente originais sobre educação e política. É de Rodriguez a célebre frase: “La América española es original; Originales han de ser sus instituciones y su gobierno, y originales los medios de fundar uno y otro. O inventamos, o erramos”. Foi Rodriguez que apresentou a Bolívar o pensamento radical de Rousseau.

Simon Rodriguez acabou sendo preso por suas atividades contra a Espanha. Bolívar, sem seu professor e grande inspirador dos ideais de liberdade para a América, conclui seus estudos na Europa. Lá se casa com a filha de um outro aristocrata venezuelano, Maria Teresa. O casal retorna a Venezuela, mas Maria Teresa morre em pouco tempo

De volta a terra de seus antepassados Bolívar acompanha a ascensão de Napoleão e a efervescência política européia; consequência da Revolução Francesa de 1789. Em 1805, em Roma, Bolívar faz o seu famoso juramento no monte Aventino: “juro perante o Deus de meus pais, pelos meus próprios pais, pela minha honra e pela minha pátria, que não descansarei enquanto não houver despedaçado as cadeias que me prendem pela vontade e pelo poder da Espanha!”. Antes de voltar em definitivo para a América, ainda trava conhecimento com o alemão Alexandre Humboldt e com seu conterrâneo Miranda.

Bolívar chega a América em 1807. Ele fica sabendo do movimento de Miranda e entende que ainda é preciso de tempo para amadurecer a ideia de independência e chegar o momento oportuno.

Em 1810, o capitão-geral Desmolard, mandado pelos franceses, acabou se demitindo, obviamente por sentir-se inseguro diante da pressão de alguns criollos locais. Com a demissão do capitão, formou-se em Caracas uma junta de governo, semelhante as outras que se surgiram no mesmo período. Os criollos que compunham a junta não queriam a independência. Era um momento delicado, afinal, como lutar por mais autonomia sem ser visto com desconfiança pelos espanhóis?

Assim, a junta de Caracas achou que seria necessário conseguir algum tipo de auxílio exterior. Neste sentido, Bolívar ofereceu-se para ir até a Inglaterra e angariar apoio do país, que tinha, como já sabemos, interesses comerciais na América Latina. Bolívar foi para a Inglaterra junto com o professor Andrés Bello (1781-1865), mas recebeu ordens bem específicas da junta: não deveria entrar em contato com Miranda; pois o radicalismo deste deixava a junta moderada com muita desconfiança.

Bolívar foi teimoso: quando chega a Londres a primeira coisa que faz é ir em busca do exilado Miranda. Para Bolívar, chegara o momento que ele tanto esperava, a Venezuela já estava madura para sua independência. E ninguém melhor do que Miranda para liderar a emancipação. Bolívar convence Miranda a retornar.

Enquanto isso na Venezuela, as tensões tornam-se mais evidentes. A regência espanhola de Cádiz, temendo que a junta de Caracas liberasse os seus portos a estrangeiros decreta o bloqueio de todos os portos venezuelanos. Esta medida foi recebida com grande horror pelos criollos que dependiam do comércio de seus produtos. Assim, quando Bolívar retorna encontra um ambiente hostil à Espanha, o que lhe dá a segurança para pedir a junta a total independência. Claro que nem todos os criollos eram a favor da separação, mas com a chegada de Miranda a junta se desfaz. Um congresso é formado e a independência da Venezuela foi proclamada em 5 de julho de 1811.


REFERENCIAS:

BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da independência a 1870. São Paulo:

DOZER, Donald M. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre: Globo, 1974.

GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013.

HALPERIN DONGHI, Tulio. História da América Latina. São Paulo: Circulo do Livro.

POMER, Leon. As independências na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 2007.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

2 comentários:

  1. Muito bom o texto. Apesar de extenso, é tão leve que senti ter lido em segundos. Obrigada por compartilhar o conhecimento :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pelo comentário Fleur. Em relação ao tamanho do texto acaba sendo um diferencial para sair da mesmice de outros sites da internet, que apenas reproduzem o conhecimento.

      Excluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...